A nossa “submissão” ao tempo, como uma espécie de reitor das relações humanas, dos encontros e desencontros de nosso cotidiano, é sublimada, em parte, por esse findar do calendário gregoriano onde o desejo de ver renovadas as energias surge como algo impulsionador, a ponto de movimentar mensagens pessoais e eletrônicas, fazendo chegar, por exemplo, àqueles a quem vemos todos os dias, porém, por razões nem sempre justificadas, sequer ofertamos um bom dia.
A contingência humana prega em nós uma rotina que, se não for complementada por outros espaços de conversas e risadas, pode tornar o viver um fardo. Nessa perspectiva, o tempo, que com seu tradicional final de ano parece moldar a nossa existência, vai passando largamente. Em questão de minutos, deixamos no passado algo que acabamos de fazer. Nesse sentido, a proximidade e a solidificação da cultura da esperança deveriam permear minimamente o nosso cotidiano, deixando de lado, quem sabe, o esforço de uma aproximação momentânea, evitando que os abraços e mensagens fiquem, apenas, para o mês de dezembro, pois elas podem ser tardias; aliás, é bem provável que os destinatários nem estejam mais nesse espaço de poeira cósmica e o tempo que reservamos já não faça efeito.
Aliás, como dizia Neruda (1904-1973) “o tempo é resoluto, não faz soar o sino, cresce e caminha dentro de nós”. Em termos mais práticos, significa que a utilização do tempo em favor do bem, numa dinâmica de transformações despercebidas, como as que vivemos hoje, pode ser um antídoto à indiferença, considerando que esta última tem se tornado muito presente, inclusive nas relações pastorais, o que é um perigo. É bom não esquecermos que a promoção do Reino de Deus passa, também, por gestos de proximidade. Na verdade, somos chamados a não deixar no passado os que devem permanecer na lembrança e proximidade cotidiana, sob pena de sermos cobrados, a posteriori, pela dona consciência.
Aos mais pessimistas ou menos humanistas, há quem ache a cultura da proximidade e da esperança um compadrio com a ilusão ou mesmo uma falsidade. No entanto, devemos mirar outra perspectiva, pois a exigência de mudança é urgente. No âmbito da proximidade e do fazer solidário, Freire (2014) apontava para um requisito fundamental, qual seja, o fato de que somos sujeitos e protagonistas da esperança e da fraternidade, o que significa deixar de lado a cultura da objetificação. Em síntese, a conclamação do educador pernambucano é atual, também, para as fileiras cristãs e calha ao apelo de que, por sermos um só corpo, somos impelidos a manter a tecitura social e cristã em boa sintonia.
É necessário arejar as nossas relações, em vista de uma esperança cotidiana, fruto de uma quase libertação de nós mesmos. Aliás, libertar é algo inerente à vida cristã, pois é “para a liberdade, que Cristo nos libertou.” É nessa livre perspectiva que vamos significando o final do ano, a passagem do tempo e a proximidade entre nós. A proximidade e a esperança, portanto, não serão estéreis se forem acrescidas ao diálogo como uma “exigência existencial” capaz de moldar a erva daninha do orgulho que insiste em fazer morada dentro de nós. Se “Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus” automaticamente somos chamados a eliminar as fraturas da distância, como alude o Papa Francisco, na Fratelli Tutti (2020), dando visibilidade a uma fraternidade e amizade humana e social.
São utópicas tais ponderações trazidas acima? É desnecessário lembrar tais princípios? Pensamos que não. Pelo contrário, é urgentíssimo trazer essa pauta para os espaços da vida cristã; aliás, para os espaços humanos em si. É um dever moral ressignificar o final de ano e a falta de esperança, com vistas a olhar para o alto e tornar e fazer gerar “processos de encontro, processos que possam construir um povo capaz de recolher as diferenças.” Portanto, o ano chega ao final; mas, ainda podemos dar sentido ao tempo, ainda há como aproximar o que ficou distante, ainda é possível manter a esperança.
Diácono Ringson Monteiro de Toledo
Advogado, Bacharel em Direito, Licenciado em Filosofia, Teologia, Mestre em Educação, Especialista em Doutrina Social da Igreja, Especialista em Direito Civil, Processo Civil e Consumidor.