José Costa. A experiência do sentido na comunidade eclesial e missionária

José Costa

Comumente, no desenrolar daquelas conversas espontâneas, despretenciosas, encaixadas entre
uma e outra atividade, escutam-se manifestações saudosistas sobre uma época que passou.
Recorrentemente, ouve-se expressões do tipo: “como era bom naquele tempo em que …”. No local de
trabalho, num encontro para um café, ou mesmo no decorrer de um serviço eclesial. De tanto
reencontrá-la, passei a me perguntar se havia, nessa corriqueira intervenção, algum sentido. É que não
deixa de ser instigante essa incomodativa saudade. Numa época em que as conquistas da modernização,
da urbanização, da tecnologia, povoam o presente, prometendo a imanência de um céu de consumo e de
subjetividade satisfeita ainda maior no futuro, onde se acha o porquê desse tão insistente e repetitivo
“vou-me embora para o passado” – para lembrar o poeta paraibano que parafraseou Manuel Bandeira.

Ao aguçar os ouvidos, surpreendi-me. Não raramente, esse inusitado sentimento apresenta
qualquer nexo com a falta daquilo que é propriamente humano. Por que? Evidentemente, não cabe o
açodamento de respostas rápidas e superficiais. Mas, convém arriscar uma hipótese. No ritmo alucinado
da whatsapização da vida, o perigo é o de que a tecnologia das coisas colonize, tanto e tão
profundamente, os espaços humanos, que lhes reduza a meros espelhos de si. No fim, a própria pessoa
humana e as suas relações saem, de alguma maneira, modificadas. Às questões do tipo “não estamos
mais entre amigos como antes”, “não nos encontramos mais na comunidade como antes”, ao que me
parece, há que se responder: mas não é o caso de que tu já não estás disponível como antes? Ainda
dedicas tempo a uma conversa, a uma lágrima, a um sorriso, isto é, a um encontro de qualidade com
alguém, com aqueles teus amigos de antes e de agora?

Quer me parecer que tudo isso se relaciona também com o modo pelo qual enxergamos o
tempo. Por vezes, a noção de que o tempo deve produzir algo, deve ser produtivo, é tão forte, que se
perde a generosidade no trato com ele. Pensa-se, ou se vive, segundo a lógica de que time is money. É a
dinâmica do cronos – aquele que, na mitologia grega, devorava os próprios filhos. O resultado disso só
pode ser o adoecimento. É o caso da síndrome de burnout – por exemplo – que atinge tantas pessoas
dentro e fora da Igreja. Diante de tudo isso, é possível que a (nossa) cura passe pela redescoberta da vida
e do tempo como dom, a ser acolhido e compartilhado. Aqui, pode ser precioso o recurso à fé. Não é
verdade que Deus nos deu a graça do tempo, do kairós, daquele tempo em que Ele nos alcança em Jesus
Cristo e nos remete ao encontro com os irmãos?

A redescoberta de espaços e tempos, que possam servir à valorização do humano, da
relação, da fraternidade, da solidariedade, parece ser uma urgência da nossa época. Nessa
perspectiva, vem a calhar a visão de M. Martinelli, para quem, numa realidade marcada pela
racionalização, pelo desencantamento e pela predominância de sistemas tecnológicos – tais são os
elementos que constituem hoje a ambiência do nosso desenvolvimento pessoal e social – a
experiência religiosa pode bem se tornar uma sorte de “anti-ambiente”, um antídoto contra a
colonização tecnocrática da existência humana, embora não o único. É assim – sempre no dizer de
M. Martinelli – porque a religião tende a se voltar à profundidade do real, enquanto propõe e
repropõe a questão do sentido da existência e das formas que esse sentido pode assumir nas
experiências concretas (M. MARTINELLI, Religion in secularized and post-secularized europe, in
P. ZAFARINI (Org.), Migrants and religions: paths, issues and lenses, a multi-disciplinary and
multi-sited study on the role of religions belongings in migratory and integration processes,
Koninklijike Brill, Boston, 2020, pp.75 – 110).

Nem por isso podemos pensar que esses espaços e tempos de vitalidade e sentido surgem
espontaneamente, sem que tenhamos que nos dar ao compromisso de os estabelecer. Não é raro que
a urgência da realização de múltiplas tarefas, inclusive, tarefas apostólicas, possam, a certa altura,
nos ameaçar com o cansaço, quiçá, com o esgotamento. Não é por outro motivo que o Papa
Francisco no diz: «precisamos de criar espaços apropriados para motivar e sanar os agentes
pastorais, lugares onde regenerar a sua fé em Jesus crucificado e ressuscitado, onde compartilhar as
próprias questões mais profundas e as preocupações quotidianas, onde discernir em profundidade e
com critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência, com o objectivo de orientar para
o bem e a beleza as próprias opções individuais e sociais» (EG 76).

O fato é que, no meio de uma sociedade secularizada, hiperconectada, consumista,
despontam, sempre mais, manifestações de uma sede profunda de revitalização, de valores fontais,
que nos façam redescobrir e reapreciar aquilo que nos torna propriamente humanos. Não há dúvida
de que a experiência de fé, o encontro com Cristo e a sua comunidade, constitui a resposta profunda
a esta demanda. Porém, há que passar sempre pela construção de lugares de encontro, em que se
estabeleça a dinâmica de motivar, sanar, regenerar, compartilhar, discernir – para retomar as ações
sugeridas pelo Papa Francisco. Do contrário, corremos o risco de nos limitarmos a criar equipes de
trabalho. E vermos aquelas pessoas, que atuam na missão, sentirem-se impelidas a buscar noutras
esferas, às vezes, fora da Igreja, vivências portadoras de significado.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

Sinais de esperança

Recordei-me de uma belíssima e envolvente catequese do Beato João Paulo I sobre a virtude da esperança, datada de 20 de setembro de 1978. Por que tenho esperança? Porque Deus me ama imensamente, é onipotente e fiel às suas promessas, dizia o Papa. Palavras simples e cheias de vitalidade. Na mesma ocasião, falou ainda da iucunditas, virtude que possui com a esperança uma íntima relação de parentesco. Definiu-a como a capacidade de converter num sorriso alegre, na medida e no modo conveniente, as coisas ouvidas e vistas. E o exemplo que deu foi pitoresco: “foi aquele pedreiro irlandês, que se precipitou no andaime e quebrou as pernas. Levado ao hospital, vieram o médico e a irmã enfermeira. ‘Pobrezinho’, disse esta última, ‘feriu-se muito caindo’. Replicou o ferido: ‘Madre, não foi precisamente caindo, mas chegando ao chão é que me feri’”. Para o Beato – e o afirmava com o apoio de Santo Tomás de Aquino – gracejar e fazer sorrir está de acordo com a alegre nova de Jesus.

Verdadeiramente, a esperança proporciona a alegria, porque, à sua luz, não negamos as tribulações da vida, mas lhes atribuímos o tamanho correto. Assim, pela graça de Deus, nelas não submergimos.
Outro luminoso modelo nos é dado por Bento XVI na inesquecível Carta Encíclica Spe Salvi. Como a esperança pode ser salvação, redenção, indagava o Pontífice. A sua resposta partia da leitura da Carta aos Efésios: está sem esperança aquele que se encontra sem Deus no mundo. E prosseguia pelo exemplo de “uma santa da nossa época”, Josefina Bakhita. Raptada, espancada, vendida cinco vezes e seviciada até o sangue. Ao cabo desse tormentoso percurso, Bakhita foi comprada por um comerciante italiano e, aportando em ambiente cristão, conheceu ao Deus vivo, ao Deus de Jesus Cristo. Compreendeu-se então amada e esperada por quem, tendo por ela sofrido, agora a atraía desde a direita do Pai: “Agora ela tinha ‘esperança’ […] a grande esperança: eu sou definitivamente amada e aconteça o que acontecer, eu sou esperada por este Amor. Assim a minha vida é boa. Mediante o conhecimento desta esperança, ela estava ‘redimida’, já não se sentia escrava, mas uma livre filha de Deus. Entendia aquilo que Paulo queria dizer quando lembrava aos Efésios que, antes, estavam sem esperança e sem Deus no mundo: sem esperança porque sem Deus (S.S, n. 3)”.

A experiência de Santa Bakhita foi tão forte, e a ressignificação da sua existência, tão profunda, que ela chegaria a agradecer pela vida dos seus raptores e algozes, à medida que, sem eles, não conheceria a Cristo. Assim é o encontro com a esperança. Ela se nos apresenta como um dinamismo interior que dá sentido à vida, mais ainda, concede-lhe um significado definitivo.

O Papa Francisco chega a dizer que a esperança confere uma direção à fé e à caridade (Spes Non Confundit, n. 18). Essas palavras me lembraram de um poema de Charles Péguy – conheci-o na citação de R. Cantalamessa – em que as três virtudes teologais se nos aparecem como três irmãs, avançando juntas, de mãos dadas. Dentre elas, a esperança é a pequenina. Pensa-se que as irmãs mais crescidas, a fé e a caridade, estão a conduzi-la pela mão. Mas, observando-se bem, chega-se a perceber: “a pequena é quem conduz as duas maiores. É a esperança que conduz a fé e a caridade. Sem a esperança, tudo pararia (R. Cantalamessa, A vida em Cristo, São Paulo, 1999, p. 99)”.

Esperança de quê? De vida eterna, uma vida com Deus até depois da morte! Uma esperança que não engana, posto que fundamentada no amor. Naquele que Deus mesmo nos testemunhou na paixão, morte e ressurreição do Seu Filho, amor derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5). Uma esperança veraz, alegre, paciente na tribulação, dinâmica, fundada no amor e, assim, profundamente comprometida com a totalidade da existência concreta de cada pessoa humana.

Realmente, não se pode acusar a esperança cristã de uma indiferença em relação ao mundo. Na verdade, “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo
dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração (G.S. 1)”. Numa palavra, a esperança também é missionária. Talvez pudesse ser dito, pequenina e, por isso mesmo, portadora de ousadia missionária.

Não seria este o olhar do Papa? Na Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano de 2025, intitulada Spes non Confundit (a esperança não decepciona), Francisco nos convida a sermos sinais de esperança. Podemos sê-lo, diz o Pontífice, como alguém que promove a paz, que encontra sentido em transmitir e cuidar da vida, que oferece aos presos um sinal de misericórdia e proximidade, que se faz presente junto aos doentes e aos idosos, que anima os jovens, que acolhe os migrantes. “Precisamos transbordar de esperança (cf. Rm 12,12) para testemunhar, de modo credível e atraente, a fé e o amor que trazemos no coração; para que a fé seja jubilosa, a caridade entusiasta; para que cada um seja capaz de oferecer ao menos um sorriso, um gesto de amizade, um olhar fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito, sabendo que, no Espírito de Jesus, isso se pode tornar uma semente fecunda de esperança para quem recebe (Spes Non Confundit, n. 18)”.

Haveremos de celebrar o jubileu com brilho no olhar. Brilham os olhos de quem sabe para onde vai, de quem encontrou a direção, de quem divisa, antecipadamente, a chegada. Para isso, precisamos que a esperança nos conduza. Quiçá seja esta uma imagem especialmente elucidativa para o nosso tempo: no meio de dores, angústias e incertezas, a pequenina esperança nos leva pela mão e, pelo caminho, nos vai apontando coisas boas e belas … coisas que o amor de Deus continua a semear no mundo.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

Minha vocação é o amor

Durante a adolescência e o início da juventude, na escola, na universidade, nas rodas de
conversa, acostumei-me a escutar todos os tipos de ataques desferidos contra a Igreja. Eram tantos e
provenientes de tantos lados que considero que o amor pela Igreja surgiu em meu coração, como
por efeito de um milagre da graça. Sinteticamente, posso dizer: encontrado por Cristo – através da
Sua Palavra, dos sacramentos, das reuniões fraternas, das orações – encontrei também a Sua Igreja e
a sua beleza.

Parece-me necessário sublinhar que, nesta afirmação, não vai nenhuma ingenuidade –
pelo menos, não mais. Nesta semana, escutei o Papa Francisco falar, com evidente contrição, a
respeito de uma chaga eclesial, um pecado dos filhos da Igreja. Dizia o papa, e aqui cito-o
livremente, “a igreja deve se envergonhar, penitenciar-se, reparar o mal”. As palavras eram fortes e
lembraram-me, de imediato, São João Paulo II, que, em 12 de março de 2000, implorou perdão
pelas infidelidades ao Evangelho cometidas por todos os cristãos. Então, amar a Igreja não é, em
absoluto, negar o fato de que os seus filhos são pecadores e que, por isso, coisas ruins podem
acontecer, às vezes, na nossa paróquia, na nossa diocese. Na verdade, se formos bem sinceros,
haveremos de reconhecer que o joio contra o qual lutamos, muitas vezes, apresenta-se em nossa
casa, mais ainda, em nosso próprio coração. Nem por isso devemos desanimar.

Não devemos desanimar, porque temos, em nosso favor, a força da graça de Deus.
Gradualmente, a cada eucaristia, na escuta da Palavra, nos momentos de oração, em cada ato de
amor, de fraternidade, de serviço, de renúncia de si; a graça de Deus vem nos sanando, elevando. E
a vida vai se tornando nova. É real, é algo que podemos experienciar. Por isso mesmo, pode São
João Paulo II, ainda naquela ocasião, louvar a Deus pela “maravilhosa messe de santidade, de ardor
missionário, de total dedicação a Cristo e ao próximo”, que Ele suscitou na Igreja ao longo dos
séculos. Rendemos graças por grandes santos, como Santa Teresinha do Menino Jesus, São
Francisco de Assis, entre tantos outros – falo especialmente aqui daqueles cuja memória celebramos
no início do mês de outubro. Mas, também por aquela santidade ao pé da porta, de que falou o Papa
Francisco (Gaudete et exultate, 6 – 9).

Se é assim, por que tantos e tão reiterados golpes contra a Igreja de Cristo? Por que os
achaques, as calúnias? Primeiro, porque ela traz em si as marcas do seu esposo. Toma sobre si a
perseguição e a cruz, assim como as tomou o seu Senhor. Segundo, porque, se existem contradições
– e não as negamos – a verdade é que uma única árvore que cai faz mais barulho do que uma
floresta inteira que cresce silenciosamente. E o modo como lidamos com isso tem a ver também
com as nossas preferências. Afinal, sobre o que preferimos deter o nosso olhar?
Pois bem, uma confiança absoluta na graça de Deus – que é eficaz, que produz em nós
os seus frutos – e um olhar curado – digamos assim – para a Igreja de Cristo são duas coisas que
bem pode nos ensinar a santa doutora cuja memória abriu o mês de outubro: Santa teresinha do
menino Jesus e da sagrada face.

Naquela profunda obra espiritual, que é o manuscrito B de história de uma alma, a santa
nos fala dos seus grandes desejos – de Deus – da confiança absoluta em Sua graça e da descoberta
da sua vocação mais profunda, o amor, e o faz, veja que bonito, a partir de um olhar curado para a
Igreja. Podemos conferir:
“sinto em mim outras vocações, a de Guerreiro, a de Sacerdote, a de Apóstolo. a de
Doutor, a de Mártir, enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar, para Ti, Jesus, as mais
heróicas obras
[…]
Ó meu amor, uma missão só não seria suficiente. Gostaria também de pregar o
Evangelho nas cinco partes do mundo, até nas mais longínquas ilhas… Queria ser missionária, não
só durante alguns anos, mas gostaria que fosse desde a criação do mundo e até o final dos
séculos… Mas, sobretudo, meu Bem-Amado Salvador, quero derramar meu sangue para Ti até a
última gota… O martírio, eis o sonho da minha juventude.Esse sonho cresceu comigo no claustro
do Carmelo… Mas, ainda aí, sinto que meu sonho é uma loucura, pois não conseguiria satisfazerme com uma forma de martírio… Para satisfazer-me, preciso de todas.
[…]
A Caridade deu-me a chave da minha vocação. Compreendi que se a Igreja tem um
corpo, composto de diversos membros, o mais necessário, o mais nobre de todos não lhe falta.
Compreendi que a Igreja tem um coração e que esse coração arde de amor. Compreendi que só o
Amor leva os membros da Igreja a agir, que se o Amor viesse a extinguir-se os apóstolos não
anunciariam mais o Evangelho, os mártires negar-se-iam a derramar o sangue… Compreendi que
o Amor abrangia todas as vocações, que o Amor era tudo, que abrangia todos os tempos e todos os
lugares… numa palavra,que ele é Eterno!… Então, na minha alegria delirante, exclamei: ó Jesus,
meu Amor… enfim, encontrei minha vocação, é o Amor!…Sim, achei meu lugar na Igreja e esse
lugar, meu Deus, fostes vós quem o destes a mim… no Coração da Igreja, minha Mãe, serei o Amor
(Manuscrito B)”.

Olhando para a Igreja, Santa Teresinha chegou a divisar o seu coração. E descobriu algo
de inaudito: é do amor que a Igreja vive. Do amor a Deus, do amor aos irmãos. Por claro que seja,
importa sublinhar: não é uma ilusória teoria, é a história da Igreja, contada por quem está imerso
nela e pode ver o essencial, o seu coração. É verdade que algumas coisas podem fazer sofrer a
Igreja, assim como os seus filhos. Mas, é sempre do amor que a Igreja vive, por vezes, revive,
assinalando, de algum modo, outra vez, a história com a marca pascal do seu Senhor.

Se todos os membros da Igreja são sustentados por este amor, mesmo os santos, os
mártires, os confessores, os doutores, se é assim, então eu posso trazer, no meu coração, aquilo que
é o essencial, estando naquele posto particular que Deus me reservou. Posso também ser “o amor”
lá onde eu estou. Se não for como um lírio, que seja como uma margaridinha. A perfeição consiste
em ser aquilo que Ele quer que sejamos- era o que dizia a santa.

Como ela mesma fez isso? Indo por uma pequena via. A partir de um grande desejo de
Deus, ofertou-se à sua misericórdia, totalmente confiante na Sua bondade, nas circunstâncias
ordinárias da vida, nas pequenas coisas, convicta de que nada é pequeno quando o amor é grande.
Alguém poderia dizer: não devemos fazer as coisas grandes também? E evidentemente a resposta a
esta indagação jamais seria negativa. Talvez seja necessário dizer apenas que falar de pequena via
não é, em absoluto, limitar o amor. Antes, é o modo de não negá-lo aqui e agora. No fim, eis o
segredo, quem ama não sabe calcular – já o dizia a santa doutora. Não saberá mesmo a diferença
entre o pequeno e o grande.

Pois é, foi assim que uma margaridinha ardeu de amor, ensinou ao mundo uma doutrina
nova e mesmo os lírios se inclinaram para ouvi-la. Com o seu “caminhito”, Santa Teresinha
incendiou o mundo.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

Igreja e sínodo são sinônimos

As palavras de São João Crisóstomo, retomadas pelo Papa Francisco, por ocasião da
celebração comemorativa dos 50 anos de instituição do sínodo dos bispos, constituem, segundo
penso, o título adequado deste escrito. E elas me remetem, de imediato, à memória de uma bela
experiência de comunhão eclesial, que tive a oportunidade de viver na África.

Passaram-se já dez anos, desde a primeira viagem que fiz à Guiné-Bissau. A convite de
Dom Pedro Zilli, de saudosa memória, então Bispo de Bafatá, a associação de leigos consagrados
de que faço parte, a Comunidade Católica Nova Berith, passou a desempenhar, em Bissau, uma
atividade missionária. Hoje, é responsável pela Casa Bambarã, que cuida de crianças em situação de
grave risco social; naquela época, estávamos chegando, conhecendo a vida, as lutas, as necessidades
do povo. E nos hospedamos na casa de Dom Pedro.

Certo dia, a nossa programação era a de ir a Gabu, uma das principais cidades da Guiné,
porém, extremamente empobrecida. Na visita, participaríamos de uma reunião com a comunidade
do lugar. E assim sucedeu. Chegamos ao local com o bispo e foram chegando também os agentes
pastorais, as religiosas, os padres. Via-se a marca do tempo e das durezas de toda ordem, imprimida
nos rostos dos que lá estavam. Havia também uma certa tensão no ar. Era perceptível. Algo do tipo:
o que quer o bispo com esta reunião? Dom Pedro deu início ao encontro. De fato, logo no começo,
ficou claro que não era simplesmente uma reunião de trabalho, um evento social de qualquer índole,
era mesmo um encontro – com toda a carga antropológica positiva, que esta palavra possa conter. O
bispo queria ver e ouvir aquele povo. Enquanto cada qual falava, ele pacientemente ouvia, mais,
todos se ouviam, e o clima foi mudando. Uma alegria foi se instalando e era … missionária. Muitos
dos que ali estavam tinham deixado o seu país, os seus parentes mais próximos, há anos, para
semear o Evangelho noutra terra, atendendo ao chamado do Senhor. E sentia-se um suave
entusiasmo. Entenda-se bem, não havia ingenuidades, o tempo cuidara de apagá-las. Era a clara a
consciência dos grandes desafios, evidente a dedicação ao trabalho e, por vezes, presente a sensação
de que a semente insistia em cair em terrenos pedregosos, espinhosos. Dom Pedro, confirmou e
animou aquela porção do povo de Deus. Deu-lhes o testemunho de que se edificava com a beleza
do seu empenho missionário – ele, que também, há quase trinta anos, encontrava-se em Guiné. A
partir de tudo quanto se compartilhara, apresentaram-se sugestões, estabeleceram-se diretrizes.
Participamos da celebração eucarística, uma concelebração, presidida pelo bispo. No final, aquela
alegria suave permanecera, juntamente com a percepção de um compromisso renovado. Partimos,
de novo, para o horizonte da missão. Foi uma experiência profundamente sinodal. Certamente, não
a única que pude testemunhar – porque afinal isso é próprio da Igreja. Mas, foi mesmo de autêntica
sinodalidade.

Afinal, não está presente neste recorte da existência, em sua simplicidade e riqueza,
aquilo de que tem falado insistentemente o Papa Francisco? Parece-me que sim. Naquele
memorável discurso, por ocasião do 50º aniversário da instituição do sínodo dos bispos, ao apontar
a sinodalidade como uma “dimensão constitutiva da Igreja”, o Santo Padre apresentou alguns traços
de uma espiritualidade – digamos assim – sinodal. É saliente, em suas palavras, a referência a um
dinamismo de comunhão, que deve inspirar todas as decisões eclesiais. Um dinamismo de
comunhão, que se manifesta como um dinamismo de escuta. Ouçamos: “Uma Igreja sinodal é uma
Igreja da escuta, ciente de que escutar ‘é mais do que ouvir’. É uma escuta recíproca, onde cada um
tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e
todos à escuta do Espírito Santo, o «Espírito da verdade» (Jo14, 17), para conhecer aquilo que Ele
‘diz às Igrejas’ (Ap 2, 7). E, noutro passo: “escuta de Deus até ouvir com Ele o grito do povo; escuta
do povo, até respirar nele a vontade a que Deus nos chama”.

É de se notar que o paradigma sinodal não tende ao obscurecimento do ministério
hierárquico. Em absoluto. Francisco recorda que, no sínodo, “os bispos agem como autênticos
guardiões, intérpretes e testemunhas da fé de toda a Igreja”, como também que o fazem “cum Petro
e sub Petro”, o que, explica, não é uma restrição da liberdade, mas uma garantia da unidade. De
qualquer maneira, segundo o Papa, a sinodalidade oferece o quadro interpretativo mais adequado,
para compreendermos o ministério hierárquico como autoridade endereçada ao serviço.

Embora o termo sinodalidade não apareça no Concílio Vaticano II, é fato que o
dinamismo por ele expresso se embasa na eclesiologia conciliar, especialmente, na visão
eclesiológica do povo de Deus e no sensus fidei (Cfr. R. Repole, O sonho de uma Igreja Evangélica,
A eclesiologia do Papa Francisco, p. 77).

A imagem do povo fiel de Deus a caminho, estabelecido como mistério de comunhão,
povo do qual fazem parte, a pleno título, todos os batizados, filhos no Filho, habitados pelo Espírito,
participantes do tríplice múnus de Cristo, selados com uma unção profética, aptos, pois, a
discernirem e manifestarem o que vem de Deus, a perceberem os seus caminhos na história,
legitima aquela atitude profunda de escuta de que falou o Papa no discurso de 17 de outubro de
2015: “o Rebanho possui a sua ‘intuição’ para discernir as novas estradas que o Senhor revela à
Igreja […] O caminho sinodal começa por escutar o povo, que ‘participa também da função
profética de Cristo’”.

Até onde posso ver, o paradigma eclesial da sinolidade radica numa profunda visão de
fé, na convicção de que o Espírito foi derramado em nossos corações e de que o povo de Deus
possui a unção do Santo. Não se trata, pois, de um modo engenhoso de administração ou governo.
Cuida-se, na realidade, de um modelo profundamente alicerçado no mistério cristão, mais ainda, de
um dinamismo que assenta na compreensão da Igreja como mistério de comunhão.

Rogo a Deus que possamos bem compreender o que significa este caminhar juntos, esta
escuta dos outros e, com todos, do Espírito. Com equilíbrio, sem exageros ou desvios. Que venham,
pela graça de Deus, todos os frutos de uma Igreja alegremente sinodal e missionária.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

Sobre os concílios e o Vaticano II

Concílio é uma palavra que vem do grego (kaleo), cujo significado é o de convocar,
reunir. É uma palavra correlata do vocábulo sínodo, que significa caminhar juntos. “Ao princípio,
Concílio e Sínodo são sinônimos […] Estas duas palavras evocam uma ampla convocação para
deliberação sobre o modo de seguir o mesmo caminho (P. Christophe, Pequeno Dicionário de
História da Igreja, São Paulo, 1997)”. O uso do termo ficou reservado à reunião dos bispos, para o
fim de tratar de assuntos afetos à Igreja, à sua fé, à sua disciplina, à sua missão.

No concílio, há o solene exercício do magistério da Igreja. Nele, a Esposa de Cristo
usa o múnus de ensinar com a assistência do Espírito Santo. É uma instituição tradicional na
história da Igreja, correlacionada à necessidade de soluções práticas que extrapolavam os limites da
competência de um bispo particular. Já no século II, na Ásia Menor, os fiéis se reuniram, por volta
do ano 175, para condenar o montanismo. Ainda no final do século II, em virtude de uma disputa
sobre a data de celebração da páscoa, matéria que então dividia as diversas igrejas particulares,
passaram a ser convocados diversos sínodos, por iniciativa do Papa Vítor: em Roma, na Gália e na
Ásia. No século III, a disputa sobre o batismo dos hereges, fez com que S. Cipriano reunisse, em
Cartago, 87 bispos. E, ainda no século III, houve sínodo, para tratar dos que, sob a perseguição de
Décio, apostataram da fé. Os exemplos mostram que os concílios surgiram orientados à busca do
consenso na fé e na disciplina eclesiástica, em vista de preservar a comunhão das diversas Igrejas.

Podemos encontrar o seu fundamento bíblico. Nos primórdios da Igreja, houve
grande controvérsia motivada pela intervenção de judeus convertidos, que supunham necessária a
observância da lei mosaica para a salvação. Queriam, assim, reduzir o cristianismo a uma seita
judaica. Essa realidade é abordada por S. Paulo na Epístola aos Gálatas. Em torno disso é que se
realizou o primeiro Concílio da Igreja, o de Jerusalém (Atos 15). Ali, ante a Igreja reunida, falaram
Pedro, Paulo, Barnabé e Tiago. Ao final, os apóstolos enviaram a sua decisão às comunidades de
origem pagã, em cujos termos ficou expressa a fé eclesial na assistência do Espírito Santo para a
decisão tomada no concílio (At 15,28). Decidiu-se ali não impor aos pagãos o cumprimento da lei
mosaica, exceto naquilo que fora então considerado indispensável. Tratou-se de uma tomada de
posição importantíssima na história da igreja, que assim abriu as portas à conversão dos não judeus.

Numerosos concílios ocorreram na Igreja. Ecumênicos, são enumerados 21. Trataram
de temas diversos, conexos às suas próprias circunstâncias históricas. O último deles foi o Concílio
Vaticano II, reconhecido por S. Paulo VI como um “evento extraordinário de graça”, por São João
Paulo II como “a grande graça de que se beneficiou a Igreja no século XX […] bússola segura, para
nos orientar no início do novo século” (NMI 57), com o que concordaram, aliás, Bento XVI
(Audiência Geral, 10.10.2012, por ocasião dos 50 anos do Concílio) e Francisco (Mensagem por
ocasião do cinquentenário da Apostolicam Actuositatem). Lancemos um breve olhar histórico.

Após a interrupção do Concílio Vaticano I, que não tivera um encerramento oficial,
havia, na Igreja, uma preparação latente – por assim dizer – para um novo concílio universal, uma
reflexão prolongada sobre o tema. Era sentida a necessidade de um grande sínodo, ao menos, para
completar o trabalho inconcluso do Vaticano I, complementando as declarações das prerrogativas
papais do primado e da infalibilidade, através de uma reflexão mais ampla sobre a Igreja. De fato,
“desde Bento XV, todos os Papas tinham pensado na eventualidade de uma reabertura do concílio
Vaticano, mas é sabido que nenhum desses projetos chegou a bom tempo (G. Alberico, História dos
Concílios Ecumênicos, p. 393)”.

Acresce que o século XX, marcado por duas grandes guerras, com suas
consequências políticas, morais e culturais, caracterizou-se por mudanças profundas: científicas,
tecnológicas, econômicas, familiares. Tudo isso influenciou a medida e a maneira pela qual as
pessoas viviam a religiosidade. Tudo apontava para a indispensabilidade de uma renovação eclesial,
de uma autêntica reforma.

É preciso notar que a verdadeira Igreja de Cristo, iluminada pelo Espírito Santo,
diversas vezes, em sua história, abriu-se às reformas. “Não precisa de reformadores estranhos a ela,
pois é fecunda a seiva divina que a sustenta (E. J. Araújo, Um Concílio Pastoral, p. 9)”. Daí,
providencialmente, em paralelo àquela realidade cambiante, foram surgindo, na Igreja, diversos
movimentos e grupos, tendentes à renovação no campo ecumênico (movimento ecumênico), bíblico
(movimento bíblico), litúrgico (movimento litúrgico) e teológico (movimento teológico). Tudo se
encaminhava a um grande evento renovador, que, hoje sabemos, viria logo depois.

Foi nesse contexto que S. João XXIII, por uma decisão pessoal e espontânea,
convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II: “a ideia do concílio surgiu como uma flor de
inesperada primavera”, disse o Papa, “algo de inesperado: uma irradiação de luz sobrenatural”.
Sobre isso, o Cardeal Montini – mais tarde S. Papa Paulo VI – escreveu “Esta resolução tem origem
na única e personalíssima vontade do Sumo Pontífice”. Assim é que S. João XXIII, filho de simples
camponeses italianos, eleito Papa aos 78 anos de idade, cujo pontificado, julgava-se, seria de mera
transição, anunciou à Igreja e ao mundo a realização do maior evento eclesial do século XX.
Qual deveria ser a missão do Concílio? No discurso solene de abertura, o “Papa
bom” apontou as linhas mestras por serem seguidas:

“Nos nossos dias a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia
que o da severidade; julga satisfazer melhor as necessidades de hoje mostrando a validez de sua
doutrina do que condenando os erros (…) levantando, por meio deste Concílio, o facho da verdade
religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e
bondade com os filhos dela separados. Ao gênero humano, oprimido por tantas dificuldades, ela
diz, como outrora Pedro ao pobre que lhe pedia esmola: eu não tenho outro nem prata, mas dou-te
aquilo que tenho: em nome do Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda (At 3,6)”.

E São Paulo VI confirmou os objetivos do seu predecessor no discurso solene da
abertura da segunda sessão do Concílio: “podemos compreender melhor os fins principais deste
Concílio […]: o conhecimento, ou, se se preferir, a consciência da Igreja; a sua reforma; a
recondução de todos os cristãos à unidade; e o diálogo da Igreja com o mundo contemporâneo”.

A Igreja foi, portanto, a ideia central do Concílio. A ideia de fazê-lo doutrinário e
pastoral, sem definições dogmáticas nem condenações, mas apresentando a verdadeira face da
Igreja e procurando a sua renovação, predominava entre os Padres Conciliares: “Reuniram-se, em
concílio, Papas, bispos, teólogos, biblistas e liturgistas, moralistas e pastoralistas, para aprofundar a
natureza e a missão da igreja, para ela enfrentar os problemas atuais, renovar-se no necessário e
ensinar o mundo a reencontrar o caminho de Deus – é o que nos diz D. Epaminondas Araújo, padre
conciliar, testemunha da primeira hora (Cfr. E. J. Araújo, Um Concílio Pastoral, pp. 10 – 13)”.

Assim, compreendemos o sentido dos dezesseis documentos do Vaticano II. Quatro
constituições diretamente voltadas para a Igreja: a DEI VERBUM, tratando das fontes da revelação,
sobre a qual se apoia a Igreja; a LUMEN GENTIUM, em que a Igreja olha para si mesma, para o
seu mistério, para a sua realidade de Povo de Deus, para sua Escatologia; a SACROSANCTUM
CONCILIUM, discorrendo sobre como a Igreja deve celebrar o mistério da salvação; e a
GAUDIUM ET SPES, que busca orientar o diálogo da Igreja com o Mundo. Os Nove Decretos
constituem normas conciliares dirigidas à reforma desejada e à orientação do procedimento das
pessoas e instituições eclesiais. Enfim, três declarações visam informar o posicionamento da Igreja
diante de alguns problemas especiais.

Termino este pequeno escrito, que já vai longo. Termino na esperança de que o olhar
sobre o “evento extraordinário de graça”, que foi o Concílio Vaticano II, ajude-nos a compreender
melhor o sentido da chamada do Papa Francisco a vivermos uma Igreja sinodal. Certamente, esta
renovada atenção nos preservaria de alguns equívocos.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

No coração da Igreja

“O encontro com Cristo, graças à ação invisível do Espírito Santo, realiza-se na fé
recebida e vivida na Igreja. Com as palavras do papa Bento XVI, repetimos com certeza: “A Igreja
é nossa casa! Esta é nossa casa!(DAp 246)”. Este pequeno trecho, do Documento de Aparecida,
oferece a via pela qual desejo hoje começar este escrito. É, de fato, no coração da Igreja, que
conhecemos a Cristo.

A Igreja nascente, inspirada pelo Espírito, pregou destemidamente o Evangelho, transmitiu
a fé e consignou, por escrito, o testemunho de Cristo: as palavras e os feitos de Jesus, em especial, o
seu mistério pascal. Foi necessário lutar, para que ideias discrepantes não fizessem perder a grei. No
dinamismo próprio desse cuidado pastoral, realizou-se um grande discernimento entre os primeiros
escritos que circulavam entre os cristãos, de modo a esclarecer quais entre eles estavam em
conformidade com o testemunho dos apóstolos, quais tinham efetivamente a marca da sua
autoridade. Assim, enquanto reconhecia a fé apostólica nos textos, a comunidade eclesial – não
acéfala, mas capitaneada por aqueles que eram sucessores dos apóstolos – foi fixando o cânon do
Novo Testamento. Santo Irineu, bispo de Lião, no século II, oferecia uma significativa relação
desses livros inspirados, relação que já apareceu completa no Decreto Damasiano do século IV. Os
concílios de Florença e Trento, nos séculos XV e XVI, selaram dogmaticamente a canonicidade
daqueles escritos que, por séculos, já eram lidos na liturgia.

É claro, a Igreja também guardou os sacramentos instituídos pelo Senhor. Desde o seu
nascimento, impulsionada pelo Espírito Santo, não só anunciou a Palavra, mas também celebrou os
sacramentos. A Eucaristia, como atualização do mistério pascal, origem e cume de toda ação
eclesial. O batismo, que nos confere a vida divina e nos habilita ao banquete da nova aliança. A
confirmação, pela qual, selados por uma força especial do Espírito, somos enviados à missão. A
ordem dos bispos, em que se conserva a semente apostólica, por uma ininterrupta sucessão,
constituída para o sacerdócio, a dos presbíteros, seus colaboradores, a dos diáconos, aos quais se
impõe as mãos para o serviço. E também o matrimônio, que traz a marca do amor esponsal de
Cristo, a penitência, a cura.

Há tanta beleza na Igreja, porque vemos brilhar, no seu rosto, a luz de Cristo. A tal respeito,
agrada-me recordar uma palavra do Papa Francisco, na Carta Apostólica Desiderio desideravi, a
qual me parece especialmente inspirada:
“Se tivéssemos chegado a Jerusalém depois do Pentecostes e tivéssemos sentido o desejo
não só de ter informações sobre Jesus de Nazaré, mas também de ainda o poder encontrar, não
teríamos tido outra possibilidade a não ser a de procurar os seus para escutar as suas palavras e
ver os seus gestos, mais vivos do que nunca. Não teríamos tido outra possibilidade de um
verdadeiro encontro com Ele a não ser a daquela comunidade que celebra
[…]

Iluminada pelo Espírito Santo, a Igreja entendeu desde o primeiro instante que aquilo que
era visível de Jesus, aquilo que se podia ver com os olhos e tocar com as mãos, as suas palavras e
os seus gestos, o caráter concreto do Verbo encarnado, tudo d’Ele tinha passado para a celebração
dos sacramentos
[…]

Aqui reside toda a poderosa beleza da Liturgia. Se a Ressurreição fosse para nós um
conceito, uma ideia, um pensamento; se o Ressuscitado fosse para nós a recordação da recordação
de outros, ainda que com autoridade, como os Apóstolos, se não nos fosse dada também a nós a
possibilidade de um verdadeiro encontro com Ele, seria como declarar esgotada a novidade do
Verbo feito carne […] A fé cristã ou é encontro com Ele vivo, ou não é. A Liturgia garante-nos a
possibilidade desse encontro” (ns. 8 – 11)

É assim mesmo! Na Igreja, especialmente, na sagrada liturgia, tocados pela ação do
Espírito, vivemos esse encontro com Jesus. E porque aí o vivemos, porque somos aí alimentados
pela Palavra e pela Eucaristia, podemos também encontrá-Lo na oração pessoal e comunitária, nos
irmãos, nos mais necessitados – como Ele mesmo o disse – na nossa aventura existencial e na
história humana, repleta de ambiguidades – deve-se mesmo reconhecer – mas também iluminada
pelos sinais de esperança, que sempre ressurgem, à medida que nos rendemos conta da realidade da
presença do Senhor.

Porque vivemos este encontro, tornamo-nos discípulos-missionários. Sentimos a urgência
de compartilhar o amor redentor de Deus, boa nova que difunde os seus efeitos vivificantes em
todas as dimensões da nossa existência. E podemos dar graças pelos carismas diversos, que, para a
edificação da unidade do corpo de Cristo, o Espírito concede à Igreja.

Que bom poder dizer: A igreja é a nossa casa! Que bom poder firmar os pés em seus
sólidos fundamentos e acolher a sua riqueza: a sucessão apostólica, a tradição apostólica, o batismo,
a eucaristia e todos os sacramentos, a comunhão das coisas santas e dos santos, a experiência do
amor trinitário, derramado em nossos corações pelo Espírito que nos é dado. E, afinal, sair…
Missionariamente, sair! Alegremente, sair! Com a nossa vida impregnada do Evangelho,
sair! Com entusiasmo, apressadamente, sair! Como Maria!

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

Qual laicidade?

A apresentação de abertura dos jogos olímpicos de 2024, em que se procurou encenar uma
estranha “releitura” da Santa Ceia, com a participação de drag queens, provocou duras reações. A
conferência episcopal francesa condenou o incidente e, ao menos, uma autoridade eclesial
diretamente ligada à Santa Sé, o Arcebispo Charles Scicluna, Secretário adjunto do dicastério para a
doutrina da fé, fez uma reclamação formal junto ao embaixador francês em Malta. É verdade que
houve uma tentativa de suplantar o mal-estar, mediante a declaração de que a cena evocara, na
verdade, o banquete de dionísio. O diretor artístico da abertura dos jogos olímpicos, Thomas Jolly,
tomou esta via. No entanto, os artistas que participaram do ato confirmaram, na imprensa e nas
próprias redes sociais, que a intenção era imitar a conhecida tela de Leonardo da Vinci, a última
ceia. Por seu turno, a porta-voz de Paris 2024, Anne Descamps, disse que jamais houve a intenção
de ofender ninguém, mas apenas de celebrar a tolerância e a diversidade.

No entanto, custa-se a ver tolerância à diversidade na decisão que fora tomada pela
ministra dos Esportes da França, Amelie Oudea-Castera, no sentido do banimento do uso do véu
islâmico pelas atletas francesas durante as olimpíadas. A explicação fora a de que se procurava
manter os princípios do secularismo, prezando pela neutralidade do serviço público – no caso,
aquele cumprido pelos atletas – e afastando qualquer tipo de proselitismo. Isso não impediu que a
porta-voz de direitos humanos da ONU reagisse contra a medida, considerando-a discriminatória. E
o Comitê Olímpico Internacional, contrariando a decisão francesa, liberou o uso do hijab (véu)
pelas atletas na vila olímpica.

Menos tolerante, porém, foi o Comitê Olímpico Internacional defronte à mensagem
religiosa veiculada por Rayssa Leal com o uso da língua brasileira de sinais. Rayssa, em libras,
disse que “Jesus é o caminho, a verdade e a vida”. E o disse, porque assim sempre fizera em todas
as competições, explicou. O resultado é que o Comitê Olímpico Brasileiro foi advertido pelo COI
(Comitê Olímpico Internacional). Isso sem falar no veto à prancha de João Chianca, simplesmente
por conter a imagem do Cristo.

Todos esses acontecimentos colocam em evidência um dos temas mais pulsantes do nosso
tempo. Vivemos em uma época, segundo muitos escritores que se devotam ao tema, caracterizada
por um “retorno” da experiência religiosa. Para alguns, um tempo que pode bem ser denominado de
pós-secular. Para outros, trata-se apenas da permanência da religião num contexto de secularização,
o que, de resto, deve levar ao redimensionamento do significado desta última.
A propósito, M. Martinelli, em artigo intitulado “Religião na Europa secularizada e póssecularizada”, publicado na obra coletiva intitulada “Migrantes e religião: caminhos, questões,
lentes”, coordenado por L. Zanfrini, colaciona dados empíricos instigantes, relativos ao ano de
2016, dados oriundos da Gallup Foundation.

Segundo o mencionado instituto de pesquisa, diz Martinelli: “62% das pessoas no mundo
se definem como ‘religiosas’ e muitas delas também se dedicam a atividades de natureza religiosa;
71% declaram acreditar em Deus e consideram a dimensão religiosa como um ponto de referência
importante em sua vida cotidiana; 25% se definem como “não religiosos”, enquanto o número de
ateus gira em torno de 9%. Se em alguns contextos – como na América Latina e na África
subsaariana – a experiência religiosa é fortemente sentida e se expressa por meio da pertença a
Igrejas históricas institucionalizadas e/ou a grupos muitas vezes nascidos das várias ramificações
evangélicas, ou – como ocorre frequentemente particularmente na Ásia – ela toma forma com
referência às espiritualidades locais (budismo, hinduísmo etc.) e, para os países árabes, em relação
ao islamismo, na Europa observamos um alto nível de secularização que é acompanhado, no
entanto, pela declaração de se sentir em qualquer caso ‘religioso’ pela tradição e pela cultura”.
É intuitivo que, nesse contexto, peças como o espaço público, a liberdade religiosa, a
pluralidade, a laicidade, o secularismo e a tolerância, impliquem-se mutuamente num mosaico ainda
em formação.

No curso das Olimpíadas 2024, a observação atenta desse mosaico permite, pelo menos,
uma conclusão: não se leva (ainda) suficientemente em conta a importância que a própria
experiência religiosa possui para os atletas. As múltiplas orações, as manifestações de
agradecimento a Deus, o sinal da cruz, tudo parece evidenciar um certo distanciamento entre a força
que a fé representa para o cumprimento daquele exigente percurso que um atleta olímpico se impõe
– ao menos, isso é verdade para uma parte significativa deles – e o modo pelo qual se dá a gestão da
liberdade religiosa – inclusive, da liberdade de expressão religiosa – no desenvolvimento das
competições.

Os jogos olímpicos, contudo, equivalem apenas a uma espécie de laboratório social –
embora privilegiado. Tendem a colocar em evidência que é imperioso que se repense a relação entre
as peças daquele mosaico, especialmente, que se repense a laicidade.
A laicidade não pode equivaler a uma sorte de programa filosófico imposto pelo Estado à
sociedade civil. Não pode ser laicidade ideológica. Não pode ser laicismo. Se assim for, ela perde a
sua capacidade sintética, a sua força política de engendrar a unidade sociopolítica num contexto
plural. Transforma-se, antes, numa das vertentes ideológicas ou religiosas em interação no diálogo
social, numa competidora no jogo das ideias – por assim dizer – nunca, porém, naquilo que ela deve
ser: instrumento estatal de gestão da diversidade.

Qual laicidade? O título deste artigo corresponde àquele que um renomado professor
italiano, G. Dalla Torre, deu a um dos seus livros (Europa, Quale laicità, San Paolo, 2003). A
densidade do conceito se conecta a toda uma diversificação terminológica que, por sua vez, aponta
a complexidade do nosso tema: laicidade aberta versus laicidade fechada; laicidade-gestão versus
laicidade-programa; laicidade dos juristas versus laicidade dos filósofos.

No caso dos jogos olímpicos, após a cerimônia inaugural, houve sinais de “abertura”. As
autoridades olímpicas e os líderes religiosos se reuniram em frente à Catedral de Notre Dame em
busca da reconciliação. O ato foi um manifesto de paz – segundo o bispo católico Emmanuel
Gobilliard –, uma declaração de que o esporte e a fé podem se complementar – conforme Thomas
Bach, presidente do COI. De par com isso, instalou-se um centro religioso na vila olímpica, com a
presença de capelães, voltados à assistência religiosa a ser prestada aos atletas.

É um bom começo, sem dúvida. Fico esperando apenas que se dê à liberdade de expressão
religiosa – inclusive, àquela, silenciosa, de Rayssa Leal e de João Chianca – a mesma cidadania que
se deu à satírica liberdade de expressão artística na abertura dos jogos. Pelo menos.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

A Deus louvamos!

Nos últimos dias, aproveitando um interlúdio raro de descanso, estive, com a minha família, numa das
praias do litoral sul do nosso Estado. Encontramo-nos envolvidos pela harmonia de uma pequena baía, entre as cores vivas das falésias, da areia, da vegetação rasteira e dos coqueiros, tudo banhado pelo sol e pelo mar… nós também. Era um esplendor de luz, embalado por uma sinfonia suave, uma obra de arte. Senti-me grato, por poder apresentar aos meus filhos aquela beleza que conhecera na juventude. Ali, conversamos…

Falamos sobre Deus, sobre a criação, sobre o belo. O diálogo se estendeu e enveredou por outros
caminhos. Lembramos de Hans Jonas, aquele filósofo que, na segunda metade do século XX, advertiu-nos de que a nossa técnica chegara à potencialidade de intervir drasticamente sobre o mundo, ao ponto de afetar gravemente, ou mesmo suprimir, a exuberante gratuidade daquela beleza. E colocava a pergunta: há verdadeira vida humana sem a experiência dessa beleza? Segundo ele, o imperativo categórico que se nos impunha – cito, muito livremente, as reflexões daquele pensador – era o de viver de tal modo que, no futuro, fosse possível uma vida autenticamente humana. Também recordamos Edgar Morin e a crítica que ele fez do método científico tradicional. Para Morin, ao reduzir a realidade até a sua forma mais simples no intento de compreendê-la, o método científico corre o risco de descurar da complexidade do real. Uma intervenção aqui, pode produzir um inadvertido resultado acolá. É como ir ao médico, tomar um remédio para o estômago e adquirir uma outra doença – sabe-se lá onde, no fígado, por exemplo – pelos efeitos paradoxais do tratamento. Ou, já que estávamos numa baía, como construir um porto num ponto distante
da cidade, e não dar conta de que a destruição provocada pela forma indevida com que se fez a obra impossibilitará o banho nas praias urbanas, que se transformarão em rota de tubarões cabeça-chata. Perdoem a simplicidade e o tom coloquial das citações e dos exemplos. Falo de uma conversa entre pai e filhos. Mas, os exemplos bem poderiam ter acontecido alguma vez…

É verdade que se poderia intentar a solução dos problemas com outras intervenções, mais avançadas. O
que não se pode é assegurar que o mundo que resultará de tudo isso será melhor do que aquele que temos hoje. Esta última frase é do Papa Francisco, na Laudato si. Foi até aí que a conversa chegou.

Mais recentemente, na Exortação apostólica Laudate Deum, o Papa voltou a falar da sua preocupação
com a “casa comum”. No sentir de Francisco, passados oito anos da Laudato si, não estamos a reagir de modo
satisfatório. O Santo Padre sublinha que o impacto da mudança climática – que não é, em absoluto, uma ilusão – atingirá, de modo crescente, pessoas e famílias, nos âmbitos do emprego, da saúde, da habitação, das migrações forçadas. O nosso cuidado pelo outro e o nosso cuidado com a terra estão intimamente ligados, diz o Papa, citando os bispos americanos. As alterações climáticas revelam um chocante exemplo de pecado estrutural, afirma ainda o Pontífice, desta vez, transcrevendo os bispos africanos. E a questão está se tornando cada vez mais urgente, arremata (Laudate Deum, n. 1-4).

Todas essas reflexões me levam a compartilhar com o leitor o texto abaixo. É da autoria de Raquel
Rebouças, leiga, casada, professora universitária, consagrada na Comunidade Católica Nova Berith, animadora da LAUDATO SI no NORDESTE, a qual dedicou os seus estudos de doutoramento a um tema coligado àquele ao qual hoje nos referimos.
Vale a leitura:

“O simples e o belo me encantam.

A decisão de pesquisar sobre vida simples (voluntary simplicity) no doutorado precedeu meu contato com
a laudato si e a laudate Deum. O estilo de vida simples busca reduzir voluntariamente o consumo, com motivações sociais e sustentáveis (Rebouças & Soares, 2020).

Como uma mulher comum, que lida com os desafios ordinários de ser esposa, mãe, consagrada,
professora, pesquisadora e dona de casa, o tema me envolveu na busca de aprofundar essa beleza tão desafiadora de ser simples. Simplicidade virou uma teoria distante na fenomenologia do homem urbano comum, envolto em horas no celular, demandas imediatistas de trabalho, lazer em torno de vitrines, e em um cotidiano mergulhado em um mar de materiais artificiais, guiado por luzes incandescentes e frias que não têm hora para desligar. Perde-se a noção do ritmo natural da noite e do dia, do esmaecer do pôr-do-sol que ensina como desacelerar, da respiração que regula os hormônios do corpo, do barulho das folhas balançando e dos tons de verde que compõem as plantas. Não se trata de poesia, os temas de sustentabilidade e estilo de vida são preocupações relativas à saúde pública em diversos periódicos reconhecidos internacionalmente (Ballantine & Creery, 2010; Huneke, 2005; Markowitz & Bowerman, 2011; Peyer, Balderjahn, Seegebarth, & Klemm, 2017; Walther & Sandlin, 2013), tema frequentemente citado nos últimos anos (Botta, 2015; Iwata, 2001; Kraisornsuthasinee & Swierczek, 2018). No contexto de comportamento do consumidor, para os estudos sobre mercado e sustentabilidade, políticas públicas e de saúde, esse tema é urgente e
necessário, não há dúvidas.

Imagine a sensação de profundo encontro ao ler documentos como a laudato si e a laudate Deum, ouvir a
voz do nosso Papa anunciando e denunciando problemas sobre economia, ecologia e consumo como questões estruturais do cristianismo. Somos igreja e somos responsáveis pelas consequências do nosso consumo, pela falta de zelo com a natureza e pelo estilo de vida desordenado que conduz ao adoecimento – da natureza e das pessoas. O que nos falta para ser testemunhas? Nossas comunidades, paróquias, associações e institutos não podem menosprezar questões de consumo e sustentabilidade.

Ao final dos estudos do doutorado e da convertedora experiência com a laudato si e a laudate Deum,
percebo que estamos apenas começando, a pequenos passos. Não podemos desanimar na conversão ecológica, econômica e social a que ser Igreja nos chama. Não é acessório, é estrutural. Vida simples, sustentabilidade e consumo consciente são temas a serem abordados em solos Eucarísticos por ser indispensável buscar coerência entre o que somos, o que fazemos e o que acreditamos”.

Laudato si! Laudate Deum! A Deus louvamos. E pedimos que a grande ação de graças que é a Eucaristia,
onde os dons da criação e do trabalho humano concorrem para fazer presentes, no altar, o pão e o vinho, que se convertem no Corpo e no Sangue do Senhor, ajude-nos a sermos verdadeiramente doxológicos. Pessoas cuja vida, a oração, o trabalho, incidindo sobre a realidade deste mundo, sirvam a render maior glória a Deus e, de alguma maneira, a contribuir para o advento pleno do Seu Reino, aquele dia em que Ele será tudo em todos.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

Sobre direitos humanos…

Um tema instigante, capaz de suscitar reflexões de sentidos diversos, é o que diz respeito à
relação que se estabelece entre democracia, direitos humanos e o ensino social da Igreja. Gostaria
de partir do olhar de um renomado pesquisador americano.

Samuel P. Huntington, cientista político, professor da Universidade de Harvard, em artigo
intitulado The third wave, afirmou que uma terceira onda de democratização, ocorrida após a
segunda guerra mundial, deu-se no âmbito de países culturalmente católicos, tendo sido o
catolicismo mesmo – se não a principal – uma das suas causas determinantes. Em muitos pontos do
globo, diz o professor, a transição de regimes autocráticos para democracias caracterizadas pela
afirmação dos direitos da pessoa ocorreu num campo em que se contrapunham, de um lado, um
prelado católico, de outro, um ditador. Dentre os diversos exemplos citados no artigo, eram salientes
a Coreia do Sul e a América Latina. E, arrematava o estudioso, no pontificado de S. João Paulo II –
que, não podemos esquecer, vivera a experiência do fechamento político na Polônia – a luta contra
o autoritarismo passou ao palco central da Igreja. Uma alocução do Santo Padre, por ele transcrita,
respalda a conclusão: “Não sou um evangelizador da democracia, dizia S. João Paulo II, sou um
evangelizador da Palavra de Deus […] À Palavra de Deus pertencem todos os problemas dos
direitos humanos; e se democracia significa direitos humanos, ela também pertence à mensagem da
Igreja”.

As palavras do Papa, que chegam a reconhecer a existência de um liame entre os direitos
humanos e a mensagem da Igreja, não nos devem causar espanto. Se passarmos rapidamente em
revista os momentos históricos centrais da afirmação dos direitos da pessoa, vamos ver que é bem
assim. A partir da luz que a revelação projeta sobre o homem, chega-se ao reconhecimento da sua
dignidade e, por corolário, dos seus direitos.

Em primeiro lugar, quando Roma impunha a todos – inclusive, aos cristãos – a adoração do
imperador, não foi a fé católica que se opôs a esta pretensão autoritária do poder político? Não era
esta oposição a mais clara assertiva de que existe, no homem, uma dimensão espiritual impassível
de coerção? “A Deus o que é de Deus”, dissera Jesus, e esta sentença findou por produzir, na
história, uma novidade inaudita: suplantou-se o monismo político-religioso antigo e, coligada à sua
superação, apareceu a primeira grande afirmação da liberdade religiosa. O edito de Constantino não
foi que um ato de aquiescência a esta liberdade – o catolicismo somente se transformaria na fé do
Império com o Edito de Tessalônica já no final do quarto século –, e o tratado de Tertuliano, ad
scapulam, do século III, o qual situava o ato de adoração no horizonte da escolha a ser feita pela
pessoa, permanece como um eloquente testemunho da fecundidade do pensamento cristão acerca da
libertas religionis.

Alguém poderia arguir a impertinência de um exemplo relacionado à antiguidade, na
medida em que os direitos humanos correspondem a um fenômeno moderno. Seria necessário dizer
que, no decurso da história, as coisas não surgem do nada. Muitas das novas instituições foram
gestadas ao longo de séculos. De toda maneira, convém sublinhar, entre as teorias que procuram
explicar a hodierna afirmação dos direitos naturais da pessoa, aquelas que situam a sua origem no
âmbito de eventos modernos ligados ao catolicismo. Vejamos. Nas controvérsias que se seguiram às
grandes navegações e descobertas do século XV e XVI, levantou-se a questão de saber se os povos
indígenas tinham direito às terras em que viviam. Chamada a se manifestar sobre este tema, a
Igreja, acolhendo as lições de Francisco de Vitória, na Bula Sublimis Deus, do Papa Paulo III,
adotou, por assim dizer, uma linguagem assertiva dos direitos da pessoa. Tal linguagem se mostrou
muito semelhante àquela posteriormente utilizada em manifestações históricas acerca desses
direitos – conquanto, em muitos documentos modernos, tenha ela passado por uma espécie de
secularização. Dizia o Papa Paulo III: “Esses índios e todas as gentes que chegarão ao
conhecimento dos cristãos, ainda se vivem fora da fé cristã, podem usar de modo livre e lícito a
própria liberdade e do domínio das próprias propriedades (Sublimis Deus, 1537)”. Do ponto de
vista teológico, a afirmação se baseava no fato de que aqueles índios eram verdadeiros homens,
assinalados pela imagem e semelhança de Deus, como tais, destinatários daquele domínio sobre a
criação que o Senhor dera à criatura humana. Do ponto de vista da história dos direitos humanos, o
que se tem aí é uma sorte de subjetivação da ordem natural estabelecida por Deus: da lei natural
(objetiva), chega-se ao reconhecimento de um direito natural (subjetivo) da pessoa. Não é pouco. E
muitos autores veem aí o surgimento do movimento moderno da afirmação dos direitos humanos.

Seria possível continuarmos. Na Divinis Redemptoris, Pio XI discorre sobre aqueles
direitos que se fundam na dignidade pessoal do ser humano, enquanto portador de uma dimensão
material e espiritual, chegando a relacionar explicitamente alguns deles (n. 27). Na Pacem in terris,
S. João XXIII assinala existência de direitos e deveres universais, invioláveis, inalienáveis da
pessoa humana, procurando igualmente identificá-los (ns. 11– 30). Na Centesimus annus, S. João
Paulo II não apenas sinaliza a contribuição da Igreja para o movimento dos direitos humanos no
pós-guerra (n. 21) – aqui, é sobremaneira importante lembrar a contribuição do filósofo francês,
católico, Jacques Maritain, cuja contribuição foi deveras determinante para a obtenção do consenso
em torno da declaração de 1948–, mas também se ocupa de elencar diversos direitos fundamentais
da pessoa: à vida, à família, ao desenvolvimento da própria personalidade, à maturação da própria
inteligência na procura pela verdade, ao trabalho, à educação dos filhos e, principalmente, à
liberdade religiosa (n. 47).

De que nos serve tudo isso? Serve-nos a sentir com a Igreja, a pensar com a Igreja. Dizer
que existem “direitos humanos” equivale a afirmar que a pessoa humana, pela singularidade de sua
condição, porque é imagem e semelhança de Deus, é portadora de uma inalienável dignidade, que
não pode ser vilipendiada por razões de qualquer ordem. Não se sacrifica a pessoa no altar da
política, da economia, da ideologia. É como dizer sempre de novo, nos mais diversos – e adversos –
contextos, “a Deus, o que é de Deus”. Concordamos com isso e com todas as suas consequências.

Nem por isso se pode deixar de reconhecer que o discurso sobre os direitos humanos tem
apresentado certas ambiguidades. Cito rapidamente algumas delas – segundo o meu juízo. Primeiro,
fala-se de direitos, mas quase nunca de deveres. A propósito, Victor Frankl, num comentário
pitoresco e esclarecedor sobre a cultura americana, chega a dizer que se faria muito bem, se, em
contraponto à estátua da liberdade, fosse construída na costa oeste dos Estados Unidos, uma estátua
da responsabilidade. Realmente, direitos e deveres, liberdade e responsabilidade, são temas
correlatos. Disso, porém, pouco se fala. Segundo, os direitos humanos não podem ser a “religião
civil” da humanidade. Não devem traduzir uma gama de convicções valorativas, fundadas numa
mal esclarecida ordem objetiva – às vezes, numa ideia difusa de Deus – destinada a produzir uma
unidade sociopolítica, que, por vezes, atropela culturas e o legítimo exercício da liberdade religiosa.
Enfim, como falar de direitos humanos, para chegar a fins violentamente desumanos? A questão
relativa a um pretenso direito (humano?) ao aborto – que paradoxalmente correspondente à
eliminação de uma vida humana indefesa e inocente – coloca-nos de sobreaviso acerca de tudo
quanto se pode querer denominar de direito humano.

Essas questões lembram-me de um livro do jurista espanhol Javier Hervada. Diante de
ambiguidades como as que foram acima relatadas, o professor espanhol – que escreveu uma teoria
crítica do direito natural – indagava se o problema dos direitos humanos não é também o da sua
desconexão com o conceito de lei natural, à medida que este, implicando o reconhecimento de uma
ordem axiológica objetiva no mundo, proporcionaria a superação de alguns dos problemas acima
somente mencionados. Fica a pergunta… E fica igualmente a questão de saber se é possível resgatar
uma ordem objetiva de valores, sem a referência a Deus, enquanto fundamento último da verdade.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

A “cristianofobia” e o renovado desafio do testemunho

Nestes dias, lembrando-me das aulas de teologia que frequentei na FTL, Faculdade de
Teologia de Lugano, Suíça, ocorreu-me a recordação do professor Hans Christian Schmidbaur, das
suas lições de introdução aos sacramentos. Com gestos vivos, falava-nos o professor dos atos
fundamentais da Igreja: liturgia, diaconia, koinonia e martyria. Essas coisas não passam. Ficam,
para sempre, na vida da comunidade eclesial.

A palavra martyria, por exemplo, significa o testemunho que a Igreja dá de Jesus Cristo.
Algumas vezes, num contexto de paz, noutras, num cenário de perseguição, de sofrimento, de
morte. O testemunho, porém, não cessa, não cessará, até que Ele venha.

Acostumara-me a pensar no grande testemunho que os cristãos deram do mistério do
Senhor, morto e ressuscitado, naquele contexto adverso enfrentado pela Igreja primitiva. Num
quadro em que 98% do Império Romano – ou mais do que isso – era pagão, o autor do Apocalipse
proclamou a visão penetrante que somente a fé lhe podia proporcionar: todos hão de se prostrar
diante de Ti, oh Cordeiro (Ap 15,4)! E não foi assim? O sangue dos mártires tornou-se a semente de
novos cristãos, tal como o dissera Tertuliano, descortinando uma verdadeira lei da história da Igreja.

Impressionou-me, por isso, o fato de S. João Paulo II haver dito que o século XX fora o
dos mártires. A propósito, M. Introvigne, ao mencionar o grande número de mártires cristãos na
história – cerca de 70 milhões – esclarece que 45 milhões foram feitos tais no século XX. No
mesmo artigo, cujo ilustrativo título é “Intolerância e discriminação contra os cristãos. As cinco
maiores ameaças do século XXI”, o autor relaciona, embasado em documento entregue por Bento
XVI a OSCE – Organização para Segurança e Cooperação Europeia –, alguns sinais de uma
crescente intolerância contra o cristianismo. Aqui, detenho-me apenas em um deles.

Aquele enumerado como o quinto risco de intolerância para com os cristãos e de violação
da sua liberdade religiosa em nosso tempo é a assim denominada cristianofobia ocidental. Pasmem!
Mas, é isso mesmo! Essa cristianofobia toma as faces de abolição de festas religiosas, exclusão de
símbolos confessionais do espaço público – sem levar em conta a expressão pública da fé e as raízes
culturais características de uma nação, capazes de lhe dar coesão social – violação da liberdade
educacional – cristãos obrigados a frequentar aulas, que possuem uma concepção da vida e da
pessoa estranha à justa razão e à fé, como se tais concepções fossem neutras – e afronta à liberdade
de opinião e de expressão religiosa. Por pertubador que seja, o rol é meramente exemplificativo.

Para evitar discussões estéreis, digo-o logo, tenho consciência de que as violações à
liberdade confessional tocam, de modo particular, as minorias étnicas, culturais, religiosas, hoje,
também, no mundo digital. O catolicismo não pensa em liberdade religiosa apenas para si. Se
alguém imagina não ser assim, deve ler, com atenção, a declaração conciliar Dignatatis Humanae.
E, permita-me, por favor, a provocação, já com alguns anos (60!) de atraso.

Hoje, entretanto, desejo falar da intolerância que um cristão, somente pelo fato de sê-lo, de
viver e exprimir a sua fé e a moral que lhe é correlata, pode experimentar. Alguém poderia objetar
que isso não ocorre no nosso país. Aliás, é tão corriqueira, quanto elusiva, a afirmação de que, no
Brasil, não há intolerância religiosa. Tudo é pluralidade e harmonia. Mas, será mesmo? Talvez, a
menção a um caso seja bastante, para possibilitar uma perspectiva mais abrangente e uma análise
mais precisa da realidade.

Nos últimos dias, assisti estupefato ao desligamento do preparador físico da seleção
feminina de basquete, o paraibano Diego Falcão, católico, leigo, casado, que publicara um post próvida
em suas redes sociais. Já fizera publicações similares anteriormente. Agora, porém, as
circunstâncias conferiram uma especial ressonância ao seu ato. Como consequência, ele foi
anatematizado por grupos, ao final, afastado da comissão técnica da equipe brasileira. É bom dizer,
tudo motivado pelo exercício regular – inclusive, comedido – de um direito fundamental: a
liberdade de expressão, em sua modalidade religiosa. A censura que lhe foi imposta, porém,
mostrou-se flagrantemente expressiva.

O fato é que a estranhamente apaixonada defesa do aborto é feita com um olho só. Vê-se
tudo, fala-se tudo; só não se menciona o valor da pessoa humana, que silenciosamente vive, ainda
que renitentemente vista como uma coisa, um mero objeto de direito. É preciso dizer, a convicção
religiosa do preparador Diego Falcão – que tinha o direito de exprimir religiosamente a sua opinião,
sobretudo, no âmbito em que o fez – corresponde a uma mundividência razoável, facilmente
traduzível por razões públicas ou juízos impessoais de justificação – falo assim, para adotar a
terminologia própria da teoria política e jurídica, encontrada, por exemplo, em Rawls ou Dworkin.
O tema básico pode ser assim exposto: uma vida humana, pelo fato de ser humana, pela sua
potencialidade, pelo valor que lhe é inerente, merece a tutela do Estado. Nada disso, no entanto, o
socorreu.

O resultado é que José Neto, então técnico da seleção brasileira de basquete feminino,
demitiu-se do cargo. Entendeu que precisava ser solidário ao amigo e fiel às suas convicções e
princípios religiosos. O preparador Diego Falcão, firme em suas convicções, declarou que, como
católico, não poderia ter deixado de se posicionar, razão porque o fez. Não é inócuo dizer que se
multiplicou o número daqueles que o acompanham nas redes sociais. “Falava para doze mil
pessoas, agora posso falar para trezentas mil”, chegou a dizer numa entrevista. E parecia sóbrio –
além do que, claramente comprometido – em sua declaração.

Um cristão, católico, como procura ser, com a graça de Deus, o subscritor deste artigo,
sente o dever de agradecer a todos aqueles que dão de Cristo um testemunho eloquente, em meio às
incompreensões, às lutas, às dificuldades da vida. Esperançoso, pode muito bem recordar a
conhecida sentença de Tertuliano, à qual acima se fez referência. Muito mais, pode se regozijar da
memória do que disse Jesus, aquele cujas palavras vimos cumprirem-se, uma a uma, no transcurso
desses vinte séculos: “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se
morrer…” (Jo 12,24).

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

A ternura do amor familiar: o segredo dos pequenos detalhes

O Papa Francisco escreveu uma exortação apostólica com o declarado intuito de fazer
ressoar, mais uma vez, o chamado universal à santidade, situando-o no contexto atual. O título do
documento já nos diz muito: “Alegrai-vos e exultai”! Realmente, se é verdade que não há santidade
sem amor, sem compromisso, sem cruz; verdade é também que ela tem tudo a ver com aquele
projeto de felicidade – profunda, duradoura, paradoxal, sobrenatural – desvelado nas bem aventuranças. E, logo no início, o Papa sublinha uma afirmação conciliar, que calha bem à nossa
reflexão: sem excluir o caráter pessoal do chamado que o Senhor dirige a cada um, recorda-nos que
Ele quis nos santificar e salvar não isoladamente, mas na dinâmica das nossas relações
interpessoais, como comunidade humana. Não sem um pouco de ousadia, quereria dizer: o Senhor
nos quer santificar e salvar como famílias.

Esta é uma convicção que, há muito, acompanha-me. Certa vez, ainda muito jovem,
chamado a falar para casais – não tão jovens quanto eu era – sobre o amor conjugal, propus-lhes o
exemplo da sagrada família. Ao terminar, um dos ouvintes me disse: “Amigo, pense bem no
exemplo que nos deste: Jesus, Maria e José! Logo eles! Não terias um modelo mais perto de nós?”.
A pergunta despertou alguns sorrisos. E fora mesmo apresentada com leveza, bom humor e respeito.
No entanto, como podemos esquecer quanta santidade, quanto amor e ternura, existia na vida
simples da família de Nazaré? Aquela grande caridade, escondida nos pequenos detalhes, na
aparente ordinariedade de uma vida simples, inspirou tantos santos. Se pomos à luz este aspecto, a
santa família de Nazaré parece tão próxima a nós. Nem por isso esquecemos a particularidade do
seu chamado: acolher, no seu seio, o Filho de Deus.

Ainda aí, porém, encontramos uma palavra dirigida às famílias. Falar de uma santidade
familiar, é também voltar-se à família como lugar da formação de santos, de “santos ao pé da
porta”, como disse o Papa naquela exortação apostólica, de uma santidade simplicissimamente
compartilhada no dia-a-dia. Hoje, quanto a isso, ocorre-nos especialmente o exemplo luminoso de
São Luís Martin e Santa Zélia Guérin. A tal respeito, compartilho um texto que me foi enviado por
Andressa Maia, leiga, casada, mãe de três filhos, membro da Comunidade Católica Nova Berith:

“Nestes tempos em que a santidade parece uma palavra estranha, um desejo distante e
incomum no mundo, conhecer um pouco mais da Família Martin, lar de Santa Teresinha do Menino
Jesus, em especial, conhecer a simplicidade, mas, ao mesmo tempo, a força e o testemunho da vida
de Santa Zélia e São Luís, foi uma grande luz para o meu coração e para o chamado de Deus em
minha casa e família.

Zélia era uma mulher de história sofrida, vinda de uma família muito pobre e que enfrentou
grandes privações, inclusive a rigidez de uma mãe distante. Sua história poderia ser motivo de
revolta, mas ela era conhecida por sua profunda intimidade com Deus.
Dois momentos decisivos falam dessa intimidade: a partir de uma moção interior, nascida
da sua vida oracional, Zélia decidiu fundar a fábrica de rendas, da qual tirava o sustento de sua
família e, mais do que isso, onde dava exemplo de santidade no trabalho, respeitando as suas
funcionárias e cuidando delas como se fossem da família. Em outra ocasião, caminhando pela ponte
da sua cidade, avistou Luís. Não o conhecia, mas se sentiu “tocada” pelo Espírito: “Este é o marido
que preparei para você”. O tempo pode mostrar que a intuição fora verdadeira. Dois acontecimentos
destinados a dar frutos, ambos decorrentes da vida de oração de Santa Zélia
Dessa fecunda atitude oracional Luís também compartilhava. Por isso, juntos, transmitiram
essa devoção aos seus filhos, que no total foram 9 (!). Primeiro, como esposos, aprenderam a se
amar, encontrando em Deus a água que fazia a árvore florescer a tempo e alimentava o seu amor
mútuo. E assim como essa árvore, com a chegada dos filhos, passaram a vivenciar uma verdadeira
escola de oração, criando no lar um ambiente saudável, que conduzia todos a crescer em direção a
Deus e ao próximo.

Há muitos escritos de Santa Zélia e, em alguns, me surpreendi com pensamentos
semelhantes aos meus: preocupações com a roupa dos filhos, a sensação de cansaço após um dia
difícil com várias demandas, ou ainda a saudade do marido que viajou a trabalho. São Luís e Santa
Zélia, diante dessas realidades, demonstraram santidade no “calor da hora”: apesar dos desafios,
conflitos e percalços do caminho, tinham a convicção de que seus corações pertenciam ao Senhor,
como na oração que Santa Zélia recitava diariamente com as filhas: “Meu Deus, eu vos dou meu
coração; tomai-o, por favor, para que nenhuma criatura possa possuí-lo, mas somente Vós, meu
Bom Jesus”.

Esse ambiente de amor entre os esposos, de intimidade com Deus, de dedicação ao
sustento da casa, de constante transmissão da fé às filhas através dos exemplos, que, de tão forte,
levou as suas 5 filhas ao seguimento de uma vida religiosa, muito me ensina sobre como
transformar minha casa, assim como o lar dos Martin, em um autêntico lugar de amor e de alegria,
e, também, em um sinal de esperança para os que mais necessitam (reflexões pessoais, baseadas no
livro: Nos passos de São Luís e Santa Zélia, pais de Santa Teresinha)”.

O relato simples, sintético, de alguns fatos da vida de S. Luís e S. Zélia, santos dos quais
hoje fazemos memória, é o que basta, para nos colocar diante daquilo que é deveras mais
importante: a ternura do amor, daquele amor que é a expressão de uma vida santa, traduz-se nos
pequenos detalhes diários. Aliás, exatamente como no Evangelho: o pequeno detalhe do vinho que
estava para acabar numa festa, o pequeno detalhe da ovelha que faltava, da oferta da viúva, do
azeite para a lâmpada. “Guardar os pequenos detalhes do amor, cuidar uns dos outros: eis o espaço
aberto e evangelizador, o lugar da presença do ressuscitado, que nos vai santificando segundo o
projeto do Pai” (Alegrai-vos e exultai, n. 145).
Simples… e verdadeiro!

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

O QUE NÃO PODEMOS ESQUECER…

Ronald Dworkin, renomado jusfilósofo, escreveu um livro instigante sobre o quadro político norte-americano:“Is democracy here?”. A obra me marcou, não tanto pelas coisas que ali são ditas – algumas delas, aliás, contam com a minha mais franca discordância – mas pelo propósito declarado do autor: diante de um país dividido por opções políticas conflitantes – falava dos Estados Unidos da América – dividido, dizia, ao ponto de uma iminente ruptura; procurava ele colocar em evidência o motivo que tinham os seus concidadãos para viverem juntos, qual seja, o projeto constitucional americano. Segundo Dworkin, as interpretações divergentes acerca de tal projeto eram admissíveis, por vezes, até necessárias, desde que todos tivessem claro que mesmo as dissonâncias hermenêuticas partiam de um ethos político condividido, a respeito do qual o consenso era indeclinável e que constituía a chave da unidade nacional.

A reflexão do professor ressoou em minha consciência. Diante dela, senti-me um pouco como os ouvintes de Jesus, quiçá, estupefatos – e não era mesmo para menos – ao vê-lo elogiar a argúcia do administrador infiel. Se este pensador norte-americano, ateu – aliás, defensor de uma sorte de ateísmo religioso, caracterizado por uma fé valorial – teve tal apreço pela salvaguarda dos valores que mantinham a unidade do seu povo, o que devem fazer os cristãos? Para evitar todo e qualquer mal-entendido sobre o propósito deste escrito, vou direto ao ponto: diante das múltiplas questões com que diariamente nos defrontamos – família, trabalho, economia, política – nós temos ao coração uma séria atenção pela unidade da Igreja? Lembramos que a Igreja possui um magistério social, que se debruça sobre estes temas? Sabemos que o ensinamento social da Igreja não advém de uma mera preferência filosófica, mas é um capítulo teologia moral, na medida em que parte dos princípios éticos que nos são legados pelo Evangelho? Recordamos que a doutrina social da Igreja se formou a partir das intervenções magisteriais dos Papas, de Leão XIII até Francisco, desenvolvendo-se organicamente, a partir de uma base principiológica que já estava latente na Rerum Novarum, até os nossos dias?

Se se tem notado, recorrentemente e por tantos lados, uma certa perda de sentido, de que se faz acompanhar uma generalizada desilusão com o engajamento social, político e econômico – áreas que solicitam especialmente atuação do laicato – é em boa hora que se pode retomar o estudo da doutrina social católica.

O ensino social da Igreja – que, como já sublinhado, pertence ao domínio da teologia moral católica, em diálogo transdisciplinar com outros campos do saber – desenvolveu-se entre os séculos XIX e XX, a partir de alguns princípios inferidos da Sagrada Escritura e da Tradição, nomeadamente, o princípio da dignidade da pessoa, o do bem comum – dentro qual se insere o da destinação universal dos bens – o da subsidiariedade, o da participação e o da solidariedade, em ordem à realização dos valores da verdade, liberdade, justiça e da caridade, que, para além das relações interpessoais, é igualmente entendida como social e política.

A primeira grande intervenção do magistério da Igreja, dentro desse corpus doutrinário, esteve relacionada ao tema do trabalho e dos problemas suscitados por uma certa compreensão naturalista da sociedade, negatória da relação existente entre ética e economia. A temática foi então abordada na encíclica Rerum Novarum pelo grande Leão XIII. Dentre as muitas fontes de inspiração do Pontífice, gostaria de ressaltar uma em particular: fora seu amigo e conselheiro, o empresário francês Leon Harmel, cuja atuação contribuíra para evidenciar e reforçar a sensibilidade social do Papa. Após o advento da encíclica leonina, Harmel aplicou, à letra, os seus princípios no âmbito de sua tecelagem, na França, ali instituindo salário-família, pensões por ancianidade, conselhos de empresa, entre outras medidas. Passados cem anos da publicação daquela histórica intervenção social do magistério, São João Paulo II pode afirmar que a sua principal chave de leitura era, de fato, a dignidade do trabalhador e a dignidade do trabalho, tema que retomou e desenvolveu na Laborem exercens.

Mais do que isso, porém, firmara-se ali um novo paradigma, a saber: a Igreja tem uma palavra a dizer acerca das realidades sociais, mesmo porque os problemas que aí se apresentam não encontrarão verdadeira solução fora do Evangelho, fora de um autêntico equilíbrio entre liberdade e verdade. Nessa perspectiva, uma vasta gama de questões – velhas e novas – constitui o objeto do ensino social católico: a ambiental, aquela concernente à inteligência artificial, a familiar, entre outras tantas.

Detenho-me, brevemente, ainda sobre uma delas: a proteção à vida humana, desde a concepção até a morte natural. Neste campo, são provocantes, por vezes, avassaladoras mesmo, as discussões acerca do respeito devido à vida humana nascente. No debate travado entre Joseph Ratzinger – então Prefeito da Congregação Para a Doutrina da Fé – e o filósofo italiano Paolo Flores D’arcais, a posição da Igreja era defendida pelo primeiro com as seguintes palavras: “se é uma pessoa humana, tem grande dignidade – falava do nascituro – então, é intocável”(faço aqui uma citação livre da fala do grande teólogo e Papa, incluída no livro “Deus Existe?”, que nos reporta aquela memorável discussão filosófica). Realmente, aqui, porque se toca em “uma questão que mexe com a coerência interna da nossa mensagem sobre o valor da pessoa humana, não se deve esperar que a Igreja altere a sua posição” (Papa Francisco, EG n. 214)”.

Trabalho humano e vida nascente. Dois temas que, para alguns, podem parecer distantes, quando, na verdade, não o são. A instrução Dignitas Personae explicita a íntima correlação entre ambos: “Como, há um século, era a classe operária a ser oprimida nos seus direitos fundamentais, e a Igreja com grande coragem a defendeu, proclamando os sacrossantos direitos da pessoa do trabalhador, assim agora, quando uma outra categoria de pessoas é oprimida no direito fundamental da vida, a Igreja sente o dever de, com a mesma coragem, dar voz a quem não a tem. O seu é sempre o grito evangélico em defesa dos pobres do mundo, de quantos são ameaçados, desprezados e oprimidos nos seus direitos humanos”.

Na semana em que celebramos os apóstolos S. Pedro e S. Paulo, a imagem de uma Igreja que se dá as mãos e não esquece dos que mais necessitam da palavra e do cuidado – dos pobres, segundo a perspectiva abrangente do magistério social – é uma referência positiva, para pensarmos as soluções de problemas complexos num mundo de experiências disruptivas, de coisas novas. Não que se excluam diferenças legítimas na interpretação e no trato da realidade, ainda que à luz de uma mesma matriz principiológica. Mas, que tudo se faça sem ameaçar a unidade

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.

OS LEIGOS NO MAGISTÉRIO DO PAPA FRANCISCO

É comum, na linguagem corrente, o uso do termo leigo, para fazer referência a alguém
desprovido de conhecimentos sobre alguma coisa. Alguém que ignora um determinado assunto. É o
que diz o dicionarista, é o que diz o povo. Aliás, quanto a isso, há uma narrativa pitoresca do Padre
Antônio José de Almeida. Enquanto se dirigia a um certo encontro, numa certa igreja, indagou o
padre a uma senhora sobre o local em que acontecia uma palestra para leigos. E a resposta veio:
“leigos em quê?”. A pergunta se tornou o título do seu livro. Uma abordagem histórica do lugar do
leigo na Igreja.

Como toda a história, esse capítulo particular também é complexo e marcado por
ambiguidades. Desde a conhecida definição negativa de Tertuliano, no século III, pela qual o termo
leigo designava alguém que não recebera o sacramento da ordem, e das restrições que então
incidiram sobre os ministérios laicos, até os milhares de leigos e leigas, homens e mulheres de
Deus, que, de muitas maneiras, contribuíram para a missão da Igreja no mundo.

O fato é que o Concílio Vaticano II revitalizou a compreensão da identidade e da missão
dos leigos. Sobretudo, as Constituições Lumen gentium e Gaudium et spes o fizeram. Mais do que
distingui-los pelo fato de não terem recebido a ordem sacra, o Concílio sublinhou que os leigos são
fiéis, incorporados a Cristo pelo batismo, constituídos integrantes do povo de Deus, participantes da
função sacerdotal, profética e real de Cristo, chamados a exercer, na parte que lhes toca, a missão do
povo de Deus na Igreja e no mundo (LG 31), e a imprimir, mediante as atividades seculares que lhe
são próprias, a lei divina na cidade terrestre (GS 43). Pois bem. Só à luz do evento extraordinário de
graça que foi o Concílio Vaticano II é que se pode compreender o magistério do Papa Francisco
acerca dos leigos.

Já nos primeiros anos do seu pontificado, em 2015, na oportunidade da comemoração dos
50 anos da Apostolicam actuositatem – decreto conciliar sobre o apostolado dos leigos – o Papa
Francisco destacava que a Gaudium et spes e a Lumen gentium consideraram os fiéis leigos dentro
de uma visão de conjunto do povo de Deus, ao qual pertencem em união com os membros da ordem
sagrada e com os religiosos. A partir desta comunhão, relevava o Santo Padre, os leigos têm um
papel próprio a desempenhar na atuação missionária da Igreja, à medida que esta não se encontra,
em absoluto, reservada a alguns “profissionais da missão”. São chamados não apenas à animação
cristã das realidades temporais, mas também às obras explícitas de evangelização, voltadas ao
anúncio e à santificação da humanidade.

Estas duas linhas voltaram sempre a aparecer no magistério do Papa, nas oportunidades em
que ele se pôs a ensinar sobre a vocação própria do leigo na comunidade cristã e no mundo:
comunhão, que, podemos dizer, expressa-se numa dinâmica de sinodalidade, e missionariedade, que
corresponde àquele paradigma eclesial proposto no início do pontificado de Francisco, aliás, com
palavras marcantes: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os
costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal
proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação (E.G. 27)”.

Semelhante perspectiva parece ter atingido um ponto alto no dia 18.02.2023, em discurso
proferido para os membros de congresso promovido pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a
Vida. Naquela ocasião, o Papa afirmou que a estrada que Deus está a apontar à Igreja é a de viver,
mais intensa e concretamente, a comunhão, caminhar juntos, qual um povo unido em missão. A
sinodalidade, disse Francisco, encontra a sua fonte e finalidade última na missão. E ressaltou que,
nos momentos de grande renovação e zelo missionário da história da Igreja, encontraram-se juntos
os pastores e os fiéis leigos, como membros deste único povo que evangeliza. A partir daí,
esclareceu que a exigência de valorizar os leigos não deriva de uma novidade teológica qualquer,
nem de exigências funcionais, decorrentes da diminuição das vocações sacerdotais, menos ainda de
reivindicações de categoria. Pelo contrário, baseia-se numa visão correta da Igreja, da qual fazem
parte, a pleno título, os leigos, conjuntamente com os ministros ordenados. Equivale a uma
“eclesiologia integral”, tal como a dos primeiros séculos, segundo a qual, no único povo de Deus, o
elemento fundamental é a pertença a Cristo, a comunhão sobrenatural com Ele e com os irmãos.
Assim, mais do que não-clérigo ou não-religioso, o leigo é um batizado, e o batismo é o sacramento
que abre todas as portas. Somos batizados, cristãos, discípulos de Jesus, o resto é secundário,
sublinhou o Papa. Não se trata aí, obviamente, de obscurecer o sacramento da ordem – aliás, na 72ª
semana Litúrgica Nacional da Itália, o Sumo Pontífice alertou que não acontecesse este malentendido. Trata-se sim de colocar a ênfase na unidade.

À medida que entendemos bem este ensinamento, podemos fazer coro com o Papa
Francisco: nem clericalizar o leigo, nem fazê-lo hóspede em sua própria casa, esclareça-se, na
Igreja. Os leigos são chamados principalmente a viver a sua missão nas realidades seculares, onde
estão imersos dia a dia. Isso, porém, não exclui as capacidades, os carismas e as competências de
que são dotados esses homens e mulheres, habilidades que podem contribuir para a vida da Igreja:
na animação litúrgica, na catequese e na formação, nas estruturas de governo, na administração dos
bens, no planejamento e implementação dos programas pastorais.

Em suma, eis a palavra de ordem do Papa Francisco: leigos e pastores juntos na Igreja,
leigos e pastores juntos no mundo. Dessa maneira, a obra de evangelização, embora sempre
desafiadora, não apenas renderá bons frutos, mas será certamente mais alegre.

José de Oliveira Costa Filho, leigo casado, cofundador e formador da Associação de Direito Diocesano Comunidade Católica Nova Berith
Cursa teologia pelo Centro de Estudos Teológicos do Seminário Arquidiocesano da Paraíba
Graduado em ciências sociais e jurídicas pela UFPB
Especialista em teoria e filosofia do direito Pela PUC-Minas
Master em direito comparado das Religiões, pelo instituto Direcom, FTL, Lugano, Suíça.
Doutorando em ciências jurídicas privatísticas pela Universidade do Minho.