Igreja e povos indígenas: evangelização na Paróquia São Miguel

Na cidade de Baía da Traição, litoral norte da Paraíba, está sediada a Paróquia de São Miguel. Datada de 28 de novembro de 1762, esta paróquia foi criada com um único intuito: ser assistência ao povo potiguara. Já se passaram 259 anos desde o início dessa trajetória e hoje é possível registrar uma caminhada de paz, evangelização, resistência, parceria e aprendizado mútuo.

A Paróquia de São Miguel assiste atualmente a 32 aldeias, distribuídas entre os municípios de Baía da Traição, Rio tinto e Marcação. Os esforços para a manutenção dos costumes, da cultura e das tradições são vistos em tudo, inclusive na religiosidade deste povo, que é majoritariamente católico. “É uma alegria e de uma riqueza enorme estar inserido nesse contexto de evangelização”, relata Pe. Vamberg Soares, administrador paroquial que atua em São Miguem desde 2018.

“É um impacto. Precisei reaprender tudo o que eu conhecia de realidade de evangelização para poder entrar na realidade do povo potiguara. Eu aprendi com eles para poder passar o que eu sabia, numa troca muito bonita que me abriu os horizontes, os olhos. O povo potiguara é um povo de muita força e também de muita fé. Eu sou abençoado por ter essa oportunidade de evangelização no meu sacerdócio”, conta o Pe. Vamberg. “Preciso entender, compreender para poder me comunicar e, assim, evangelizar. Não é uma imposição, mas um diálogo para que eles vivam o presente sem perder a própria identidade”.

Segundo o último senso do IBGE e também dados da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a população potiguara nessa região é estimada em cerca de 10.800 habitantes. A imensa maioria professa a fé católica, mas há também os que estão nas igrejas evangélicas e também nas religiões de matriz africada. Há uma mistura mas todos se respeitam e convivem muito bem. “Nas nossas comunidades há todas as atividades pastorais tradicionais, serviços como ECC (Encontro de Casais com Cristo), pastoral da criança, do batismo, da crisma… e vale destacar também a devoção mariana, que é muito forte. O terço é sempre rezado nas comunidades e as festas do mês de maio são muito bonitas e tradicionais”, lembra Pe. Vamberg.

Onde há população indígena, a Igreja também se faz presente através do CIMI – Conselho Missionário Indigenista, órgão ligado à CNBB estruturado em 11 regionais, distribuídos pelo país, e um Secretariado Nacional em Brasília. Cada regional tem uma estrutura básica que dá apoio, orienta e coordena o trabalho das equipes nas áreas indígenas. O Cimi conta com aproximadamente 171 missionários e missionárias, compondo equipes de área localizadas em várias regiões do país. São leigos e religiosos cuja presença solidária, comprometida e inculturada é testemunho da fé na utopia pascal.

Na Paróquia de São Miguel, a missionária leiga Glória atua desde 2018 e explica como funciona o Conselho. “A atuação do CIMI consiste em ser presença solidária da Igreja junto às tribos para trabalhamos a partir das demandas que eles nos trazem. Nosso trabalho é como assessoria para os povos nas questões dos direitos ao território, demarcação da terra, saúde, cidadania”, explica a missionária. “A questão da terra é a principal para que eles tenham seus territórios demarcados e, dessa forma, possam viver conforme seus costumes. É isso: oferecemos assistência jurídica, antropológica e formação política com acesso à informação legal”.

Uma das lideranças do povo potiguara é o Cacique Sandro. Ele relata com alegria sobre a presença da Igreja no território potiguara. “O CIMI é fundamental para nós. Na nossa luta, nas nossas batalhas, o Conselho está sempre conosco, nos orientando, nos dando o suporte para absolutamente tudo. Nessa pandemia foi o CIMI quem estendeu a mão para as nossas comunidades e brigou por nós”, relata. O cacique ainda desabafa sobre as situações enfrentadas pelos povos indígenas em todo país. “Nós somos os donos do Brasil e não vamos admitir que retirem nossos direitos. O mínimo que queremos é respeito. No mais, é nosso direito à terra e nosso direito de ser indígena e viver nossos costumes, nossas tradições. Por isso valorizamos tanto o trabalho da Igreja aqui com a gente e agradecemos a presença amiga do Padre Berg, que sempre nos respeitou, procurou nos entender e trouxe seus ensinamentos sem nunca passar por cima da gente”.

O Cacique fala também com orgulho sobre a manutenção da tradição potiguara nas comunidades. “Fazemos esse trabalho de resgate dos nossos costumes, da nossa língua para que nossa história não se apague e que a gente sobreviva, resista. O povo potiguara é ordeiro e só quer o direito de existir e resistir. Com a Igreja temos avançado muito, pois ela nos respeita e fortalece a nossa cultura e nossa tradição. É diferente do que já aconteceu no passado, que pra nós, ficou pra trás. Os nossos santos padroeiros são vestidos com nossos cocares, nossas roupas e isso pra nós é uma alegria muito grande”.

Em março de 2019 o Arcebispo da Paraíba, Dom Manoel Delson, esteve na Paróquia de São Miguel para uma Visita Pastoral. Foram 4 dias convivendo com as comunidades, visitando as aldeias, as casas, conhecendo a realidade local. “Foi uma experiência enriquecedora! Comer sua comida, ouvir suas histórias, dançar a toré, rezar com eles… cada passo, cada detalhe me marcou profundamente. O povo potiguara é forte, é sábio, intenso! A vivência religiosa deles é de uma simplicidade e uma riqueza que impressionam, acolhem! Saí de lá deixando a minha bênção e trazendo saudade no coração. Espero voltar em breve”, diz Dom Delson.

Padre Vamberg finaliza: “a Igreja com o povo indígena é tranquila, não há mais feridas que impeçam essa aproximação. É gratificante como padre estar inserido e aprender com eles, viver como um deles e poder ser esse pastor que vê sinais do amor de Deus no cuidado mútuo que vivenciamos aqui”.

_____________________________

VAMOS DE PODCAST?

O Cacique Sandro, Padre Vamberg e a missionária Glória conversaram com Roberval Borba para o Podcast Diálogos. Ouça mais detalhes dessa história tão bonita da Paróquia de São Miguel e do povo potiguara. A professora de história da Paraíba, Ana Leal, também participou do podcast, que tá imperdível.

Ouça agora na sua plataforma preferida: