Padre Marcos Antônio. TOCAR FERIDAS

Pe. Marcos Antônio, Ocrl

TOCAR FERIDAS

No último Domingo a Igreja nos convidou a celebrar o Domingo da Divina Misericórdia. O Ressuscitado toca com sua presença o mais profundo de nossa existência. Sua Presença é presença de um encontro que nos gera para a vida. Experimentamos o o toque de Jesus em nossa incredulidade e fragilidade, nos revestimos de uma esperança e de uma força que nos lança no caminho de superação de nossos medos e incertezas.

O evangelista João nos coloca diante da Comunidade dos discípulos de Jesus, marcada pelo medo, insegurança, os acontecimentos dos últimos dias marcaram profundamente a vida e o coração daqueles seguidores de Jesus. Não é fácil quando o medo, a decepção e insegurança nos atingem, no primeiro momento nos refugiamos em nossas “portas fechadas”. Nesta realidade o Ressuscitado abre-nos para o movimento da vida, nos tira do medo e nos coloca em um prolongado caminho da coragem, somos convidados a nos transformarmos em uma Comunidade de superação dos medos que carregamos, das portas que insistimos em ficar fechadas. Viver no medo é não perceber que existe vida à nossa volta, que recebemos de Jesus um sopro de vida que nos envia para a missão. Os discípulos não podem ficar curtindo a morte, deixando que ela alcance o coração.

O Ressuscitado devolve a vocação de discípulos, de peregrinos do Evangelho. “Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou em pondo-se no meio deles…” (Jo 20,19). É bela a dimensão litúrgica que João nos convida a penetrar, neste primeiro dia da semana, uma tardinha, um anoitecer, uma mistura de luz e começo de escuridão. É esta certamente a realidade que marca a vida daquela Comunidade Discípula de Jesus. É bem assim que nos encontramos marcados por vezes por luz e escuridão. Neste estado o Ressuscitado rompe as portas fechadas e ficar em nosso meio.

Que alegria podermos experimentar a presença do Ressuscitado em nosso meio, o centro da Comunidade é Jesus Cristo que nos concede com sua presença do dom da paz: “A paz esteja convosco”. Somos vocacionados por Jesus Cristo a sermos homens e mulheres protagonistas da paz, não de uma paz qualquer, mas a paz que emana do próprio Cristo.

O Mistério da Eucaristia, toca o mais profundo de nossa existência, celebramos a Presença de um encontro que nos gera para a vida. Cada Eucaristia é o toque de Jesus em nossa incredulidade e fragilidade, nos revestimos de uma esperança e de uma força que nos lança no caminho de superação de nossos medos e incertezas. Somos vocacionados por Jesus Cristo a sermos homens e mulheres protagonistas da paz, não de uma paz qualquer, mas a paz que emana do próprio Cristo.

A Liturgia nos convida a contemplar Tomé, na sua incerteza, insegurança, no seu desejo de querer ter provas palpáveis da ressurreição de Jesus, não somos diferentes de Tomé, de certa maneira ele nos representa nesta pressa de querer acreditar a partir de um olhar meramente humano, acessível, mas não transcendente. O convite que Jesus faz a Tomé nesta tarde de abraço e de encontro é de que ele tenha a coragem de tocar em suas feridas: “Põe teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. (J0 20,27). O que realmente significa tocar as feridas do Ressuscitado? Que convite mais estupendo, belo e ao mesmo tempo exigente é feito a Tomé e em Tomé a cada um de nós. Só tocando as feridas do Mestre que é misericordioso, é que entramos no processo dinâmico do acreditar, deixamos de ser pessoas infiéis para sermos fieis, pessoas que adentram com o coração no caminho da fé. Tocar as feridas para nos tornar pessoas misericordiosas. Talvez o que não damos conta é de que tocando as feridas do Ressuscitado estamos tocando as feridas de todo ser humano, e isto exige um ser discípulo que sabe tocar as feridas das pessoas. Um cristianismo que não toca nas feridas de todo ser humano, que não coloca as mãos “no coração ferido das pessoas”, esqueceu do encontro com o Ressuscitado-Crucificado.

O convite sempre continua a ser feito, “Põe o teu dedo aqui, e olha as minhas mãos”. Creio que o cristianismo hoje passa por uma grande crise, “a crise de não querer tocar nas feridas”, e há muitas feridas que precisam ser tocadas, tocadas sem medo de nos contagiar, tocar com o coração, a vida. Estamos vivendo um cristianismo muito asséptico, muito positivista diante da realidade da dor e do sofrimento das pessoas. O que dizer hoje para as pessoas excluídas por diversas condições? O que dizer para as pessoas vítimas de grandes preconceitos? O que dizer para quem viver à margem da sociedade, fala-se de uma nova categoria de pessoas “os invisíveis”. O que dizer então, que Cristo Ressuscitado anunciamos para estas pessoas? Creio que o toque nas feridas de Jesus, foi uma reviravolta em sua vida, entrou de verdade no caminho de conversão.

Percebemos que a decepção de Tomé o faz sair da Comunidade: “Dito dias depois encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com ele”. (v.26). Há uma tendencia quase que generalizada a de sair em qualquer decepção, a coragem de não enfrentar-se faz com que na primeira decepção sair da Comunidade. Fora da Comunidade Tomé é incapaz de acreditar na experiência que os seus amigos tiveram do Ressuscitado. Olha que perigo começamos a jogar “baldes de água fria” no testemunho dos outros, claro estou fora da Comunidade, não posso acreditar: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado não acreditarei” (Jo 20,24). A Comunidade, a Igreja e o lugar de minha profissão de fé comunitária.

O que Jesus estar dizendo a Tomé, tenha a coragem de enfrentar sua própria incredulidade, tenha a coragem de voltar para a Comunidade. Ainda bem que oito dias depois ele voltou e voltado fez o toque transformador de sua vida, o toque nas feridas de Jesus, o toque em suas próprias feridas.

Que a Divina Misericórdia nos faça peregrinos de sua misericórdia em um mundo que tem perdido a capacidade de compadecer, ser reflexo da misericórdia de Deus para a humanidade. É urgente proclamar o Evangelho da misericórdia, O Ressuscitado nos faça o convite: “Vem tocar as minhas feridas, toca as tuas feridas.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

JOSÉ, A SOMBRA DO PAI

Na última terça-feira dia 19 a Igreja nos convidou a contemplar a São José, chamado por Deus a colaborar da obra da salvação com a sua vocação de pai do Filho de Deus e verdadeiro esposo da Virgem Maria. Neste dia a Igreja faz uma certa pausa na sobriedade da Liturgia da Quaresma para celebrar a Solenidade de São José, Padroeiro Universal da Igreja, o verdadeiro esposo da Vigem Maria, recendo do próprio Deus a vocação de cuidar das primícias da Igreja. Hoje nos revestimos de alegria para louvar a Deus por tantas graças que recebemos pela intercessão de tão grande protetor e advogado diante de Deus.

            O Papa Francisco nos ensina que o Esposo da Mãe de Deus é para nós, assim como foi para Jesus, a sombra de Deus Pai. Sua obediência, ternura, acolhimento, coragem e laboriosidade o fizeram modelo de homem segundo o coração de Deus. Não resta dúvida de que José descendente de Davi, foi escolhido por Deus, escolhido segundo o seu coração. São Bernadino de sena destaca duas virtudes de São José são profundamentes significativas para nossa vida. Guarda fiel e providente. Veja o que nos diz São Bernadino de Sena: “É esta a regra geral de todas as graças especiais concedidas a qualquer criatura racional: quando a providência divina escolhe alguém para uma graça particular ou estado superior, também dá à pessoa escolhida todos os carismas necessários para o exercício de sua missão”. Deus nos chama e não nos abandona diante do chamado, seria da parte dele não fiel. Ninguém pode ter medo diante do chamado, quando Deus chama e ele assegura a sua presença, nos assiste com a sua divina graça. Que falta de confiança em Deus, expressamos quando dizemos não a uma vocação especial que ele nos apela, a um estado de vida para a transmissão da sua Graça. São José soube mesmo nas incertezas, fazer o caminho que Deus o indicava a percorrer, com a Virgem Maria e com o Jesus, o seu “Filho do coração”, gerado em seu coração de pai. 

            São Bernardino de Sena continua: “Isto verificou-se de forma iminente em São José, pai adotivo do Senhor Jesus Cristo e verdadeiro esposo da rainha do mundo e senhora dos anjos. Com efeito, ele foi escolhido pelo Pai eterno para ser o guarda fiel e providente dos seus maiores tesouros: o Filho de Deus e a Virgem Maria. E cumpriu com máxima fidelidade a sua missão. Eis porque o Senhor lhe disse: “Servo bom e fiel! Vem participar da alegria do teu Senhor!” (Mt 25,21). Convite mais do que justo e necessário feito a São José. Ele não resta dúvida foi este servo bom e fiel, que agora é convidado a participar da alegria do seu Senhor. Do céu diante de Deus ele participa desta alegria, uma alegria que não fica apenas para si, divide com todos aqueles que lhe devotam com a sua intercessão. São José servo bom e fiel, nos conduz ao teu Filho, nos indica o caminho da fidelidade e da bondade. O que teu Filho aprendeu, ele aprendeu de ti, não resta dúvida o ensinastes a ser bom e fiel. Nos mantém São José nestes tempos tão difíceis em que nos falta o compromisso com o Evangelho, com o Reino a nos manter na bondade e na fidelidade. Ensina esta Igreja, este povo a dizer sim, a não ter medo de se comprometer com a Igreja. O medo de dizer sim e de continuar no caminho revela uma imaturidade tão grande em nossa fé.

            Vamos continuar com São Bernadino de Sena: Considerando São José diante de toda a Igreja de Cristo: acaso não é ele o homem especialmente escolhido, por quem e sob cuja proteção se realizou a entrada de Cristo no mundo de modo digno e honesto. Se, por tanto, toda santa Igreja tem uma dívida com a Virgem Maria, por ter recebido a Cristo por meio dela, assim também, depois dela, deve a São José uma singular graça e revência. São José nos indica duas virtudes tão necessárias para estes tempos difíceis, inclusive para a Igreja: dignidade e honestidade. Como se faz necessário de São José aprender a sermos pessoas que conseguimos com o suor do trabalho digno e honesto prover o sustento para nossas vidas.

            São José nos ajuda a desenvolver uma espiritualidade que chamo a “espiritualidade do cotidiano”. Viver uma espiritualidade do silêncio, uma espiritualidade sem barulho, de apenas permanecer na presença de Deus como ele permaneceu lá naquela oficina de Nazaré, ensinando a Jesus, ser o que ele foi no cotidiano. O nosso cotidiano é como o cotidiano de São José, feito e acolhida das dores, das alegrias, das surpresas de Deus que nos propõe a experimentar a própria vida como dom, feito entrega. Acolher estas dores e alegrias é acolher de verdade o que somos, desta realidade bem real e concreta não podemos fugir. Ninguém pode passar a vida fugindo do que a vida mesmo tem para lhe cobrar. Ninguém pode viver a vida toda em uma fé infantil, que não gera compromisso com nada e com ninguém. Neste sentido São José nos dar uma aula, nos ensina que o mais belo da vida e dizer sim mesmo quando não se tem as respostas para todos os questionamentos. Quando ele disse sim foi até o fim porque soube viver abandonando-se em Deus.

            Peça hoje a São José a graça e colocar-se no caminho da vontade de Deus, abraçando o que Deus tem a nos oferecer, ele mesmo se encarregará de levar até o fim o que começou em sua vida através de você.

            Concluamos rezando o Ave São José, composto por Dom Marcelo arcebispo emérito desta nossa Arquidiocese de saudosa memória: “Ave José, ornado de justiça, bendito és tu entre os varões, e bendito é o fruto de tua descendência davídica, Jesus. São José, pai do Filho de Deus, roga por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte”. Amém.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

A GRAÇA DE REZAR.

Este ano em preparação para o Jubileu – JUBILEU 2025.  O Papa Francisco nos convidou a intensificar nossa vida de oração. Rezar é uma grande graça, uma daquelas graças constitutivas do ser humano. E se existe uma graça que não pode faltar na nossa vida é a graça de rezar. Mas não uma oração, mecânica, ou apenas um desenvolvimento do emocional. A oração como caminho de integração humana, por isto mesmo que a oração vai sempre desenvolver em cada um de nós o olhar. O olhar para a realidade que nos cerca e nos desafia a ser uma reposta de Deus para as grandes perguntas do mundo.

 Rezar é uma experiência de amorização. Como é bom amar, sentir-se amado, querido. Deus nos fez para amar, para sermos totalmente envolvidos em seu amor. Por isto que vivendo desta certeza encontramos a razão se existirmos. Hoje convido você a entrar na Escola da Oração que é a escola do amor. Santo Agostinho compreendeu que o orante é uma pessoa amante por isso abandonou-se no amor de Deus.

Vivemos no tempo da desintegração, da divisão, da perca de identidade. Este tempo nos desafia, mas do que ficarmos com medo precisamos nos encher de coragem. A oração diante desta realidade constitui um convite a nos colocarmos no caminho da integração humana. Os grandes orantes mergulharam na fonte da oração porque olhando para a realidade do seu tempo, souberam contemplar os desafios desta mesma realidade com o olhar de Deus. Fizeram da oração um caminho a ser percorrido em direção a Deus, neste itinerário consideraram como ser significativo olhar a realidade existencial, seja presente e si mesmo, seja no outro.

Para fazer o confronto com Deus é preciso que anteriormente se tenha a coragem de confrontar-se e depois confrontar-se com o outro. A estrada que nos leva Deus é sempre o outro. “Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus que não vê não poderá amar”. (1Jo 4, 20).

Se a oração é um caminho de integração humana, este caminho deve ser percorrido numa total confiança. Ninguém estar integrado suficiente ao ponto de dizer: “Já estou pronto, tudo em mim é perfeito, graças a Deus que não sou como os outros…”Olhe para dentro de si mesmo e veja a podridão que possivelmente existe em você. Veja que a oração lhe indica o caminho da conversão, de mudanças frequentes e necessárias.

Olhando para a herança dos Padres e Mães do Deserto, vamos descobrindo que eles nos apontam para horizontes diferentes, fazendo o caminho inverso do que fazemos. Para eles a via de encontra-se com Deus é sempre o humano, embora estando no deserto não se abandona a caridade; esta mesma é o coração da oração cristã. A caridade, mas do que um fazer é um ser para o outro, para quem de mim se aproxima, ou quem de mim se distancia.

Os Padres e Mães do Deserto tinham consciência de que a oração não nos afasta do mundo, pelo contrário nos faz emergir nos grandes gritos de dor da humanidade. Com isto eles nos convidam a fazeruma revisão na nossa maneira de rezar, dos frutos que podemos colher da oração que fazemos.O grande perigo que corremos hoje é de sermos desintegrados até mesmo na nossa experiência com Deus. Cada um vai assumindo uma atitude profundamente intimista na vida de oração, não assumindo nenhum compromisso com a realidade. A oração cristã tem como ponto de partida a pessoa de Jesus, o orante do Pai, que assumindo a condição humana manifestou as criaturas que Deus sempre se fez presente em nossa vida e nos convida a fazermos o mesmo na vida do outro.

Se a oração é um caminho de integração humana, porque então estamos tão desintegrados de nós mesmos e da realidade que nos cerca? Como fazermos da oração um caminho de conversão…? Nossa mente viciada pela cultura da eficiência, também espera que a oração nos dê resultados imediatos, como qualquer outra ação onde recebemos o fruto do nosso esforço.

Na oração não se trata de resultados meramente humanos, embora seja de grande importância o esforço que podemos e devemos fazer para alcançar o que desejamos. Mas do que isto a oração como nos dizia Santa Teresa do Menino Jesus, é uma questão de amizade. Rezar é estar com o Amigo Jesus, que nos acompanha de perto. Assim estamos seguros com sua presença.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

VIDA ILUMINADA.

No último domingo, o terceiro Domingo da Quaresma dentro da dinâmica pedagógica que a Quaresma nos propõe a fazer, nos é apresentado o Evangelho da transfiguração. Bem que poderíamos chamar este Domingo, do “Domingo da iluminação”, o Domingo da luz da Transfiguração que transpassa o nosso ser. A luz nos transfigura, nos faz tomar consciência da finitude, e ao mesmo tempo da plenitude a que sou chamado a ser e a experimentar no cotidiano de minha existência.

            Assim como fomos tomados pelas mãos de Jesus a ir com ele ao deserto, no Domingo anterior, o primeiro da Quaresma. Hoje ele continua a nos conduzir, ao monte Tabor – lugar do encontro com o “Filho amado do Pai”. Neste encontro experimentaremos a luz da sua divina presença, que nos transfigura, que nos revela um novo rosto, uma nova identidade humana. Sou chamado a adquirir na dinâmica da minha própria existência aquela luz transfigurante do próprio rosto de Jesus, ele compartilha de sua luz comigo, ele me quer iluminado, um ser transfigurado por sua luz.  Que bom experimentar a sua luz em meio as trevas, o Filho amado compartilha com seus discípulos da luminosidade que recebeu do Pai.

            O evangelista nos apresenta um detalhe desta manifestação teofânica que não pode passar despercebido: “Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar” (Mc 9,3). Esta luminosidade de Jesus em plena escuridão que a humanidade hoje experimenta nos convida a perceber que somos inseridos no mistério de sua luz. O Filho amado do Pai, nos diz que não estamos sozinhos, há uma luz que transpassa toda e qualquer escuridão, a Luz do Cristo que transfigura toda nossa existência.

            O que Jesus nos tem a nos dizer conduzindo-nos ao Tabor do nosso cotidiano?  Não será um convite a sair das trevas, para acolher a beleza da luz fulgurante que se esconde em cada um de nós? Deus se esconde em nós para iluminar o mundo com sua presença em nós. saia das trevas! Acolha a luz que existe dentro de ti. A subida ao monte de sua vida te proporciona a beleza da sua interioridade.

            O apelo do Evangelho nos coloca no movimento, um convite a uma saída de nossas seguranças, de uma caminhada, de uma vida sem horizontes, a serem desejados, alcançados e comtemplados. Jesus nos indica o movimento luminoso do Tabor e nos devolve uma identidade. Não é fácil subir ao Tabor, mas é o próprio Senhor que nos chama tanto para subirmos quanto para fazer quando necessário a descida. Toda descida é exigente possibilidade de dizer em prática para outras pessoas que não tiveram o privilégio da subida, o quanto foi bom ficar em comunhão com Jesus, com Elias e Moisés.

            A coragem da descida exige alma e coração contemplativo, para uma ação transformadora no mundo. O tema da luminosidade perpassa todo o texto, uma luminosidade que nos desafia a resplandecer em plena escuridão. O Jesus luminoso, que nos envolve com a sua luz. As trevas podem me visitar, posso ser surpreendido por elas, mas elas são apenas passagem em minha vida, na verdade o que me plenifica, o que permanece e que me faz desejar construir como pediu Pedro “tendas de contemplação” é a experiência da luz que plenifica o meu ser.

            Na minha vida eu não faço apenas uma experiência de transfiguração, ela se multiplica ao longo de minha vida. Da montanha do Tabor ao cotidiano, que experiencia estou fazendo de Jesus transfigurado-luminoso? O que foi o Tabor para Jesus? Colocou Jesus no movimento de íntima da intima comunhão com o Pai, do deixar-se iluminar pela luminosidade do Pai.  O Pai declara-se amorosamente ao Filho, uma declaração de amor que coloca Jesus no caminho da fidelidade ao Pai: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” (Mc 9,7). O Filho amado do Pai, declara também a cada um de nós o amor que recebeu do Pai, por isto mesmo é preciso ficar na escuta do que ele tem a nos dizer, a falar ao nosso coração. Aquele Tabor foi um caminho indicativo de vitalidade e renovação para os discípulos. A Igreja precisa de o Tabor anunciar a luminosidade transformadora em meio as trevas. Isto só é possível quando a descida é feita com aquela chama que foi despertada m nosso coração e ela começa e precisa afora arder no coração do mundo.

            O movimento da luz do transfigurado, Jesus é envolvente, eu diria “apaixonante ao ponto da proposta de Pedro, tomando consciência do vem que aquela experiência estava fazendo na vida dele e dos discípulos André e João: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias” (Mc 9,5). Fico impressionado com a experiência extasiante de Pedro e dos outros dois discípulos, eles nem pensaram nas tentas para eles. Onde eles ficarão? Pode ser que cada um em uma tenda? É assim mesmo em nossa experiência que fazemos de Deus, quando plenamente feita nos esquecemos até de nós. Devemos nos esquecer de nós sair do “eu egocêntrico, ao “eu oblativo”.

            Para mim um lado revelador e profundo na Transfiguração: a descoberta de minha identidade de luz que sou. Na interioridade de meu ser eu carrego a luz. Podemos assumir a possibilidade de “trevas” e criamos círculos de trevas que me envolve continuamente, mas de repente aquela verdade pronunciada por Jesus: Vós sois luz do mundo” (Mt 5,14-16)se irrompe na história de cada um de nós e então resplandece a luz da amorosidade em nosso ser. Pare de investir em suas trevas, elas não dizem o todo do seu ser, faça o caminho da luminosidade em sua vida.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

OLHAR MINHAS CINZAS.

És pó e ao pó hás de voltar” (Gn 2,70).

Ontem iniciamos nossa caminhada quaresmal sendo posto em nossas cabeças cinzas, com cinzas iniciamos este caminho quaresmal que nos conduz a Páscoa do Senhor. Um tempo de graça que nos convida ao deserto de nossa própria existência e nos percebermos como peregrinos, marcados pelo jejum, a oração e a penitência. Um caminho que nos convida a um olhar; olhar a finitude que somos, olhar minhas cinzas, e dizer no mistério do encontro com Cristo, sou capaz como a fênix de ressurgir de minhas próprias cinzas. Para ressurgir de suas próprias cinzas é preciso ter a coragem de encontrar-se consigo mesmo e fazer este caminho de transformação interior. 

            Cinzas é uma bela imagem simbólica para iniciarmos bem a Quaresma. Porque a condição de cinzas revela não apenas a finitude, mas a fragilidade do nosso ser, o que realmente somos. Este caminho espiritual que a partir de hoje estamos iniciando que nos prepara para celebrar a Páscoa é convite a contemplação do mistério da Igreja que se renova na paixão, morte e ressurreição do Senhor. Não se trata apenas de uma mera preparação para a celebração da Páscoa, trata-se sobretudo da descoberta da ação amorosa de Deus revelada em nossas vidas através de Jesus. Estes quarentas dias de Retiro quer ser o nosso retorno ao deserto de nossa vida.

            Sempre me impressionou o rito da benção e imposição das cinzas, sob nossas cabeças para expressar a penitência, a tomada de consciência do limite que alcanço. Este rito não é uma invenção, ele é herança de um povo que se percebe necessitado de percorrer o caminho da penitência. Só pessoas humildes que se revestem de sua própria pobreza, sua fragilidade, suas cinzas é que se torna capaz de celebrar vida que se transforam em Páscoa, em ressurreição. Numa solene liturgia, num convite feito com o coração o profeta Joel convida seu povo a penitência: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim como todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração e não as vestes; e voltai para o Senhor vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoa o castigo.” (Jl 2,12-13).

Para mim não tem imagem mais bela que marca este tempo quaresmal do que está que nos apresenta o profeta Joel: “Rasgai o coração…” Será que sabemos compreender o que isto realmente significa? Um coração rasgado se assemelha ao coração de Jesus, um coração que se rasga logo entende que precisa ser aberto para deixar que outros possam entrar. Rasgar o coração é dizer para si mesmo: “Eu acolho em meu ser a benignidade de Deus, sua compassividade, sua paciência e sua misericórdia.”

            O Evangelho desta Liturgia abre-nos para uma compreensão dos ensinamentos de Jesus, não é mais Moisés que transmite o conhecimento de Deus e conduz o povo de Israel a uma experiência teofànica, agora é Jesus, que conduz a humanidade a mais profunda e verdadeira experiência de encontro com Deus. Jesus nos convida a viver este escondimento, que corresponde um esvaziamento do nosso ser para viver a totalidade. “Ficai atento para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos” (Mt 6,1). Havia um certo acento em mostrar as obras de justiça para serem vistos diante da sociedade.  Parece que não mudou muita coisa, hoje a cultura é do postar, tudo que faço precisa passar pelo crivo da aceitação do outro. 

Esta cultura é a patologia da centralização do eu, o ego inflamado, com isto cada vez mais ficamos doentes de uma doença chamada incessibilidade.  Para receber a recompensa do Pai é preciso viver de maneira discreta, sem alarde, o silencioso do ser e do viver. Cuidado com as trombetas que tocamos, anunciando nossas façanhas “Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas para serem elogiados pelos homens” (Mt 6,2). Diferente das lideranças religiosas do tempo de Jesus, os mestres da Lei, escribas e fariseus, faziam dos costumes religiosos, uma oportunidade para serem vistos diante das pessoas, Jesus propõe um outro modo de viver a experiência, da oração, da esmola e do jejum, eles precisam serem vividos na perspectiva de gerar uma comunhão com Deus e com as pessoas.

Iniciamos este caminho quaresmal acolhendo em nosso interior a oração, a esmola e o jejum, estas três práticas quaresmais precisam serem integradas no cotidiano de nossas vidas. Não se trata de práticas externas, trata-se de aprofundar minha relação com Deus a partir da oração, minha capacidade de esvaziar-me de mim mesmo pela prática do jejum, minha relação com outro pela prática da caridade, com a esmola.

Na mensagem do Papa Francisco para a Quaresma deste ano, ele convida cada um a adentrar no deserto: “A Quaresma é o tempo de graça em que o deserto volta a ser – como anuncia o profeta Oseias – o lugar do primeiro amor. Deus educa o seu povo, para que saia das suas escravidões e experimente a passagem da morte para a vida, Como um esposo, atrai-nos novamente a si e sussurra ao nosso coração palavras de amor”. Como peregrinos no caminho pascal, nos renovamos neste caminho, com uma renovação pessoal e comunitária.  Acolhamos as palavras do Papa Francisco: “Deus não se cansou de nós. a Quaresma é o tempo de conversão, tempo de liberdade. O próprio Jesus foi impelido pelo Espírito para o deserto a fim de ser posto à prova da sua liberdade”.

Nos lancemos neste caminho de bondade deixando-nos nos conduzir pela força da Palavra de Deus, seja este tempo vivido na acolhida desta Palavra, para que ela nos transforme em pessoas que faz o bem sem olhar a quem. O mundo precisa de nossa bondade.

Iniciemos está quaresma com cinzas em nossas cabeças elas de maneira significativa nos remetem ao pó que somos, a fragilidade que se esconde em cada um de nós. Este percurso quaresmal será bem vivido se iniciamos contemplado nossa finitude.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

MINHA ÚLTIMA QUARESMA.

                                     “Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6,36)

Daqui a alguns dias, daremos início aos Exercícios quaresmais, podemos dizer nosso “Retiro Quaresmal anual”, um tempo que se abre como itinerário de “discernimento e mudança”. Um caminho de acolhida do essencial para nossa vida e para a vida da Igreja. A Quaresma nos coloca neste caminho da essencialidade. 

Imagine que esta seja a sua última quaresma, a última que você terá como oportunidade de entrar neste caminho de conversão, de acolhida do convite de Jesus a se converter e assumir o Evangelho em sua vida? É interessante percebermos a dinâmica litúrgica – espiritual deste tempo que gradativamente durante quarenta dias fazemos nossa travessia no deserto interior de nossa própria vida.   Começamos o caminho quaresmal com uma celebração no seu sentido profundamente significativo, na quarta-feira de cinza nos inclinamos para ser imposta em nossas cabeças, um sinal de penitencia, de que somos um pó, de que o nosso fim último não se sustenta no desejo pelo poder, da grandiosidade. O nosso fim é a experiência mais incontida da fragilidade humana, do nada que somos que no mistério da Ressurreição de Cristo nos transformamos no tudo. Celebrar a Quaresma com uma tomada de consciência deste caminho mistagógico inserindo-me na vida de Cristo. Vale a pena retomarmos o que diz a Sacrosactum Concilium ao se referir ao tempo quaresmal: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica esclareçam-se a dupla índole do tempo quaresmal que, principalmente pela lembrança ou preparação do Batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais frequência a palavra de Deus e entregando-se à oração, os dispõe à celebração do mistério pascal” (SC 109). Esta dupla finalidade não pode passar despercebida seja na ação litúrgica, seja na própria dinâmica pessoal.

Não tem sentido celebrar a Quaresma se não, para nos preparar para a PÁSCOA, a Páscoa é o fio condutor do espírito quaresmal. Preparamo-nos pela oração, pela escuta da Palavra, pela penitência para celebramos a centralidade do mistério da nossa fé: paixão, morte e ressurreição do Senhor.  Considero a Quaresma um tempo de amadurecimento humano-espiritual, um tempo para refazermos o caminho do coração, descer àquelas regiões, moradas escondidas do nosso ser para descobrirmos o que de verdade precisa ser transformado de verdade. Quem não tem coragem de descer estas moradas do seu ser vai ficar sempre na superfície. Tem gente que prefere e gosta de ficar apenas na superfície. Para descer, fazer o confronto dolorido, mas transformador é preciso ter coragem.  Quem desce ao mais profundo do seu ser diz pra si mesmo: “eu me superarei”. A quaresma é esta oportunidade de superar-se, de fazer um caminho regenerador, que lhe coloca em outra dinâmica da vida.

Quando ficamos na superficialidade perdemos a oportunidade de nos reconstruirmos como pessoas chamadas para a plenitude. A Quaresma é esta ‘madrugada’ que você precisa passar para poder na Páscoa vislumbrar a VIDA NOVA que brota da RESSURREIÇÃO, uma vida que lhe tira da morte, lhe desista-la da depressão. Fiquei pensado na Quaresma como um caminho curativo, medicinal em todo sentido. Descer as periferias existências é profundamente necessário para não nos fecharmos em nossa “zona de conforto”, quanto mais tivermos a coragem de fazermos esta descida mais vida será celebrada, será integrada plenamente.  Descer significa fazer uma experiência de acolhida interior, Jesus ao longo de sua vida teve a coragem de ir realizando estas descidas necessárias, até a última a região da morte para nos tirar da morte, segurou-nos, olhou em nossos olhos, nos reconheceu como sua imagem e semelhança que o pecado havia desfigurado, e nos disse: “sai da morte e vem para a vida da eternidade!”

Vamos entrar durante estes quarenta dias de RETIRO QUARESMAL, no silêncio da prece, no jejum, na penitencia, no convite a descermos a morada do nosso interior. Uma santa Quaresma considere que esta pode ser a última, pois o importante é viver o tempo presente, que Deus nós dar como oportunidade de conversão.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

UMA AUTORIDADE QUE CURA.

Diante de Jesus estamos diante de uma pessoa que exerce a autoridade não a partir de si mesmo, mas a partir do outro. O Evangelho deste último Domingo, o IV Domingo do Tempo Comum (Mc 1,21-28) o exorcismo de um homem possuindo pelo espírito mau, nos ajuda a perceber o exercício da autoridade que nos foi confiado. Libertar é o ponto de partida da missão de Jesus. Libertar as pessoas de tudo aquilo que lhes impedem de viver plenamente. Jesus tem uma autoridade que faz a vida se destravar em meios aos sinais de morte. Sua presença em nosso meio é sempre uma presença geradora de vida. Esta é a vocação da Igreja, fazer acontecer a vida em meios aos grandes sinais de morte, em meio a esta crise de sentido da vida que experimentamos possibilitar uma volta ao movimento da vida, integrando o ser humano no mistério dinâmico e desafiador de viver.

            Despois de estarmos com Jesus no mar da Galileia, naquele encontro com seus primeiros discípulos na perspectiva do Evangelho de Marcos, somos conduzidos a uma das sinagogas, a de Cafarnaum; lugar do culto e do ensinamento na tradição judaica, deste lugar Jesus nos apresenta o modo de Deus agir diante da necessidade da pessoa humana. Este lugar de culto passa a ser também lugar de um ensinamento novo, um ensinamento diferente do que era aplicado pelos escribas doutores da Lei e fariseus. Jesus ensina com sua autoridade, aquela mesma que recebeu do Pai. Mas do que um ensinamento o evangelista nos coloca diante da ação concreta de Jesus diante deste homem possuído por um espírito mau. Jesus não é um mestre teórico, mas um profeta, seu ensinamento tem raiz na profecia, na denúncia e no testemunho, eis aqui a grande diferença entre os mestres da Lei e o modo de Jesus ensinar. Isto causou uma grande admiração. “Um ensinamento novo” (Mc 1,27).

            Há uma admiração dos que estavam presente ao perceberem o modo novo de Jesus agir, sem legalismos, considerando a centralidade da pessoa humana, sua condição e a necessidade da mesma; diante desta situação o agir de Jesus revela o modo de Deus agir; um modo que liberta, este homem possuído pelo espírito mau. Aqui estar a autoridade de Jesus, fazer acontecer a ação de Deus na história das pessoas. É triste quando nossa autoridade seja ela eclesial, pastoral, política, social… não é profética e sim pautada no legalismo que mata, que não constrói a vida. Ficamos presos no que “isto pode, isto não pode”, “este é privilegiado para receber a benção, aquele nem pensar”. Vamos dando ordens a Deus, inclusive dizendo a que ele pode oferecer a benção e a quem ele “deve negar”. Creio estarmos vivendo o “legalismo da fé”.

            Com este acontecimento da libertação de um homem na sinagoga possuído por um espírito mau, o evangelista Marcos deixa bem claro qual a missão daqueles que seguem Jesus. Depois do encontro fascinante daqueles pescadores que se tornaram discípulos, Jesus os conduz a uma sinagoga, um lugar bem apropriado a experiência religiosa. Este lugar não pode ser de exclusão da pessoa humana, não pode ser espaço que reforça o poder da opressão. A Igreja é o lugar de colocar todos no coração de Deus. Neste sentido somos convidados a refletir qual o sentido da religião, ela deve ser libertadora ou opressora? De quem ela estar a serviço? De um sistema opressor ou libertador? Um discípulo de Jesus precisa compreender que a centralidade da missão é revelar o amor de Deus a humanidade. Recordo-me das palavras do Papa Francisco na Fratelli Tutti: “Fomos criados para a plenitude, que só se alcança no amor” (n.68). A pessoa humana é um ser para a plenitude, esta plenitude é um percurso feito no decorrer da própria existência, na medida em que este mesmo descobre o caminho do amor alcança este desejo que o próprio Deus deposita em nosso coração. Para isto é preciso deixar Deus entrar pelas frestas da porta do nosso coração, quando nos abrirmos para Deus nos abrirmos para a possibilidade de crescermos em todos os níveis de nossa vida.

            É percebível que o evangelista situa este episódio da cura do homem “possuído pelo espírito mau” em Cafarnaum, este lugar constitui o centro da atividade de Jesus. Alguns detalhes são profundamente significativos: A sinagoga, o lugar do culto, da religião, em sábado, um dia de culto e oração conforme a tradição judaica, e entre os membros da Lei que detinham o poder religioso, eles não curam aquele homem envolvido por este espírito mau. O que é um “espírito mau?” É tudo aquilo que bloqueia a relação com Deus e com os outros. Consideramos este tempo profundamente desafiador, que nos afasta da comunhão com Deus e consequentemente da comunhão com o outro. Talvez o grande “espírito mau” que nos rodeia e quer nos possuir seja da indiferença que gera um ser independente de Deus. O indiferentismo gera monstros, nos animaliza, não somos capazes de nos perceber como pessoas criadas para Deus, para sermos no mundo um sinal de sua presença. A indiferença gera um tipo de ser humano insensível diante da miséria, da pobreza, da morte. Que ser humano é este capaz de saciar seu desejo gastando bilhões com armamento? Veja quanto descaso por parte de alguns detentores poder político, econômico, diante da morte de milhares de pessoas durante a pandemia do COVID 19. Parece que estas vidas nunca tiveram importância. O que é um “espírito mau”? tudo aquilo que me distância de Deus e do ser humano. Onde estamos nos perdendo? Estamos nos perdendo porque esta sociedade alicerçada no poder econômico, esqueceu que o ser humano precisa ser amado, cuidado, porque Deus o fez para amar. Já pararam para refletir sobre os grandes investimentos no mundo do armamento nos diversos níveis? Na cultura da violência, inclusive incentivada por alguns que se dizem cristãos. Há um antagonismo entre cristianismo e violência. O seguimento de Jesus é para ser vivido com uma autoridade que constrói a vida. Nossa sede de poder, de autoridade: “aqui eu mando….” precisa se transformar em sede de oração, de serviço, de transcendência, assim exerceremos a autoridade com a cura.

            O Evangelho de Marcos quase não coloca palavras que Jesus fala, mas ele evidencia uma ação libertadora de Jesus. Ele não apresenta um discurso religioso sobre Deus, mas revela com seu gesto de aproximar, tocar, curar, quem é Deus. Que a “autoridade de Jesus” nos inspire neste desejo de revelar para o mundo com nosso testemunho o modo de ser discípulo: amando as pessoas, sendo servos.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

UMA PRESENÇA SILENCIOSA.

“O seguidor de Jesus é como que está numa barca, no meio do rio e não rema constantemente, mas, às vezes, se deixa levar pela correnteza” (Péguy)

            O tempo presente tão complexo na sua diversidade, no jogo do indiferentismo, a cada dia e instante mesmo para aqueles que não querem jogar, parece que nos esquecemos de lançar um olhar para além de nós mesmos nos movimentar em um outro caminho que seja realmente de sentido de vida. A grande crise que atravessamos talvez seja a crise de uma relação não autêntica com Deus, com isto de maneira nenhuma podemos ter uma relação verdadeira com o nosso EU por vezes colocado ao relento de nossa própria existência. Creio ser importante refletir sobre esta presença silenciosa de Deus que nos lança no movimento da plenitude.  O tempo está aí para nos dizer que vivemos o passageiro, e que somos peregrinos apenas e que sem medo é preciso fazer o caminho que nos conduz a novos horizontes.

Neste peregrinar da vida, onde está Deus? Como sentimos sua presença em meio os afazeres da vida?

Como se manifesta a sua presença? Pensei em refletir sobre estes questionamentos que nos ajudam a uma saída de nós mesmos e irao encontro do outro, ao encontro da VIDA e não da MORTE. O tema da relação humana com Deus tem sido no momento atual o pano de fundo para uma tentativa de dar respostas as grandes questões da humanidade. Qual o sentido do existir humano? O nosso chamado universal a santidade, a realização enquanto pessoa nos faz viver e fazer a experiência de uma saída constate de si e ir ao encontro deste Outro.  Mas onde encontrar Deus? “Deus está logo ali, onde termina nossa zona de conforto”. Eis o desafio a ser  enfrentado diante de uma fé que cria zonas de conforto. Que perigo quando na Igreja a nossa pastoral gira e zonas de conforto. Uma fé que se conforma com conforto é vazia de sentido de identidade originaria.  Deus está onde termina as nossas seguranças, onde de verdade ficamos pobres, desprovidos de qualquer coisa que nos impede de viver a sua experiência amorosa e transformadora em nossa vida. Deus não combina com segurança, com um falso bem-estar que nos joga no consumismo, emuma felicidade disfarçada.  Deus não pode ser conivente com este tipo de felicidade, considere que muitas das vezes o caminho da felicidade na perspectiva da graça é o contrário, é feito de grandes desafios. Deus nos livre do conforto eclesial, pastoral, teológico… Deus veio nos tirar desta conformidade e nos fazer adentrar no mistério do mundo.

Estaria Deus em outro lugar, além deste onde estamos? Não, claro que não, o lugar onde Deus habita é no coração humano, nossa felicidade enquanto destino universal se esconde no coração. Deus nos chama a ir com passos ora lentos, ora apressados ao encontro do nosso próprio coração, ao encontro de nossa própria plenitude.  Nossa vida é um convite a saímos para outra margem, aquele mesmo convite que Jesus fez aos seus apóstolos: “Vamos para a outra margem” (Mc, 4,35).Ir pra a outra margem é buscar está “minha margem”, a outra me parece estranha, mas é justamente nesta outra margem que me encontro, me realizo em plenitude, enquanto pessoa.

O primeiro desejo de chegar à outra margem nasce de dentro, do coração, que sabe ir além do seu centro e entender sua missão de busca e peregrinação interior. Gosto muito da expressão PEREGRINAÇÃO, ela define muito bem o que é a existência do humano, ainda mais quando se acrescenta a esta expressão a palavra INTERIOR. O ser humano realiza no cotidiano de sua vida a PEREGRINAÇÃO INTERIOR, um descer para o seu Eu as vezes ferido, resgatar-curar este EU FERIDO para ser pessoa integrada em si mesma, em Deus e no outro.

Logo descobrimos que tudo isto é um caminho, e no caminho não há muita segurança, há novidades, desafios, medos inquietações, buscas… O bom mesmo da vida é deixar-se, fazer-se bem pequeno para caber nas mãos amorosas de Deus, quem quer ser grande demais, não cabe no coração de Deus. O evangelho nos convidava a fazer o caminho para a outra margem, o que isto significa? Caminhar para outra margem é sair do centro, da segurança, da acomodação… sair da margem conhecida, “velha” desprovida de novidade, para encontra a Nova Margem: Lugar da relação, de questionamentos, de criatividade, de encontro com o novo e diferente… É nesta margem que Deus marca um encontro conosco, nos desafia a sairmos, com isto compreendemos o apelo constante do papa Francisco em vivermos e sermos uma Igreja em saída: Uma Igreja que vai a outra margem, que se deixa conduzir não por suas vontades, mas pela vontade de Deus. Quando olhamos para a vida dos santos, logo descobrimos que eles viveram com muita coragem esta saída constante para a outra margem. Foram peregrinos de um caminho inesperado que o próprio Deus os apontava para caminharem. Fizeram este caminho em meios as inseguranças, tudo foi se transformando em caminho, o caminho não estava pronto. Todos os santos e santas foram pessoas que saíram de seu espaço de conforto, “transgrediram” o conhecido e rotineiro, fizeram a travessia, nova missão. Ser uma pessoa que experimenta a presença silenciosa de Deus é ter a coragem de sair do espaço do conforto e entrar no espaço de Deus. Cada um à sua maneira.

Descobrir que Deus é uma presença; uma presença silenciosa em sua vida, uma presença que dá sentido viver, viver a fazer o outro viver. Na vida acontece algo de verdadeiro e belo quando nos dispomos a buscar de dentro de nós a razão da nossa existência.  Sua vida é um êxodo, um sair constante de uma realidade para entrar em outra realidade nova. O peregrinar é o elemento determinante e com um significado bem concreto na vida. Onde está Deus? Deus está bem ali, quando você faz esta peregrinação ao seu próprio ser. Uma boa e feliz peregrinação ao seu interior, não tenha medo de ir a outra margem, mesmo quando o nosso mar continua agitadíssimo, ele acalma com o seu, silencio, sua presença.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

VIVER DE PROCURA.

A fé é uma constante procura, colocar-se no seguimento de Jesus, é viver neste caminho de procura.  Somos seres de intermináveis procuras. Deus é uma procura, Nele alimentamos nossa sede de procura, uma sede que se faz presente no interior de cada pessoa.

            Depois de celebramos o Ciclo do Natal, a Liturgia nos toma pelas mãos e nos conduz a adentrarmos no ministério de Jesus, junto ao seu povo e com seus discípulos. A Liturgia nos ajuda a fazer a experiência do encontro com o Senhor, no cotidiano de nossa vida. É muito significativo o fato que iniciando o itinerário do seguimento de Jesus, tenha-se como ponto de partida o encontro contemplativo com Jesus, um encontro que transformou a vida daqueles primeiros homens que eram discípulos de João Batista e deixando-o tornam-se discípulos de Jesus. “João estava de novo com dois de seus discípulos e vendo Jesus passar disse: “Eis o Cordeiro de Deus” (Jo 1,36). Não se pode passar despercebido esta passagem de Jesus. “… e vendo Jesus passar”. Um dia ele passa em nossa vida, em nossa história e aí acontece aquele encontro que transformou a nossa vida que nos fez discípulos D’Ele, isto só é possível se o percebermos na nossa estrada com o coração. É preciso perceber sua passagem com o coração. Em um só momento João “perdeu” dois de seus discípulos que passaram a ser discípulos de Jesus. Eles deixam de seguir a voz e passam a ser discípulos da Palavra. O que estes homens da Galileia, as margens dos Jordão, viram em Jesus? Para ser discípulo de Jesus é preciso conhecê-lo profundamente, deixar-se fascinar por Ele, aí acontece o encontro de uma transformação contínua.

            O início da atividade pública de Jesus, a partir do Evangelho de João é uma experiência de busca, de encontro e seguimento. Esta tríade: busca, encontro e seguimento é a realidade mais profunda que podemos experimentar em nossas vidas, aqui estar a finalidade de toda a existência e da essência do seguimento de Jesus.

            Vivemos porque buscamos, e estas buscas são intermináveis, se não desistimos de viver de buscas, um dia realiza-se o encontro, deste encontro não sairemos os mesmos, o encontro desemboca no discipulado, eu me torno discípulo de Jesus. É impressionante que sem dizer palavra alguma, sem um diálogo prévio com Jesus, não querem saber de exigências, de protocolos, para tornarem-se discípulos D’Ele, eles os seguem; “Voltando-se para eles, e vendo que o estavam seguindo, Jesus perguntou: “O que estais procurando?” (Jo 1,38). Há algo em Jesus que os atrai, embora eles não sabiam precisamente identidade de Jesus, eles querem a princípio nem saber quem é ele, mas ficar com Ele: “Eles disseram Rabi (que quer dizer Mestre) onde moras?” Jesus respondeu: “Vinde e vede!”.“Foram, pois ver onde ele morava, e nesse dia, permaneceram com ele, era por volta das quatro horas da tarde” (Jo 1,39).  

            O que querem aqueles discípulos de João Batista? O que também nós queremos? Eles estão à procura de uma morada, querem saber onde mora Jesus? a partir daí acontece de verdade a morada interna, que dar sentido a toda existência. Eles querem saber onde Jesus mora, não é suficiente ouvir falar de Jesus é preciso uma experiência pessoal, uma necessidade de ficar com ele, um desejo de ficar olho a olho com ele para eu me transformar em discípulo.  Aqui estar talvez um dos grandes desafios da fé no momento presente. Não podemos transformar o cristianismo numa mera emoção, confundimos fé com emoção. Jesus não nos chama para uma experiência “emocional”, mas para ficar com ele, coloca-se no seu caminho, tornar-se discípulo. Hoje acentua-se com frequência a “teologia da emoção”, em detrimento da “teologia do discipulado”. É bem assim agente se emociona, chora, cai de emoção e voltamos para casa, sem mudanças internas, sem comprometimento com a minha Igreja local, minha Paróquia… Uma fé vazia de compromisso pode ser tudo, memos experiência com  e em Deus. Isto me faz lembrar o que dizia Bento XVI na Encíclica Deus caritas est 1. “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.  Não pregamos uma emoção pregamos uma Pessoa, pregamos um comprometimento decisivo com esta Pessoa. Ser discípulos é entrar neste seu movimento de integração humana e espiritual, com isto somos chamados pela fé a transformar o mundo. Toda fé se é verdadeira é transformação. 

            Aqueles dois primeiros discípulos ainda não conseguem imaginar até onde o seguimento (as consequências daquele dia de convivência) com Jesus os levará, as exigências que comportam este seguimento, no entanto deixam-se conduzir pelo convite de Jesus: “Venham e vejam”. Eles não buscam em Jesus uma doutrina, uma filosofia de vida, um “solucionador de seus problemas”, eles apenas querem que Jesus lhes mostre onde ele mora. Talvez aqui esteja o grande desafio que comporta uma experiência apaixonante: Saber onde mora Jesus para ficar com ele, sem ficar olhando para o relógio de nossa vida. A experiência foi tão profunda, marcante que o evangelista João faz questão de dizer a hora: “Era por volta das quatro horas da tarde” (Jo 1,39).Ficaram com Jesus o dia todo. Quem realmente encontra-se com Jesus não ver o tempo passar diante de sua presença. Os discípulos querem que Jesus os ensine a vive bem, viverem integrados na morada do seu ser. Uma procura que se transforma em compromisso, é uma procura amadurecida com o tempo, com a convivência com Jesus.

            Durante esta semana em sua oração, deixe ressoar em seu interior o sentido da sua própria vida: eu sou um ser de busca, porque estou neste caminho de busca? Qual o sentido da minha existência, da minha vida? Onde tenho encontrado as respostas para os desafios de minha história? Um dia quando menos esperamos, Jesus passa em nossa vida, seu caminho com o nosso caminho, se cruzam, seu olhar com nosso olhar. Na oração traga presente este encontro em que Jesus passou em sua vida. “Onde moras?” Não se trata de uma curiosidade, mas de um desejo de querer ficar com Jesus. Cada vez que rezamos acontece o ficar na casa de Jesus, aí toda saudade de Deus é de verdade saciada. Não desista de se tornar uma pessoa que reza.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa. 

SEMENTES DE ESPERANÇA.

“Ver supõe o mergulho que atinge, no íntimo dos seres, as raízes de Deus”  

(Dom Helder Camara)

         Nos primeiros dias do ano experimentamos um misto de euforia e nostalgia, é isto mesmo o que somos, esta mistura que revela o nosso ser, o movimento da própria vida. No caminho que nos é proposto percorrer, neste terreno de 2024 cada um tome as sementes de esperança e saía para semear, tenha a coragem de olhar o mundo com os olhos de Deus e olhar de Deus é um olhar de esperança.

Chegamos ao mês de janeiro de 2024 até parece que foi ontem que começamos 2023, percebemos que tudo passa muito rápido sendo preciso, rever nossa relação com a dimensão do tempo. O tempo pode passar rápido, o que não pode passar rápido e a alegria de viver a vida com intensidade, como um dom precioso, um presente de Deus.  No olhar de Deus que se relaciona com cada criatura com um amor exclusivo, nos é dado um tempo para viver intensamente, um tempo para não ser desperdiçado com coisas fúteis,com inutilidades, com alegrias momentâneas, pseudos alegrias. Viver o tempo do essencial. O tempo é breve demais para perder o tempo, invista com a descoberta da saborosa alegria de viver.  Viver é uma alegria imensurável, o bom da vida é fazer dela um caminho, um peregrinar constante, um desafio a ser vivido a cada instante, costumo dizer que o bom da vida é viver. E Viver descobrindo a alegria de ser vida em outras vidas.

E quando janeiro chegar mais preparados estaremos para dizer: “seja bem-vindo, ano novo, já estou à sua espera, já estou pronto para começar com você um caminho inesperado, um peregrinar diferente. O bom da vida é não criarmos grandes expectativas, grandes projetos…”  O bom é nos abandonarmos na vontade que Deus tem paranos oferecer. O bom da vida é nos tornar peregrinos caminhando por caminhos que ainda não existem, caminhos que vão sendo configurados na medida em que caminhamos. Caminhar é sempre preciso! Caminhar é o que nos identifica na dinâmica da graça do amor de Deus.

O início de cada ano é uma boa oportunidade pra revermos os caminhos já percorridos, o que faltou ao longo deste caminhar, o que deveria ter sido melhor? Um tempo para um pequeno planejamento, para elaborar seu pequeno projeto de vida para 2024. Agora não faça grades projetos, em tudo colocar a confiança nas mãos de Deus de verdade e ele que tudo conduz, é ele que tudo providencia em sua divina misericórdia. Quando colocamos nossa confiança em nós mesmo corremos o risco perder-nos, de esquecer de que é Deus que me conduz. Tudo em minha vida é graça porque não sou dono de mim mesmo, de minhas vontades. Entre nesta ciranda de doze canções e de trezentos e sessenta e seis dias de construção de sua felicidade. Cada dia deste ano diga para si: Eu serei responsável da construção de minha felicidade, eu pintarei a tela da minha vida com as cores do meu viver, serei responsável em devolver vida ao mundo sempre ameaçado por sinais de morte. Serei um vento novo que sopra com a força do Espírito Santo, que me desperta para acreditar em mim mesmo. Serei um pequeno facho de luz em meio as grandes escuridões do mundo. “Não deixarei de forma nenhuma que me roubem a alegria da evangelização”. Como nos apresenta o Papa Francisco. Serei uma alegria deste evangelho para a minha Igreja, para minha comunidade.

Desperte em você o desejo de viver, pegue algumas sementes de esperança e jogue no terreno que estar à sua frente – 2024. Esteja certo que as sementes de esperança darão grandes frutos se você tiver o CUIDADO de cultivar com carinho, de cuidar, de não abandonar estas sementes. As sementes de esperança lhe são entregues não para fazer pouco caso delas, cada oportunidade da vida é uma única oportunidade, cada semente é uma vida escondida, é um grito por VIDA. Cada oportunidade é uma canção que só você com sua vida é capaz de compor, de cantar e de dançar se for preciso. Não deixe a vida passar sem alegria, não perca a oportunidade de ser feliz não amanhã, mas hoje. Hoje é o dia da sua felicidade, de uma felicidade enraizada em Deus, de uma felicidade que lhe joga nos grandes anseios da humanidade, de uma felicidade que não é acomodação, mas capacidade de construir com outras pessoas uma nova história, um novo tempo de esperança e paz! Quando acreditamos que somos capazes de construir o novo, e abrir horizontes novos que talvez nós mesmos não iremos contemplar, mas deixaremos como herança para outros, isto modifica a nossa maneira de encarar os desafios da própria vida. Construir-se numa dinâmica interior, em que tudo ganha um sentido novo, onde Deus é o centro da minha história, de toda minha vida. Tem algo que é fundamental para a felicidade viver o tempo PRESENTE, Dom Helder dizia: o “HOJE de Deus”.É impressionante que aquilo que recebemos dos amigos que vem em um papel colorido, se chama PRESENTE, e quem não gosta de receber presente? Então saiba receber com alegria o presente do TEMPO PRESENTE e assim você para de ficar removendo o seu passado, com certa nostalgia que não lhe faz crescer. Viva este hoje de Deus, com gratidão, Deus lhe concedeu o DOM DA VIDA! Então Viva.           

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.                                     

DEUS É UM MENINO SORRINDO.

Que constatação mais humana e divina ao mesmo tempo, o mistério da encarnação começa com um sorriso de uma criança, uma criança envolvida em faixas, cercada de animais em um estábulo, necessitada de nosso abraço. Desde a noite de Natal podemos experimentar o sorriso de Deus que nos desconcerta, nos desarma, nos coloca em um caminho de esperança. Do presépio de Belém nossa vida ganhou um sorriso; um sorriso que nos tira de nossa demasiada seriedade, tão fria, mecânica e calculista, provocadora de uma cultura moralista e pouco evangélica. Como se faz necessário adentrar no mistério deste sorriso de Deus para que nossa vida não perca a vocação de sermos homens e mulheres que sorri para o mundo. Devolvamos ao mundo o sorriso; o sorriso que o Menino de Belém veio nos oferecer, nos ensinar.

​Desde a Noite do Natal do Senhor podemos experimentar o sorriso de Deus e não mais nos encontramos sozinhos, nenhum ser humano pode experimentar a solidão e a tristeza. Como nos dizia São Leão Magno: “Não pode haver tristeza no dia em que nasce a alegria… dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade. O ser humano encontra a alegria que havia perdido com o pecado, agora a alegria é devolvida a cada pessoa humana com o nascimento do Verbo Eterno do Pai.

​Quem é Deus? Fiquei na noite de Natal pensando nesta pergunta, que certamente nem sempre temos a facilidade de responder porque possivelmente queremos uma resposta por demais ofuscada de teorias teológicas e filosóficas. Deus é um Menino que sorri, que, numa manjedoura nesta noite, abre seus braços e o seu coração. Deus é um Menino que sorri e seu sorriso nos tira de toda e qualquer tristeza. Que beleza compreender Deus a partir de um Menino que está sorrindo para todos; sim todos, ninguém fica de fora deste sorriso do Menino de Belém. Se estamos tristes, vamos a Belém; lá encontraremos um pai, uma mãe, um menino recém-nascido envolvido em faixas; em sua volta nenhuma suntuosidade, apenas animais, palhas, uma pobreza inigualável. Tudo isto nos ajuda a compreender o que realmente Deus quer ao nascer deste modo.

​Como entender tudo isto? Só entenderemos com uma proximidade, mas não se trata de uma proximidade qualquer, trata-se de uma proximidade do coração. Só com um coração vazio da prepotência, do egoísmo, da indiferença, da exclusão, é que adentra neste desejo de Deus em nascer, em ser bem pobre para nos enriquecer com o seu nascimento. De verdade hoje podemos dizer, como Santo Tomás de Aquino ao iniciar a parte que fala de Jesus na Suma Teológica: “A humanidade de Cristo é a nossa felicidade”. Porque Deus quis ser um de nós? para nos tirar a infelicidade, para de verdade nos amar. Eis a razão porque “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc2,11). Com este anúncio dos anjos aos pastores, tudo ganha um novo sentido, tudo se transforma em felicidade.

​O evangelista Lucas faz questão de ressaltar a atitude dos pastores como os primeiros a experimentarem esta felicidade; a felicidade do mistério da encarnação, a felicidade do sorriso de Deus para com os pobres. Eles são protagonistas de uma esperança que agora sim pode ser despertada na humanidade: Deus veio salvar seu povo! Ele veio realizar conosco uma história de amor. Que sinal mais simples e ao mesmo tempo estupendamente grandioso: “Isto vós servirá como sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12). O Natal do Senhor nos desinstala, de verdade nos coloca num caminho de constate saída, ele é o primeiro a sair, corre ao nosso encontro. Corre ao nosso encontro apenas para nos amar, ele não nos pergunta de nossas imperfeições, sem nenhuma atitude de julgamento. De verdade contemplamos uma troca admirável, quem saiu ganhando com esta troca foi a criatura humana. Com precisão, Santo Irineu proclama para nós esta verdade: “O Verbo de Deus habitou no homem e se fez filho do homem, para acostumar o homem a compreender a Deus e Deus habitar no homem, segundo a vontade do Pai”. Com o Natal do Senhor o ser humano adquiriu uma dignidade que dinheiro nenhum pode comprar, pois Deus desceu até a nossa pobreza para nos enriquecer com a sua graça que o contemplamos no mistério da encarnação.

​Creio que precisamos fazer como os pobres pastores, obedientes ao anúncio dos anjos ir até Belém, para encontrar um Menino que sorri para nós. Creio que deve ressoar em nosso coração as palavras do Papa Francisco: “Diante do Príncipe da Paz que vem ao mundo, disponhamos toda arma de todo gênero, cada um de nós é responsável pela paz. A cultura da paz começa dentro de nós mesmo, erradicando a raiz do ódio e ressentimento”. O Papa Francisco sabe muito bem que todo tipo de arma, de violência, de guerra é incompatível com o ser cristão, pois aquele que hoje nasceu veio nos oferecer a paz. Atravessamos momentos tão difíceis que por vezes somos tentados a desistir, creio e proclamo que a esperança que a humanidade almeja nasce na noite de Natal de um sorriso; o sorriso de um Menino nascido em Belém.

​O Menino de Belém nos transmite o sorriso da paz! Fica para todos nós o questionamento doloroso diante da guerra, de todo tipo de guerra: Como celebrar o Natal do Príncipe da Paz diante da guerra? O que dizer para aquelas pessoas que vivem em extremo abandono? Que sorriso de Deus estamos transmitindo às pessoas? O Menino que nasce sorrindo, não quer nada senão o nosso sorriso.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.

ENCONTRAR A ALEGRIA.

Daqui a alguns dias celebraremos o Natal do Senhor, o Deus da Vida tomou a iniciativa de nos fazer viver plenamente com o seu nascimento, desejou ser para toda criatura humana uma presença de amor. O mistério do encontro de Deus com a humanidade, deve-nos tirar da tristeza e nos colocar à procura da alegria. Para encontrar a alegria é preciso sair de si mesmo, sair de nossa referencialidade, do eucentrismo que nos impedem de dar passos significativos de transformação de nosso interior e da realidade que nos cerca.

Como se faz necessário abraçar a vocação de João Batista nos tornar testemunha da luz: “…Ele veio como testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele” (Jo 1,6).   Contemplando a vocação de testemunha da luz de João Batista, adentramos no mistério de nossa própria vocação. Existimos para sermos como João Batista testemunhas, conduzir pela fé muitas pessoas a Deus. Eu me torno no cotidiano de minha vida um portador de Deus e o ofereço para as pessoas. Uma Igreja em saída que não oferece outra coisa senão Deus, que dá sentido a nossa existência. Em Deus encontramos a alegria que procuramos e desejamos. Creio ser necessário alguns questionamentos: Tenho levado as pessoas a fé em Deus? As pessoas acreditam em Deus através do meu testemunho de vida? Em meio as grandes escuridões do tempo presente como dar testemunho da luz? Como iluminar o mundo com a luz que carregamos dentro de nós? Penso que estas perguntas nos ajudam a adentrar no mistério que daqui alguns dias iremos celebrar. Cada pessoa precisa olhar para dentro de si e fazer a descoberta da luminosidade que se esconde dentro de você.

O Natal é uma alegria, uma alegria inexplicável, uma alegria incontida que mesmo diante das tristezas do tempo presente, ela teima em resistir, em ser presença. É bem verdade o que nos diz o teólogo Leonado Boff: “Alegremo-nos: não pode haver tristeza, quando nasce a vida”. E a Vida que nasceu foi a vida divina, a Vida que nos tirou da morte e nos preencheu com o sopro da vida eterna

 A tristeza das guerras, do abandono humano, da fome, da solidão, da desolação… Nada nos impede de dizer que “Alegria do Senhor é nossa força!” (Nm 8,10). Onde estar a nossa força? Estar na alegria que o próprio Deus deposita em nosso coração. A alegria é uma força em meio as nossas fraquezas, medos e fracassos. Corramos com a coragem da fé ao encontro da alegria. A alegria é um convite a ser renovado no cotidiano de nossa vida. “Estai sempre alegres! Rezai sem cessar” (1Ts 5,16). Como se faz necessário em meio as grandes tristezas do mundo, desenvolver em nós este “Estai sempre alegres!”

            A alegria é um dom, uma graça, uma daquelas graças que emanam da nossa experiência de intima comunhão com Deus, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais deixaremos a alegria ser uma morada em nosso coração. Não permita que dentro de você more a tristeza. Deus é uma alegria bem dentro de você. Quem se encontra com Deus não dar espaço para a tristeza, sabe sair da tristeza e adentra-se no caminho da alegria.

            Um coração alegre é capaz de contemplar novos horizontes, tudo passará por um processo de transformação com a vinda do Senhor! Toda dor se transformará em alegria.

            Este tempo de graça que a Igreja nos convida a experimentar, creio ser um tempo de resgate de nossa identidade, nossa originalidade, humana e divina. Preciso descobrir quem realmente sou? Não se trata apenas de uma pergunta existencial, mas nos descobrir como seres de existência, na existência de outras pessoas. Vida que se constrói em vida conectada em outras vidas. Uma vida alegre, que transmite a alegria de viver.

            Somos seres em busca de nossa própria identidade. O que dizer de ti mesmo? Não é suficiente existir, mas é preciso saber sim dar sentido a nossa existência: o que sou? Quando descubro quem sou me comprometo com minha própria existência. A grande crise que o século XXI apresenta é uma crise de existência, aqui estar um grande desafio que precisamos superar. É preciso saber evangelizar a própria existência. Quando tudo parece ter perdido o sentido é preciso abandonar-se na busca de sentido. O sentido da vida é uma vida que tenha sentido. Hoje facilmente se perde o sentido da vida e alegria de viver. Queremos viver mais na primeira dificuldade desistimos. Acender luzes de esperança é uma vocação urgente que precisamos acolher em nossa vida.

O tempo presente nos inspira neste peregrinar de nossa própria existência. Em outras palavras cada um tem uma grande tarefa pela frente: “Desvelar sua própria identidade”, descobrindo, cavando dentro de si o buraco para descobrir sua originalidade. O “buraco” desta originalidade eu encontro em Deus. Uma vida sem Deus é uma vida sem sentido, sem razão de ser, uma vida sem alegria. Deus com o seu nascimento veio alegrar o mundo com a sua presença, ele nos devolve a alegria que o pecado havia retirado do ser humano.

A minha identidade determina o meu comportamento. O modo de agir é identitário. Em um princípio filosófico podemos dizer que “o agir segue o ser”. Quando conheço a mim mesmo acabo conhecendo o segredo de minhas ações. Tomados pela graça de Deus que revela quem realmente somos: chamados para a alegria em Deus.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.

ESPERAR COM O CORAÇÃO.

O Tempo do Advento, nos convida a contemplar um Deus que se aproxima da pessoa humana.  Deus é em Jesus Cristo um Deus de proximidade. Celebramos a certeza de que Deus não desiste de nos amar. O convite que este tempo que nos prepara para celebrar o Natal do Senhor é de que devemos saber esperar com o coração. Quando se espera com o coração se compreende que está espera não é uma mera expectativa, mas a consciência de que a nossa fé, é uma fé em espera. A fé cristã é uma fé em espera, uma fé que se renova no caminho da certeza de que o “Senhor virá é toda terra será renovada com sua presença.

 É preciso viver de espera, uma espera que se renova em meio aos conflitos, as realidades adversas do tempo presente. Como é necessário saber esperar! Um tempo de espera, um convite a viver da espera. É numa atitude de vigilante espera, contemplando os desafios do tempo presente que nos preparamos para celebrar o Natal do Senhor.

Quando de espera com o coração vive-se da certeza de que o Senhor virá, nós o esperamos em sua glória. Acolher a perseverança como nos exorta são Paulo (1Cor 1,3-9) “E ele também que vós dará perseverança em vosso procedimento irrepreensível até o fim, até o dia de nosso Senhor, Jesus Cristo” (1Cor1,1). A nossa perseverança não procede de nós mesmos, ela é dom de Deus depositada em nosso coração. Por isto mesmo nada de desistirmos, Deus ele mesmo nos conduz, nos coloca no caminho da esperança. O tempo presente é tempo de perseverança.

 Jesus convida seus discípulos, sua Igreja a acolher os sinais do tempo que revelam a presença de Deus. o Advento nos convida a “sentir o tempo”, deixar que ele pulse em nosso coração a esperança. “Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento” (Mc 13,33). Os discípulos de Jesus, sua Igreja não pode sofrer de “déficit de atenção”. Uma Igreja atenta, um discípulo atento sabe ficar sabe ficar vigilante na espera. “E mandou o porteiro ficar vigiando” (Mc 13,34). Somos “porteiros” do Senhor, que acolhemos em nosso coração a vocação à vigilância.

Vigiar talvez seja uma das virtudes mais necessárias no tempo presente. Não importa o tempo, o dia e a hora que ele virá, importa acolher a espera, a vigilância como dom em nosso ser. Vivemos o Tempo do Advento neste tempo marcado por grandes conflitos no mundo, as guerras parecem não dar tréguas. Tudo o que vivemos é um convite a renovar a esperança. Um Advento de esperança em meio a tudo isto é saber contemplar os sinais de

Deus, saber contemplar as três vindas de Cristo na história: A vinda escatológica no final dos tempos: A finalização de tudo em Cristo, a “cristofinalização” como nos dizia o teólogo e paleontólogo jesuíta Theilard Chardin. A vinda na história, no mistério da encarnação. O Verbo de Deus feito um de nós, assume a nossa pobreza e nasce em Belém. A vinda diária; esta terceira vinda, que chamo de interior, cotidiana. Vinda oferecida e contemplada na Palavra, na Eucaristia e em cada pessoa.

O cardeal português José Tolentino Mendonça em 2020, em plena “travessia pandêmica” que atravessávamos, no retiro aos bispos do Brasil, disse algo que nos ajuda a viver bem a espiritualidade deste Tempo do Advento: “Que tempo é este que estamos a viver? A que haveremos de comparar? Podemos efetivamente, olhar o apenas o assédio devastador desta crise que começa por sanitária, mas que depressa contaminou tantos outros âmbitos, tornando-se uma crise poliédrica: econômica, social, política, eclesial, civilizacional. Ou podemos numa leitura crente e esperançada da história como o faz Deus incansavelmente que esta hora, com todos os seus constrangimentos é afinal um Kairós, uma oportunidade para relançar nossa aliança de vida”. Assim seja o nosso Advento, em meio aos desafios do tempo presente, tempo para a teimosia profética, para a resistência da esperança, saindo de nossas ideias pré-estabelecidas, na coragem de olhar para o tempo presente com o coração cheio de esperança e dizer: Deus se faz presente em meio a tudo isto. Deus nos espera e nós o esperamos, uma espera recíproca, que nos faz caminhar sem perder a esperança.

Um Advento de espera com o coração nos ajuda a refletir: Que atitude tomar, compromisso assumir para acolher em nós a vinda do Senhor? Rezar a vigilância, acolhendo os sinais da presença de Deus no tempo presente. O Tempo do Advento, tempo de espera pela Vida, nos convida a assumirmos “um pacto pela vida”. Viver é um grande desafio que nos apresenta, uma exigência a ser assumida. Viver é um perigo como nos alerta o poeta Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso” Rezar a minha existência, abandonando-me no “perigo de viver”. A vigilância é uma prece a ser rezada cotidianamente. “A noite já passou o da já está clareando”. Convido a rezar a noite que faz dentro de você, na prece eu a transformo em claridade. A noite escura é apenas uma passagem. 

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.

TODA DE DEUS

Próximo dia 08 de dezembro celebraremos a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria. Profundamente significativo neste Tempo do Advento recordar Maria a Virgem da espera, ela sem mácula nenhuma de pecado desde a sua concepção. Nela contemplamos a ação salvadora de Deus que se concretiza em sua resposta ao chamado que Deus a fez para ser mãe do Verbo que se fez carne em seu seio, assumindo através dela a natureza humana. O Dogma da Imaculada conceição foi definido e proclamado por são Pio IX no dia 08 de dezembro de 1854 com a Carta encíclica Ineffabilis Deus (inefável Deus). Embora esta verdade de fé seja celebrada bem anterior a sua proclamação oficial, sendo celebrada desde o século XI. O beato franciscano João Duns Scotus ao longo da história foi um dos maiores defensores da Imaculada Concepção de Maria. defende que “A Santíssima sempre Virgem Maria sempre foi imaculada sem pecado desde a sua concepção, porém ela não teria sido se não preservada do pecado original, Jesus é mediador perfeitíssimo a preservou do pecado de Adão”. o que acreditamos e proclamamos é uma verdade de fé, revela que Maria pelos méritos de seu Filho foi preservada da mancha do pecado original no momento de sua concepção, permanecendo livre do pecado por toda a sua vida.

A vida de Maria se compreender em ser de Deus e para Deus desde sempre e para sempre. Assim Deus o desejou e em Maria realizou este seu desejo, ela nascer sem pecado desde a sua origem. Aqui se concretiza realmente o poder de Deus, para Ele nada é impossível (cf. Lc 1,37). Foi preciso e no querer de Deus que uma pessoa em vista da encarnação do Filho nascesse sem o “pecado das origens” e esta pessoa que ele escolheu foi Maria. Nesta perspectiva é simples compreender que tudo não é senão uma escolha de Deus. Escolhida desde sempre e para sempre para ser Mãe de Deus, por isto mesmo convinha que seu corpo e sua alma não fossem atingidos pelo pecado que cada um de nós ao nascer experimenta. Maria nunca experimentou a realidade do pecado. Não resta dúvida de que Maria é toda de Deus, em Deus ela encontra sua vocação de Mãe e discípula do Filho. Que beleza podermos contemplar Maria nesta integridade singular, participa de maneira plena do modo de Deus operar na história de toda a humanidade.

Permitam-me citar partes do primeiro parágrafo da Ineffabilis Deus, em que apresenta Maria nos projetos de Deus. “O inefável Deus, cuja conduta e misericórdia e verdade, cuja vontade é onipotência e cuja sabedoria alcança qualquer limite e com fortaleza dispõe suavemente todas as coisas, havendo previsto desde toda a eternidade a ruína lamentadíssima de todo gênero humano, que havia de provir da transgressão de Adão, havendo decretado, com plano misteriosamente escondido desde a eternidade, levar até o fim a primitiva obra de sua misericórdia, com projetos, todavia, mais secreto por meio da encarnação do Verbo, para que não perecesse o homem impelido pela culpa da astúcia da maldade diabólica e para que o que fez cair o primeiro Adão fosse restaurado mais felizmente posteriormente, chamada e escolhida, desde o princípio e antes dos tempos, uma mãe, para que seu Filho unigênito, feito sua carne, nascesse na feliz plenitude dos tempos, em tanto querer a amou acima de todas as criaturas, que somente nela encontra sua grande benevolência” Que graça mais incontida e imensurável podemos encontrar em Maria! A graça pelo seu consentimento a Deus, para ser mãe do Filho, nos tirar da morte e nos garantir a plenitude da vida eterna.

O sim de Eva havia fechado para a humanidade as portas do céu, agora um outro sim; um sim que brota do coração de uma Virgem, sem pecado concebida, um sim que abriu uma vez por todas as portas do céu. Um sim que nos salvou. É bem verdade o que nos disse São Bernardo em sua singular homilia ao ressaltar o consentimento de Maria ao anjo Gabriel. “O mundo inteiro espera a resposta de Maria. Ouviste, ó Virgem, que vais conceber e dar à luz um filho, não por obra do homem – Tu ouviste – mas do Espírito Santo. O anjo espera tua resposta já é tempo de voltar para Deus, que o enviou. Também nós, Senhora, miseravelmente esmagados por uma sentença de condenação, esperamos tua palavra de misericórdia. Ó Virgem, cheia de bondade, o pobre Adão, expulso do paraíso, com sua mísera descendência, implora tua resposta; Abraão a implora, Davi a implora. Os outros patriarcas, teus antepassados, que habitavam a região da sombra da morte, suplicam esta resposta. O mundo inteiro a espera prostados a teus pés. E não é sem razão, pois de tua palavra depende o alivio dos infelizes, a redenção dos cativos, a liberdade dos condenados, enfim, a salvação de todos os filhos de Adão, de toda a tua raça.” Estamos todos a caminho para a salvação e quem nos toma pelas mãos e nos conduz neste caminho é Maria aquela que totalmente assumida por Deus, nos insere no seu coração de mãe e nos apresenta ao Filho. Que caminho seguro nos é mais oferecido a ser percorrido? Não há outro senão o caminho que Maria mesmo percorreu, por isto mesmo que nas estradas da vida, nunca estamos sozinhos ela se faz peregrina, companheira em nossa caminhada hodierna.

Toda de Deus é Maria, por isto mesma toda da humanidade, toda de todos, conduzindo-nos a seu Filho Jesus Cristo.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.

NO CORAÇÃO DE DEUS

No último domingo concluímos o Ano Litúrgico com a Solenidade de Cristo Rei, do Universo. O Evangelho deste ano nos ajuda a uma percepção teológica profundamente significativa: Estamos inseridos no coração de Deus, é o próprio Jesus com sua presença que abre as portas da Casa do Coração de Deus para entrarmos. No coração de Deus estão os pobres, excluídos e abandonados, os últimos da sociedade. No nosso coração e no coração da Igreja estes devem ser os primeiros a entrarem, a fazem a experiência da hospitalidade. Quem é que se encontra no coração de Deus?

A Liturgia deste domingo nos apresentou a “hora do julgamento”, ou melhor a hora do discernimento. O Senhor nos coloca diante da opção que fazemos de o servir ou não nos pobres. Me recordo das palavras de São João da Cruz: “No fim de tudo, seremos jugados pelo amor”. Veja bem não seremos julgados pelas práticas devocionais que realizamos, por mais recomendas e benéficas. É o amor e um amor concreto no serviço aos que mais necessitam que nos julgará. O amor é sempre um caminho de escolhas. Neste sentido nos perguntamos: Que escolhas estamos fazendo? A escolha de acolher o Cristo no pobre, no preso, no faminto, no migrante, no doente…? ou a escolha de o abandoná-lo nestas categorias de pessoas? Sabiamente a Liturgia nos faz o confronto da conclusão do Ano Litúrgico, ajudando-nos a compreender a centralidade da ação litúrgica decorrida, experimentada ao longo do ano. Precisamos compreender o sentido e a marcha da nossa vida, a partir da consciência de humanidade que carregamos dentro de nós. Que reinado “estranho”, este Rei nos apresenta. “Um Rei, um reinado feito de Pobres, Marginalizados e Excluídos”. Afainados pela riqueza, pela cultura do ter mais, do possuir, do excluir dificilmente compreenderemos este “reinado do Rei Pobre – Jesus de Nazaré.

O Evangelho deste domingo, nos convidou a percorrer este caminho; o caminho de uma nova consciência de humanidade, uma humanidade a partir dos excluídos e abandonados. A parábola do “juízo final” nos faz perceber que discernimento e salvação não são caminhos paralelos, mas caminhos de unidade. Não existe salvação sem uma opção por Cristo que se esconde nos empobrecidos. Não existe salvação sem uma opção pelos pobres, no fim de tudo são eles que nos julgam, seremos julgados por eles, por isto mesmo o modo como servimos o Cristo neles é a matéria do nosso julgamento final. O Papa Francisco disse: “São os pobres que abrirão as portas do céu para entramos” este pensamento do Papa Francisco, nos interpela nesta relação entre o Evangelho e os pobres. “O Evangelho não se entende sem os pobres”. (Papa Francisco).  Como compreender um Deus que se esconde nos escondidos da humanidade? Como compreender um Deus faminto, nu preso, doente, refugiado, migrante, sedento, que nos interpela, nos questiona, nos coloca no movimento de ir ao encontro dele mesmo no outro que necessita? “…Quando foi que te vimos com fome e de demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e te fomos visitar”? Mt 25,37-39).Estas perguntas do Evangelho continuam a nos desafiar em nossa resposta. Então qual tem sido a nossa resposta? Ou somos uma Igreja servidora de Cristo nos pobres ou não seremos a Igreja de Jesus Cristo.

Só há uma condição para recebermos o Reino, o “Vinde benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo”. (Mt 26,34), entrar na escola do serviço a Cristo nos “invisíveis da humanidade”. “Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). Tomar consciência deste “foi a mim que o fizestes” é o desafio do tempo presente, sobretudo considerando os desafios de desumanização que experimentamos, a situação de pobreza, de vulnerabilidade, de exclusão tem crescido numa escala avassaladora, não só aqui no Brasil, mas no mundo inteiro.

Cada tempo com seus próprios desafios, o Evangelho nos ilumina no tempo presente, no hoje de Deus, na história a sermos um sacramento de esperança, de salvação para a humanidade. Lembrar que no coração de Deus sempre cabe mais um. Quem preciso colocar em meu coração, para receber o “Vinde bendito do meu Pai? Sempre ficara a certeza do “foi a mim que o fizestes”, da exigência evangélica a ser vivida no cotidiano de nossa vida.

A Solenidade que celebramos neste último domingo do Ano Litúrgico nos ajudou a perceber que o reinado de Jesus e feitos de pessoas humanas com necessidades que lhes são próprias, por meio delas seremos rejeitados ou acolhidos no seu Reino, depende muito das escolhas que fazemos para servir a Jesus.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.

OLHAR O POBRE

No último domingo, o penúltimo do Ano Litúrgico que antecede a Solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo, desde o ano de 2017, sendo este o sétimo ano, o Papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Pobres; não se trata de uma mera lembrança dos pobres, ou de uma ação caritativa feita neste dia em favor dos mesmos, embora que toda ação em favor dos empobrecidos seja necessária. Os pobres nunca poderão ser esquecidos, nunca poderão ser colocados num lugar à parte na ação evangelizadora da Igreja. Como faz bem lembrar que o Diácono de Roma Lourenço (Primeira metade do século III), quando a ele foi pedido que apresentasse os tesouros da Igreja, pois o mesmo era responsável de administrar as ofertas para suprir as necessidades dos pobres e viúvas, diante de Valeriano, apresentou outro tesouro senão os pobres. “Os pobres são as estrelas e os tesouros da Igreja”. Os pobres, “estes são os tesouros da Igreja”. Olhar para o pobre porque nos inspiramos em Jesus de Nazaré e nas raízes da Igreja. Uma Igreja que se esquece de olhar para os pobres perde sua identidade, sua originalidade, seu caminho de proximidade com Jesus Cristo.

Os pobres nos convidam a alagar nossa tenda de misericórdia, de compaixão e proximidade. Proximidade com Deus e proximidade com os pobres são duas realidades imprescindíveis no nosso modo de agir. Esta proximidade com os pobres não se dá apenas por um olhar sociológico específico, mas por um lugar teológico que os pobres ocupam no coração de Deus. Aos pobres lhes é garantida, a partir de Jesus, a proximidade de Deus. O Verbo Eterno do Pai, enviado pelo Pai, inicia seu ministério em Nazaré da Galileia dizendo de si mesmo que veio para evangelizar, anunciar a Boa-Nova do Reino aos Pobres. “Foi então a Nazaré, onde se tinha criado”. (Lc 4,14). O ponto de partida do anúncio da Boa-Nova aos pobres é a própria vida pobre de Jesus, voltando a sua originalidade história, seu ponto de vivência e convivência com os pobres. Com os pobres no cotidiano de sua vida aprende a revelar o Deus próximo do seu povo, sobretudo dos mais sofridos e abandonados. Nesta volta a Nazaré cheio do Espírito proclama seu “programa de vida”, que têm como ponto de partida os pobres. “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres…” (Lc 4,18). Anunciar a Boa-Nova aos pobres significa devolver aos eles o seu lugar no coração da Igreja, pois estes mesmos estão no coração de Deus.

O Papa Francisco, para este ano, se inspirou no tema do olhar, tão preciso e significativo nesta cultura da “invisibilidade dos pobres”. O texto de Tobias é um imperativo, uma ação, um apelo que não pode passar por cada um de nós esquecido. “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar” (Tb 4,7). Os pobres não podem ser afastados do nosso olhar, deles o nosso olhar não pode se esquivar. Olhar para os pobres é radicar de maneira progressiva na pastoral da Igreja a presença deles que não pode passar despercebida. Tobias nos convida a deles nunca afastar o nosso olhar; que perigo quando eles se tornam invisíveis, ou apenas objetos de uma ação meramente caritativa. Olhar o pobre na perspectiva bíblica que Tobias nos apresentar e fazer com que eles sejam protagonistas de uma nova história a ser escrita por eles mesmos. Despertar a consciência de transformação histórica e social a partir dos pobres. A raiz da pobreza está numa cultura de injustiça, que gera “ricos cada vez mais ricos, a custa de pobres cada vez mais pobres” (São João Paulo II). Tobias não entra em conformidade com este modo de pensar e agir: “Lembra-te sempre, filho do Senhor, nosso Deus, em todos os teus dias, evita o pecado e observa os seus mandamentos. Pratica a justiça em todos os dias da tua vida e não andes pelos caminhos da injustiça” (Tb 4,5). Toda pobreza é produto de uma injustiça, de uma cultura do acúmulo, de descarte da pessoa humana.

O Dia Mundial dos Pobres nos ajuda a promover a partir dos pobres, com gestos e ações concretas a cultura do encontro e da solidariedade, conscientizando-nos que precisamos enquanto Igreja e sociedade combater a pobreza e a exclusão social. Não se pode evangelizar sem transformar o que precisa ser transformado à luz do Evangelho. O Papa Francisco logo no início da mensagem para este ano apresenta-nos os pobres como conteúdo central do Evangelho. Nossa ação pastoral tem despertado para esta centralidade evangélica? Onde estão os pobres em nossos planos pastorais? Que apelos os pobres nos fazem a partir de seu empobrecimento? Que exortação, mais contendente, exigente o Papa Francisco nos faz: “Empenhamo-nos todos os dias no acolhimento aos pobres, mas não basta. A pobreza permeia as nossas cidades como um rio que engrossa sempre mais até extravasar; e parece submergir-nos, pois o grito dos irmãos e irmãs que pedem ajuda, apoio e solidariedade ergue-se cada vez mais forte”. Há gritos que não podem ser calados, há rostos que não podem ser escondidos, há olhares que não podem ser esquecidos, há vidas que não podem deixar de ser promovidas. Há uma presença de Deus nos pobres que não pode ser negada.

O texto de Tobias continua, “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar, e nunca se afastará de ti o olhar de Deus” (Tb 4,7). Condição para ser olhado por Deus e nunca deixar de olhar o pobre, não afastar dele o meu olhar.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.

DIOCESANEIDADE: QUANDO PARTICIPAR É CUIDAR

O Concílio Vaticano II nos despertou para a consciência de que a “Igreja é povo de Deus”, penso que tenha sido umas das maiores contribuições para a eclesiologia, pois esta consciência além da contribuição não nos aspectos teológicos e pastorais despertou-nos do “sono da corresponsabilidade eclesial”, Povo de Deus, parte essencial e fundamental no corpo da Igreja, Ministros Ordenados, Religiosos (as), Consagrados(as), Leigos(as), todos parte de um todo, que gera a comunhão a participação e como consequência a missão.    

A Constituição Dogmática sobre a Igreja – “Lumen Gentium” sintetiza de maneira perfeita esta compreensão eclesial de que na Igreja somos uma unidade, uma comunhão e não apenas uma instituição desvinculada das realidades inerentes da história. O que nos une em si não é o vínculo institucional, por mais importante que este seja, mas o que nos dar a garantia da unidade e “sacramentalidade eclesial”.  Com isto percebemos que uma das grandes contribuições do Concílio Vaticano II, foi a renovação da auto-compreensão da Igreja. Uma auto-compreensão de si mesma para o tempo presente. Igreja o que és? A que és chamada a ser?  Dizer que a Igreja é povo de Deus é dizer que há um comprometimento de todos aqueles que fazem parte desta unidade eclesial e que pelos desígnios do próprio Cristo somos chamados a sermos um sacramento de salvação no mundo. Consideremos, portanto, que a ação salvífica de Cristo na história passa pela mediação da Igreja.   

            Igreja é “Povo de Deus”, na sua unidade e na totalidade com Cristo. “Este povo messiânico tem por cabeça Cristo, “o qual foi entregue por nossos pecados e ressuscitou por nossa justificação(Rm 4,25), e agora, tendo conseguido um nome que está sobre todo o nome, reina gloriosamente nos céus” (LG 9). O tema da diocesaneidade é subjacente na eclesiologia da Igreja, embora o termo seja de uma aplicação eclesiológica recente. O que realmente este termo evoca? Diocesaneidade é o senso de pertença e comunhão com a Igreja local da qual faço parte. O todo estar inserido nesta parte particular da Igreja que somos, Arquidiocese da Paraíba, que desde a sua instalação canônica até o tempo presente é chamada a ser presença de salvação, isto implica para si mesma e para todos a quem ela se coloca como serva, ser uma presença viva e eficaz de Deus, ser uma presença de esperança em meio as dores, alegrias e sofrimentos deste povo.

            Hoje vivemos a “cultura do não cuidado”, o cuidado estar em crise, de certa maneira não há nem o cuidado de si nem do outro, e esta cultura é um perigo, desfavorece de maneira direta a diocesaneidade pois ela requer que cada um assuma a Igreja como sujeito eclesial. O que cantávamos em nossas Comunidades a alguns anos: “Eu sou Igreja, você é Igreja, somos a Igreja do Senhor, irmão vem ajuda a edificar a Igreja do Senhor!” explicitava de maneira bem concreta a diocesaneidade a que somos chamados a construir. A diocesaneidade é uma construção que exige participação com cuidado, saber cuidar das feridas da própria Igreja, sendo um bálsamo de esperança em meios aos nossos próprios desesperos, para saber baixa-se diante dos caídos em nossa volta.

O cuidado como parte essencial da diocesaneidade requer uma atitude de proximidade, de gratuidade, de vida inserida no mistério de Cristo, para poder ser “Igreja samaritana”, que cuida e deixa-se cuidar. Do mistério de Cristo, ao mistério do ser humano, necessitado sempre do cuidado pastoral. Cuidar é uma arte que precisa ser continuamente cultivada na vida da Igreja, para que nosso modo de agir não seja senão a partir do modo de Jesus. Jesus revela ser um ser de cuidado e devolve para seus discípulos o cuidado como sacramento de sua presença. Cuidar da Igreja na sua essência para que ela não perca sua vocação no mundo, relvando o Reino, manifestando ser presença de Cristo.

Creio que a celebração das comemorações dos 130 anos da criação da Diocese da Paraíba (1894) e dos 110 anos de elevação a Arquidiocese (1914) a serem celebradas no próximo ano é um momento oportuno para despertar em cada um a consciência de que participar é cuidar. O tema da diocesaneidade concatena-se de maneira perfeita, com participação e cuidado. Eu participo desta Igreja-Arquidiocese da Paraíba, o modo de participar não deve ser outro senão no cuidado, assumindo esta Igreja com suas dores, alegrias e sofrimentos. Há muita esperança em nosso caminho, mesmo que por vezes nos sintamos marcados pelos desesperos. Nestas horas serve-nos de conforto as palavras do profeta Josué: “Não fui eu que lhe ordenei?  Seja forte e corajoso! Não se apavore, nem se desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar” (Js 1,9).                 Este sujeito eclesial que sou chamado a ser nesta Igreja da Arquidiocese da Paraíba assume a Igreja como sua, seu lugar de vivencia batismal. Como vivo a diocesaneidade no cotidiano de minha inserção na vida da Igreja? Eu sou Igreja e isto é uma graça imensurável que podemos experimentar mesmo em meio as nossas fraquezas.

O Padre Marcos Antônio dos Santos, Ocrl, é Religioso da Ordem dos Cônegos Regulares Lateranenses de Santo Agostinho, formado em Filosofia e Teologia, com pós graduação em Teologia Espiritual. Tem algumas publicações na área de Espiritualidade pela Editora Paulinas e exerce o Ministério Presbiteral como Pároco da Paróquia Santa Clara no Alto do Mateus, João Pessoa.