Estamos avançando no tempo da quaresma. A Igreja nos convida, por meio de sua liturgia, a celebrar o terceiro domingo quaresmal. Um tempo penitencial em que somos motivados, interiormente, a nos colocar diante da graça transformadora do Senhor.
Ao longo da caminhada penitencial, somos como o povo da Bíblia, que reclama no deserto da vida por falta de água. Revoltamo-nos contra o Senhor. Caímos até na loucura momentânea de questionar a presença de Deus em nossas vidas: “O Senhor está ou não no meio de nós?”(Ex 17,7). Mas, afinal, qual a real raiz de nossas queixas contra o Senhor? No geral, confrontamos a Deus por causas de nossas necessidades e expectativas, meramente humanas. Achamos que Deus precisa estar a reboque de nossas vontades.
São muitas as situações em que a nossa experiência de fé se manifesta frágil, a nossa confiança vacilante e a nossa religiosidade contaminada por motivações mágicas.
A Igreja, com voz maternal e forte, neste tempo quaresmal, nos convida a percorrer um deserto de conversão; um caminho desértico que vai exigir que suportemos a carência de água no caminhar, algumas vezes. Como corresponder, até mesmo quando não entendemos os caminhos do Senhor? O Salmo da Missa desse terceiro domingo da quaresma nos oferece uma pista: “Não torneis duros os vossos corações como em Meriba, como no dia de Massa, no deserto, quando vossos pais me provocaram, provaram-me e me puderam ver nas minhas ações” (Sl 94,8-9). O caminho quaresmal é essencialmente marcado pela mudança de vida. Não há como prosseguir no caminho da fé sem a real mudança de nossas vidas. Do contrário, nos prenderemos às murmurações e estagnaremos na vida.
Na passagem do Evangelho do encontro de Jesus com a samaritana no poço de Jacó, o simbolismo da água vem mais uma vez à tona. A samaritana vai ao poço, como de costume, e encontra Jesus sentado ao lado. Jesus está cansado da viagem. Era meio-dia. Jesus, como um judeu, não poderia ter se dirigido em diálogo àquela mulher, mas o faz. Jesus tem sede e pede água à mulher. A sede de Jesus não se remetia à sede física, mas a sede presente na existência de todo peregrino que prossegue no deserto da vida. Nosso Senhor estava falando de uma água que jorra para a vida eterna.
A sede de Jesus não se esgota somente naquele encontro com a samaritana, mas manifesta-se na altura da sua cruz: “Tenho sede” (Jo 19,28). Todo o apostolado salvador de Jesus objetivou tornar-se solidário às queixas da nossa vida interior. Ele deixa-se batizar nas águas do Jordão para santificar as águas do nosso batismo; Ele deixa-se ser tentado no deserto pelo diabo para que nós pudéssemos vencer o pecado e a morte. No caminhar de Jesus na terra dos homens, há uma solidariedade salvadora. Ele assume a nossa condição fraca para nos salvar.
A sede de Jesus, na verdade, é a sede que atravessa a história de toda a humanidade. “A sede de Cristo é uma porta de acesso ao Mistério de Deus, que se fez sedento para nos aplacar a sede, assim como se fez pobre para nos enriquecer (cf. 2Cor 8,9). Sim, Deus tem sede da nossa fé e do nosso amor” (Papa Bento XVI). Na insatisfação do coração da samaritana encontra-se a insatisfação de cada um de cada homem e mulher que, apesar dos muitos pecados, não se cansam de ir até o poço que jorra a água da vida eterna. A samaritana repetia, de forma resignada, aquele trajeto todos os dias. Quantas vezes também, nós, buscamos frequentemente os sacramentos. Às vezes até buscamos os sacramentos de maneira mecânica. Mas, neste tempo quaresmal, o encontro com o Cristo que faz jorrar a água da vida eterna não pode ser mais o mesmo. Precisamos tomar consciência que o caminho da fé que trilhamos tem as suas gravidades. Deus tem sede da fé verdadeira que brota do coração arrependido. E é por isso, que Ele não se cansa de nos oferecer meios de conversão.
Que a Virgem Maria, a Mãe do Messias Salvador, nos ajude a nunca nos esquecer do caminho da fé. E que a grandeza da sua fé de Mãe e discípula de Cristo seja um amparo constante no deserto de nossas vidas.