José Nunes
A MÍSTICA DOS ANTIGOS TEMPLOS.
Entro na Igreja da Misericórdia como quem busca o recolhimento em um templo antigo para a renovação da alma que busca arrependimento e perdão.
Os velhos templos religiosos, mais do que os de edificação recente, que são amparados na visão da modernidade, recolhem a mística da igreja reunida para a vivência da fé.
A Misericórdia é uma das quatro igrejas mais antigas da Paraíba. Construída em pedra calcárea esculpida pela mão dos tabajaras e potiguaras, sob a inspiração de jesuítas que trouxeram a visão da fé para o mundo novo que se descortinava, ajuda a observar o Deus invisível, que se revela na alma e transforma a rudeza do homem e da mulher.
Desde antes, como hoje, a presença do Divino no mundo povoado de gestos que transformam pessoas em fera, como canta o poeta, fera cada vez mais violenta em atitudes, chega como sinal fundamental de transformação dos corações. Então a pessoa, mesmo entupida pelas vozes agourentas e carnívoras circulantes ao redor, modelada pela brutalidade de bichos-do-mato, quando chega a um templo religioso, ainda mais nos antigos, pode ser transformada pela paisagem do seu ambiente.
Eu sinto essa transformação interior quando entrou em uma igreja, sobretudo nas mais antigas, de grossas paredes esculpidas por mãos puras, como são as que foram erguidas pelos nossos irmãos indígenas e caboclos.
Se Jesus falou de que o templo invisível de nossa alma seria edificado em três dias, antecipando a sua ressureição após a crucificação no madeiro, com o passar dos tempos a Igreja, iluminada pela força do Espírito Santo, percebeu que a imponência do visível aos olhos muito ajudaria na construção do templo da alma.
Suponho que na antiguidade a construção de belas igrejas teve como intuito se tornar o lugar onde o povo pudesse se reunir para renovação espiritual de forma coletiva e, assim, aprender a conviver em sociedade baseada na caridade.
Quando flutuamos pelas veredas da vida, semelhantes a barcos que flutuam em águas agitadas por ventos incertos, nas catedrais antigas encontramos ancoradouro para reflexão.
Nas pedras calcáreas da Misericórdia está a presença do homem criado a semelhança de Deus. Lugar para onde convergem todos os necessitados, os que buscam um recanto para seu recolhimento, quando outras portas se fecham. Neste lugar santo se acalmam todas tempestades da alma. O Deus invisível apazigua as tormentas.
Os conjuntos arquitetônicos, sobretudo os mais antigos, comovem com seus esplendores, e silenciosos, nos falam de Deus.
Se foram construídos para ostentar o poder econômico-social, transformaram-se em lugares reservados para acolhida dos cansados e angustiados. É quando o belo da Arte se manifesta como alimento espiritual.
Imagino quanto fervor sente o homem ou a mulher ao contemplar as abadias medievais e os mosteiros antigos onde há uma relação próxima destes lugares com Deus, terra e céu se unindo no mesmo olhar. Ambiente de silêncio, onde se busca e se encontra a unidade na oração.
Estas Igrejas cristãs primitivas, bizantinas e medievais, foram construídas como verdadeiras obras de Arte, de doutrinação dos fiéis.
Como não sou de muitas andanças, ao contrário do poeta Germano Romero que percorreu os mais destacados lugares do Velho Mundo para captar suas belezas e sua energia, caminho pelos arredores de nossa paisagem que os europeus trouxeram há quinhentos anos, observando com irrevelável sentimento os conjuntos arquitetônicos São Francisco, São Bento e Igreja do Carmo, mas é na Misericórdia, a igreja mais humanizada da Paraíba, onde permaneço calado durante horas. Para ali correm os degredados, os esquecidos e esfomeados que a cidade abandonou, para receberem a acolhida e se aquecerem na chama invisível que nunca se apagar.
José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.
JESUS, DIÁCONO
Jesus é diácono por excelência, foi o primeiro a servir em plenitude aos que dele se aproximavam. Desde os primeiros momentos quando apresentava o Reino de Deus como essencial na vida das pessoas, no sentido de exercitar a koinonia cristã em sua perfeição. Na comunidade de seguidores, constituiu-se no primeiro diácono. A instituição da Eucaristia, a Crucificação e a Ressureição marcam gestos de suprema diaconia. Ele, servidor, abraçou com fervor o projeto de Pai.
A diaconia de Jesus se concretiza, plenamente, na Cruz, de onde brotaram os caminhos da Salvação, tornando-nos participante de sua vida.
O objetivo da diaconia de Jesus é a humanidade, sobretudo com olhar para os pobres, porque Ele é o Servo por excelência. Cristo é servidor da unidade. E diácono da ternura. Uma ternura que repercute até os dias atuais, eternizada em gestos e atitude de seguidores espalhados por todo o Universo.
Servo da solidariedade, bom samaritano, Jesus colocou sua vida a serviço dos homens, não hesitou lavar os pés, servir e cear com os Apóstolos (Mc 14, 22-24; Lc 22,17-20; Mc 10,43-45; Mt 10-24). A cada celebração da Eucaristia é repetido o gesto para cada um de nós, no Pão e no Vinho partilhados sua presença e sua energia que nos impulsionam e alimentam.
Pão partilhado, vidas renovadas. Renovadas na esperança e na crença no pedaço de pão e no gole de vinho purificados. Vidas conduzidas pela fé.
O diácono dos tempos passados e de hoje quando olha para Jesus, supremo diácono, é convocado a levar a mensagem deste a todos os recantos. Um serviço executado pela fé, na esperança com caridade, porque, como Ele disse, quem faz isso “é a mim que o fazei”.
Revela o Papa Francisco em momento de inspiração, se o diácono deseja seguir a Jesus, deve plenamente imitá-lo. Ser humilde de coração e compreensivo em relação ao povo, além de saber preservar a fé, guardar o que lhe foi confiado, evitar conversas frívolas (1Tm 6,20), estar disponível a escutar o povo.
O belo é um ideal difícil de ser conquistado. Sendo o mais belo personagem da História da humanidade, Jesus deu beleza estética na ternura do diácono.
Assim como Jesus, que foi diácono no silêncio, sejamos nós, diáconos, os olhos da Igreja para não esqueça os pobres, sobretudo os oprimidos.
O poeta Jorge Luís Borges afirmou em um de seu livro que todo o presente é verdadeiro e que “Deus, de Quem recebemos o mundo, recebe de Suas mãos criaturas do mundo”.
Meditando sobre este pensamento do poeta argentino que perdeu a visão para melhor ver com os olhos do coração, cheguei a uma conclusão de que devemos trabalhar as criaturas para revolver a Deus em estágio de compreensão do mistério da vida e da morte, da Eucaristia e da Ressureição.
Fiquei a pensar que o homem é capaz de desenhar o mundo, e ao longo do tempo povoar os espaços com obras e ações capazes de contribuir para melhorar a vida das pessoas, seja das cidades ou das montanhas. A missão é a mesma.
Somente podemos dar aos irmãos aquilo que captamos do coração e revelamos pelas palavras, o que não é menos íntimo, a ser útil no hoje e no amanhã. “Só podemos dar o amor, do qual todas as coisas são símbolos”, afirmou o Borges, em julho de 1968.
José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.
A IGREJA E O LIVRO
A leitura é o caminho para as conquistas pessoais e espirituais.
Partindo do princípio de que a Igreja deve estar ao lado do povo, ouvindo seus anseios e reunindo todos para caminhar irmanados, partilhando alegrias e ansiedades, esta deve fazer com que o livro chegue às mãos de crianças e adultos, porque é uma das primícias de elevado conteúdo para atingir elevado valor humano.
O hábito da leitura não deve ser apenas estimulado na escola, o que nem sempre acontece com a ênfase desejada, mas é em casa onde tudo começa. Como também na comunidade onde as pessoas de reúnem.
Justamente nesse ponto é que deveria entrar a participação da Igreja, com o estímulo às famílias para o hábito da leitura, inclusive começando pelas crianças. Ajudar acessar o livro, instalar bibliotecas em suas dependências e promover campanhas educativas nessa direção. Não basta salvar as almas, é preciso salvar vida. A cultura, a educação, a poesia salvam vidas.
Como poderia acontecer isso. Bastante simples. Começando na catequese com crianças, quando estas entram em contato com os preceitos da Igreja e da Religião. Pelo menos assim imagino. Na conversa com os pais, no diálogo com as crianças, o livro seja um instrumento presente. Todos esses momentos, suponho, são oportunos para estimular ao acesso à leitura.
Como isso será ministrado, não vejo tanta dificuldade, afinal, todos trabalham com o manuseio da palavra. A palavra oral e escrita. Então, como parte dos ensinamentos propostos como formação do catequizando, oferecer condições para exercitar a leitura seria um caminho para se criar amor ao livro, o gosto pela leitura.
Todos sabemos que pela leitura é possível se descobrir valores humanos, verdadeiros tesouros guardados no coração das crianças, dos jovens e dos adultos. Em muitos casos, precisam de oportunidades para expor talentos.
Nossa Igreja tem bom material de apoio às crianças quando se trata de oferecer aprendizado básico com sobre religião, princípios éticos e morais, que mostra como deve se comportar um cristão.
Imagino um dia em que nos salões paroquiais existiam bibliotecas com livros de todos os gêneros, abertas às mentes e corações. As mãos que purificam o vinho e o pão transformando o livro em alimento para o espírito, ajudando a transformar vidas humanas e pessoas em verdadeiros santuários do Espírito Santo.
E do conhecimento de que a Igreja, desde os tempos da concepção da prensa por Gutemberg – que permitiu imprimir textos -, foram adotadas práticas de repulsa a certas obras literárias. Obras somente eram publicadas após aprovação de um bispo que concedia o selo de imprimatur (“seja impresso”).
Para ficar no campo da ficção literária, cito apenas obras de Victor Hugo, escritor francês que teve as obras Os Miseráveis e O Corcunda de Notre-Dame censuradas pela Igreja.
O livro Os Miseráveis aponta o governo como opressor e a adversidade da sociedade. Já O Corcunda de Notre-Dame o autor mostra o desfigurado Quasímodo sendo avaliado pela aparência física. As obras eram consideradas sensuais e porque apontavam a diferença social da época.
Outro francês, Alexandre Dumas, também tinha suas obras censuradas, como O Conde de Monte Cristo, cujas personagens se envolvem em suicídio, adultério e consumo de haxixe.
Se aconteceu isso no passado, bem recente Leonardo Boff teve seu livro Igreja: Crisma e Poder, por defender a teoria da libertação, foi igualmente censurado, passando a viver “um silêncio obsequioso”.
Sem esquecer a história, passemos a estimular a leitura. A Igreja pode contribuir de maneira significativa nesse ponto.
José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.
DE MÃOS ESTENDIDAS.
Há uma passagem bíblica que faz referência à riqueza e ao desapego do luxo. “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”. Lembro disso quando há silêncio no momento em que se completaram os 50 anos da morte de Padre José Coutinho, nosso maior benfeitor de todos os tempos, à semelhança de Padre José Maria Ibiapina, no século 19. Um padre que pedia esmolas para alimentar os pobres.
Em escaldante dia de sol de novembro, o fundador do Instituto São José e do Hospital Padre Zé, em cadeira de rodas, sob o guarda-sol, o suor do rosto umedecendo a toalhinha, a batina preta cobrindo as pernas inchadas enquanto pedia esmolas, como fazia há décadas, passou mal e foi levado às pressas ao hospital, onde faleceria dois dias depois.
Nascido em família católica, com tios padres, influentes na Igreja da Paraíba no final do século 19, a história de Padre Zé Coutinho é pontilhada de incomparável desejo de servir, cuja base foi edificada na infância quando seus pais, donos de muitas terras, se constituíram benfeitores na região de Esperança, Pocinhos e Serraria. Seguir o caminho do sacerdócio foi uma decisão tomada na adolescência, logo acolhida por todos.
Ordenado padre em 1920, não perseguiu cargos na Igreja, mas se aproximou de quem poderia ajudar a minimizar a situação de penúria das famílias residentes nas periferias da Capital, onde a pobreza mendigava. Foi quando muitos pobres passaram a olhar uma luz distante no horizonte.
Cedo ele procurou forrar-se de virtudes teologais e ensinamentos filosóficos para compreender as paisagens humanas construídas tendo como base fé cristã. Se não tinha sede de conhecer certos conceitos da religião, era um homem culto que abraçou a causa dos pobres baseado na sabedoria da Palavra de Jesus, por isso edificou fecundo trabalho em favor dos excluídos.
Parece que ouvia a assertiva do Mestre: “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”. Assim procedeu, pois, quando recebeu herança de seu padrinho e de familiares, sendo uma fazenda em Pocinhos e engenho em Serraria, vendeu-os para repartir com os necessitados, pois investiu tudo no Instituto São José e na modesta casa de acolhida, para amenizar a dor de agonizantes. Igualmente, aconteceu com a fazenda no bairro de Mandacaru, doada pela senhora Iaiá Paiva, permitindo que famílias ocupassem e construíssem suas casas.
Em sua trajetória de vida religiosa, não desviou o olhar da pobreza, não praticou gesto desgastante para a Igreja. No entanto, elevou gestos bondosos para dignificar a vida dos desprezados pelas autoridades governamentais. Ele foi um interlocutor para retirar do encurvamento social, de prostração e da inabilidade muitos que estavam em situação de exclusão.
Quando aportei nesta cidade em 1971, conheci este padre que percorria os salões de festa e postava-se às portas dos cinemas para pedir esmolas, sempre com retumbante “meu prezado, não esqueça de ajudar aos meus pobres”, enquanto tocava ao ombro de alguém com a vareta de sucupira.
Conheço pessoas que à época, jovens, empurraram sua cadeira de rodas. Convivi com pessoas que estiveram sob seu teto, receberam ensinamentos que nunca deveriam esquecer. O jornalista Nathanael Alves, o deputado Antônio Medeiros, o procurador do Estado Manoel Raposo, o desembargador Simeão Cananéa e tantos outros que acho razoável não citar mais para não cometer injustiça, o que seria imperdoável, comeram os pirões do padre.
Quando acometido pelos males do corpo, o padre apresentava cansaço, sem condição de manter a residência, jovens médicos dão as mãos para transformar a antiga Casa do Padre em local habitável, relanceando olhar ao crepúsculo acolhedor de antes. A sociedade assumiu o projeto caritativo de elevado sentido, e depois, passou a ser comandado durante anos por uma comissão integrada por membros do Encontro de Casais com Cristo, da Basílica-Catedral Nossa Senhora das Neves.
Padre José Coutinho nunca falou com jactância de seu espólio caritativo, mas revelava-se no pequeníssimo conforto que trouxe para muitos desvalidos. A todos boamente se dedicava sem em nada pedir em troca.
Sabia ser tarefa árdua manter o empreendimento à custa de doações porque era pouca a subvenção do Estado. Nunca esmoreceu diante do infortuno de não ter o que comer nem remédio para curar feridas dos desvalidos. Mas Deus infundiu nele esperança e perseverança.
O Instituto São José, fundado em 1935, e, com muito esforço, em 1965, a Casa do Padre foi transformada em hospital, legado pelo o qual sempre dedicou sua vida porque entendia como cumulação de Deus, apenas sendo sócio benemérito e fiel depositário, sem querer glória.
Meu livro “De mãos estendidas”, sobre este padre que amava os pobres, chegou a terceira edição graças ao apoio do seu sobrinho, desembargador Júlio Aurélio Coutinho, cuja renda foi revertida para o Hospital Padre Zé.
José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.
PADRE IBIAPINA ABRAÇOU OS POBRES.
Convidado a ocupar este espaço de inestimável valor, devo somente abordar temas relevantes à vida da Igreja, socializando palavras que construam uma sociedade de paz. Assim desejo. Mudará se o momento exigir uma opinião, mas sempre tendo como base a Palavra de Deus. Deverei me prender aos assuntos gerais das atividades pastorais e às abordagens lúdicas para expor uma reflexão, mesmo que não seja definitiva.
A corte doutrinária da religião, os caminhos da Igreja e as indicações similares, deixo para os mestres no assunto, que ocuparão outros espaços nesta página em dias alternados da semana, pois, mais do que eu, são versados em estudos teológicos. Me alimento da Poesia e da Música inspiradas na Palavra dos Profetas, porque procede de Deus.
Para os temas teológicos e tomadas de posições da Igreja, outros colaboradores certamente apresentarão ideias e apontarão pontos de vista, mesmo não sendo os derradeiros, nem os mais eloquentes. No entanto, no meu caso, serão opiniões de quem se debruça no estudo das Letras e do pensamento cristão, olha a vida com poesia e admira as artes. Reservarei o espaço a pequenos comentários de rodapé de página. Tentaremos abordar o fatual, a notícia que ganha dimensão quando analisada à luz do Evangelho, sempre buscando o ponto de vista menos crítico ou opinativo, e mais informativo.
Neste primeiro encontro com os possíveis leitores, lembramos dos 30 anos da abertura do processo de Canonização do Servo de Deus Padre Ibiapina, idealizado pelo inesquecível Dom Marcelo Carvalheira, quando bispo da Diocese de Guarabira, no ano de 1992. Foi um dia memorável, presenciado pelos que estiveram no Santuário Santa Fé, onde existem, na parte mais antiga do lugar, a Casa de Caridade, Memorial, Capela e o Túmulo do Apóstolo do Nordeste, e bem na frente, a poucos metros, o anfiteatro onde são celebradas as datas comemorativas.
O padre-mestre Ibiapina, que completou 170 anos de sua ordenação, foi, ao seu tempo e continua nos tempos atuais, exemplo para todos os que abraçam o sacerdócio, porque aponta caminhos da missão como ponto central de quem deseja servir, tendo como base os ensinamentos de Jesus.
Nos 140 anos de sua morte (ele faleceu em 1883), que foram lembrados no dia 19 de fevereiro, percebe-se que a presença de Ibiapina é ainda mais constante entre os fiéis nordestinos, e pouco entre o clero, mesmo que outros dois grandes nomes tenham surgido no meio do caminho – Padre Cícero Romão e Frei Damião de Bozzano -, ambos com forte apelo popular.
Ibiapina, que viveu em uma área crítica do Nordeste, em época de desolação por causa da brutalidade humana, da seca e da fome, por sua vez, trabalhava como missionário a acalentar o sofrimento de um povo gerado entre os espinhos do mandacaru, na terra esturricada e na poeira das estradas quando os meios de transportes eram nos lombos de animais ou carro de bois.
O modo como este Servo de Deus atuou, desde logo, chamava a atenção. Ele agiu com o compromisso de construir uma sociedade da partilha e da concórdia. Uma sociedade menos injusta, como a Palavra de Deus ajuda a erguer.
Depois que abandonou sua atividade de advogado, de magistrado e de parlamentar ao tempo do Império, ele foi ordenado padre aos 43 anos e, a partir daí, embrenhou-se pelos Sertões do Nordeste para falar de uma nova maneira de lutar pela sobrevivência. Com um novo modo de pregar o Evangelho e de acolher os desassistidos, esteve junto às famílias, uniu as pessoas que estavam separadas, construiu um ambiente de amor. Com seus gestos da não-violência e do exercício da partilha, Ibiapina trouxe uma nova forma de convivência entre os brutalizados pela miséria.
Ele foi um homem místico, silencioso, que andava pelas caatingas e brejos fazendo o bem, acolhendo órfãos. Com suas mãos de ternura acolhia famílias desoladas. Ibiapina foi um padre dos pobres, que abraçou os pobres.
Por muito tempo o clero não entendeu o papel missionário de Ibiapina. E ainda necessita beber na fonte de sua experiência missionária, que viveu no semiárido atingido pelas secas e pela violência climática e desumana.
Enquanto estava vivo, ele impunha um prestígio pessoal para construir suas casas de caridade e manter a sua obra de assistência às pessoas desassistidas, mas depois tudo isso desapareceu, porque bispos e padres, principalmente estes, não entenderam seu modo de colocar em prática o que está nos Evangelhos. Somente quase um século depois, seu papel começou a ser revisto. Dom Marcelo deu importante passo no sentido que a obra e a vida de Padre Ibiapina fossem revistas. A este vieram se juntar Dom José Maria Pires, Padre José Comblin, Padre José Floren, Padre Francisco Sadoc de Araujo, Padre Ernando Teixeira de Carvalho, Padre Gaspar Rafael Nunes da Costa e outros, que passaram a estudar a sua vida e tentar resgatar a sua obra missionária. O que tem sido muito importante para se redescobrir este missionário nordestino.
Muito me alegrou falar, hoje, deste servo bom e caridoso que a Paraíba acolheu, que a Igreja não descobriu em sua plenitude. Que o padre-mestre Ibiapina nos ilumine a seguir seus passos e imitá-lo.
Precisamos estudar sua história. Padre Ibiapina sempre será um modelo de padre para o futuro da Igreja, mesmo que, à sua época, tenha sido um missionário solitário.
José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.