O tempo quaresmal, que estamos já quase no seu fim, é um tempo marcado pela penitência. A Igreja nos convida a praticar o jejum. Esta é uma prática penitencial que está ligada à abstinência do alimento, mas não podemos compreender o seu verdadeiro sentido sem considerar outras formas de privação em vista de um estilo de vida mais sóbrio. Trata-se de um sinal externo de uma realidade interior. Tal prática penitencial deve-nos comprometer com o combate interior contra o pecado. Existe uma ligação direta do jejum com a escuta atenta da Palavra de Deus, não se faz verdadeiro jejum quem não se alimenta da Palavra de Deus.
Quando devemos praticar o jejum? Segundo o Código de Direito Canônico, no cânon 1251, o jejum deve ser observado na Quarta-feira de Cinzas, quando iniciamos o tempo quaresmal, e na Sexta-feira da Paixão e Morte de Cristo, antes do Domingo da Páscoa. E quem deve praticá-lo? O mesmo Código, mencionado acima, afirma no cânone 1252, que o jejum deve ser observado por todos os que já tenham completados 18 anos, até terem começado os setenta anos. O jejum eclesiástico, assinalados nos dois momentos do tempo quaresmal, consiste em fazer abstinência alimentar sem deixar de fazer uma única refeição completa até ficar saciado, observando, obviamente o princípio da sobriedade.
O verdadeiro cristão sempre procura praticar o jejum com os olhos voltados para os pobres. Na tradição da Igreja, o jejum está intimamente ligado ao serviço da caridade, da esmola. São Leão Magno ilustra bem essa compreensão da relação do jejum com os pobres: “Aquilo que cada cristão deve realizar em todos os tempos, agora deve praticá-lo com maiores solicitude e devoção, para que se cumpra a norma apostólica do jejum quaresmal, que consiste na abstinência não apenas dos alimentos, mas também e sobretudo dos pecados. Além disso, a estes jejuns obrigatórios e santos, nenhuma obra pode ser associada mais utilmente que a esmola que, sob o único nome de “misericórdia”, inclui muitas obras boas. Imenso é o campo das obras de misericórdia. Não só os ricos e abastados podem beneficiar os outros com a esmola, mas também quantos vivem em condições modestas e pobres. Assim, desiguais nos bens de fortuna, todos podem ser iguais nos sentimentos de piedade da alma» (Discurso 6 sobre a Quaresma, 2: PL 54, 286).
O Papa Francisco também nos lembra que o jejum deve ser praticado no silêncio da modéstia e da oração. “Não jejuem mais como fazem hoje, de modo que se ouça o barulho, ou seja, nós jejuamos, nós somos católicos, somos praticantes; eu pertenço àquela associação, nós jejuamos sempre, fazemos penitência. Mas, vocês jejuam com coerência ou fazem a penitência incoerentemente como diz o Senhor, com barulho, para que todos vejam e digam: mas que pessoa justa, que homem justo, que mulher justa… Este é um disfarce; é maquiar a virtude.” E o Papa vai além: “o meu jejum chega a ajudar os outros? Se não chega, é fingido, é incoerente e te leva pelo caminho da vida dupla. Faço de conta ser cristão, justo…. como os fariseus, como os saduceus. Mas, por dentro, não o sou. Peça humildemente a graça da coerência. Se eu não posso fazer algo, não a faço. Fazer somente aquilo que eu posso, mas com coerência cristã.”
Portanto, façamos destes poucos dias quaresmais momentos de um maior interesse pelas práticas penitenciais oferecidas pela Igreja. Quaresma é um tempo especial de conversão; e sem a mortificação não conheceremos o caminho que nos leva a Cristo que também trilhou o caminho da renúncia e do sacrifício de si.
Dom Manoel Delson