Diácono José Nunes. Samaritanos coletivos

José Nunes

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ao final da 61ª Assembleia Geral ocorrida em Aparecida entre os dias 10 a 19 de abril, divulgou mensagem ao povo brasileiro apontando questões que exigem tomadas de posições e requer reflexões sensatas.

É uma nota da grande importância porque tem o crivo dos bispos brasileiros representados por uma Instituição que sempre teve voz ativa nos momentos mais gritantes na vida do povo brasileiro. Desde os primeiros momentos, a voz de Dom Helder Câmara era trovão em favor da vida. Assim como foram outras vozes em momentos diferentes, durante a ditadura militar e depois, como bons pastores, atentos para a agonia do povo. Em muitas ocasiões, fizeram ecoar o grito em favor dos oprimidos.
Em determinados momentos na vida do Brasil, a partir de sua instituição, a CNBB foi ouvida em temas de relevância para a reconstrução da democracia. Mesmo incompreendida em certas ocasiões, não arredou pé de servir e estar ao lado do povo.

Mais do que nunca, agora, suponho, é imprescindível que a Igreja faça ecoar o grito de libertação, sem repetir gestos passados, mas tirando lições para ajudar a construir vida sem panela vazia. Mesmo sabendo que em qualquer imponderabilidade se vive e em qualquer cana se dorme, muitos depositam esperanças na Palavra de Deus que a Igreja faz ressoar. Sejamos profetas imitadores do Bom-Pastor, sem discurso enigmático.
O documento da CNBB merece ser estudado e refletido com profundidade porque aborda importantes temas, principalmente apontando caminhos.

Vamos destacar alguns pontos do documento, citando quando invoca a unidade dos três poderes da República para “viver o que preconiza a Constituição”. Independência e harmonia são fundamentais para os avanços que a sociedade almeja.
Acreditamos que a Igreja deve buscar com toda inteligência, a consolidação da “sociedade do diálogo”, a busca incessante da paz. Essa paz que Jesus nos oferece: “Eu vos dou a minha paz”.

Acreditamos que é nesse sentido que a CNBB deseja a paz mundial, a paz em nosso País. Sabemos que economias sobrevivem com as guerras, mesmo sem poupar inocentes. Levantando sua voz em favor das causas do Brasil, o documento dos bispos expõe a preocupação da Igreja: “Acompanhamos com dor o crescimento do crime, das milícias, do narcotráfico, da violência nas cidades e no campo, do bullying, do vandalismo, do racismo, do feminicídio, do tráfego humano e da exploração sexual de crianças e adolescentes e vulneráveis”.

A realidade dos migrantes, do povo em situação de rua e da população encarcerada, tudo, mas tudo mesmo, são desafios apontados pelos epíscopos brasileiros. Estes nos reclamam tomadas de atitudes. Lembrando o profeta Isaias (32,17), afirmam os bispos: “Necessitamos construir a paz que nas da justiça”.
Em mensagem direta às autoridades constituídas, os bispos apontam que o Brasil necessita priorizar o trabalho, o bem-estar humano, junto com a geração de emprego e renda, sempre com o olhar para os jovens.
Somos chamados a refletir cada palavra dos bispos, usar as ferramentas que dispomos para agir solidariamente em favor dos necessitados, de modo que tenhamos “um país humanizado, politicamente humanizado, politicamente democrático, socialmente justos e ecologicamente sustentável”.

A questão climática, tão em voga desde a ECO-Rio, em 1992, continua a reclamar maior atenção. A Igreja, novamente, volta sua voz para essa questão, uma sangria que pequenos curativos não resolvem. Também volta sua voz para a questão dos povos das florestas e ribeirinhos.
Como uma revelação de compromisso, vejamos este trecho da Nota da CNBB: “Essa Conferência poderá ser uma oportunidade de mostrar o compromisso dos governos com a obra da Criação e a responsabilidade das mulheres e dos homens como cuidadores de tudo o que Deus criou e lhes confiou”.
Aplausos! Não devemos somente mostrar as feridas, mas cobrar soluções. Ser a voz dos que têm a voz abafada.
A consciência cívica deve estar a serviço dos mais profundos interesses do povo, é outro ponto destacado na mensagem. Uma recomendação: nunca abdicar da participação política.
Os extremismos e a intolerância causam um grande mal. Como também “a liberdade de expressão não pode estar a serviço da divisão social”.

Acredito no poder da Palavra. As palavras dos nossos bispos sejam um eco em favor das causas do pobre, o povo que Jesus tanto amava e defendia, como um bom-pastor.
Os bispos que assinaram esta Carta me fazem lembrar do termo usado pelo Papa Francisco, no seu último – Vida A minha história através da História -, quando fala de pessoas que participam de manifestações pela não violência, intervindo em favor da dignidade de seres humanos, aos quais chamou de “samaritanos coletivos”.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

A AROEIRA DA IGREJA

A Carta em que Pero Vaz de Caminha registrou as paisagens da nova terra que passou a ser habitada pelos portugueses, contém o registro de que “em si plantando, tudo dá”. O repórter do Reino de Portugal se mostrou admirado com a imponência da mata atlântica encontrada, com a fertilidade do chão, com árvores de muito valor comercial, com o majestoso panorama observado do cume de algum rochedo.

Se estivesse aportado em nossa Paraíba, ele teria visto que na terra dos potiguaras e tabajaras brotavam regos de água clara, rios que possuíam croas de areia onde nasciam matinhos, capim, aroeira da praia, e nas águas cristalinas cresciam peixinhos, caranguejos nos mangues sadios, e siris provavam as beiras molhas onde indígenas a beiradear pelo Rio Sanhauá, recolhiam o que comer.

Em dias do mês passado, lentos em nosso caminhar pelos estreitos espaços das ruas Duque de Caxias e Peregrino de Carvalho, Gonzaga Rodrigues e eu, ficamos abismados e tristonhos com a situação do prédio religioso que é um dos símbolos da época colonial e do outro, de construção de início do século XX, mas que hoje representa a burguesia decadente da Capital paraibana.

A sede social do antigo Clube Cabo Branco, onde os barões do café, do agave e da cana, junto com os apaniguados do governo, posavam suas opulências financeiras que as heranças permitiam exibir, revelava o atual descaso para com este prédio repleto de histórias.

Olhávamos para o espaço que espelhou uma longa fase do poderio econômico e social, agora perdido no tempo e esquecido na memória da cidade, e uns passos mais adiante, a Igreja da Misericórdia, imponente e histórica nos chamou a atenção. Gonzaga recordou o tempo da Igreja da Misericórdia quando nossa Colônia ainda dava os primeiros passos, já nascendo imponente.
Observou que no frontispício do templo religioso nasceu uma aroeira da praia. Antes que apontasse descaso por parte da administração da Igreja em relação àquele prédio, revelei quanto a nossa terra é fértil e que, mesmo entre os tijolos, a caliça faz brotar plantas.

Passados alguns dias, retornei ao lugar, observei que a administração do templo de orações havia retirado a aroeira que trincava a centenária parede da Igreja. O monsenhor Ednaldo Araújo, o novo administrador, zeloso com as coisas históricas da Igreja, confirmou que, quando assumiu a Igreja da Misericórdia, de imediato buscou cuidar de pequenos detalhes, entre os quais, retirar a aroeira da praia que se revelava danosa à paisagem do monumento religioso.
Quanto é importante, ao gestor público, o cuidado dos monumentos que respiram nossa história, seja a história de lutas políticas e sociais, seja a história da espiritualidade cristã, presente entre nós com vitalidade desde quando os portugueses se apoderaram de nossas terras.

Enviando a Gonzaga foto em que mostra a Igreja sem a presença da aroeira, este cronista-poeta se revelou agradecido.

Faço o registro como agradecimento pela sensibilidade de quem cuida, com incontido apreço e cuidado, de um dos nossos mais belos monumentos religiosos, marco de uma época de nossa história. Como também para registrar a preocupação daquele que tem sido o cronista que mais observa os recantos desta cidade.

A história da Paraíba é revelada na densidade dos seus monumentos religiosos, sendo os maiores o São Francisco, o Mosteiro de São Bento, o Convento dos Jesuítas e as Igrejas do Carmo e da Misericórdia, para nós os primeiros Caminhos da Fé da Paraíba, desde quando os portugueses colocaram os pés na região.

A Paraíba tem terra fértil, mesmo que quinhentos anos depois esteja maltratada. O solo deve ser bem cuidado para oferecer os frutos que ajudam na nossa sobrevivência e nos proporcionam ganhos com a renda do que fazem brotar.

Sempre presenciamos que entre tijolos e pedras das ruas nascem plantas, brotam flores e arbustos que, se vistos hoje por Caminha, este certamente escreveria ainda mais empolgado em relação aos cinco imponentes prédios do período Colonial, mas certamente exporia a vegetação como sendo degradada.

Será que o repórter português apresentaria o mundo de hoje com injustiças, exploração e destruição do meio ambiente como sinais visíveis de um mundo perdido em atitudes anti-humanas?

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

LAVAR AS MÃOS

Em continuidade às colocações do professor Milton Marques Júnior sobre o sentido da Páscoa, publicadas neste espaço na semana passada, senti de bom alvitre trazer este texto que se seguiu tão logo suas opiniões chegaram ao público.
Na resposta ao leitor que comentou o “lavar as mãos” pronunciado por Pilatos, na cena da condenação de Jesus, Milton Marques nos deu uma bonita e importante explicação. Explicação de quem estuda e medita os fatos narrados nos Evangelhos.
Achei por demais pertinente a sua publicação, feita com sua autorização.
Eis o texto:


“Permita-me dizer, meu caro Damião, que o “lavar as mãos” de Pilatos não consiste em ato de covardia ou desistir de alguma coisa. É preciso ver a ação dentro do contexto cultural dos romanos da época. Lavar as mãos, em água corrente, sobretudo, é um ato de purificação. Pilatos purifica-se diante dos seus deuses, com a água lustral, própria é expiação dos miasmas, o lues, com relação ao que ele acha uma impiedade, novamente no sentido latino do termo, não no sentido que atribuímos hoje. O ato de lavar as mãos significa que a mancha, o miasma deveria recair sobre aqueles que escolheram a condenação de um inocente, não sobre ele, romano, que temia as ações que pudessem despertar a ira dos seus deuses.
Por outro lado, há sempre uma incoerência, quando atribuímos a Judas, a Caifás, a Pilatos, à multidão, a condenação de Jesus e a sua crucificação. Não há culpados, há instrumentos, tendo em vista que Jesus é que escolheu a sua missão. Ele, que já existia como espírito perfeito, antes mesmo da criação do mundo, escolheu com o Pai dar o exemplo mais dolorido, para que entendêssemos que só progredimos com o que parece ser um sofrimento sem consequências. E quando agimos com determinação e consciência, como Jesus agiu, o sofrimento é a expressão do Amor maior, como foi o dele”.
O Professor Milton Marques Júnior, Doutor em Letras Clássicas e Vernáculas da UFPB, tradutor e um dos maiores especialistas brasileiros na Língua Latina e da Língua Grega. Integra a Academia Paraibana de Letras. Escreveu Dicionários da Eneida, de Virgílio e publicou diversos livros.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

PASCOA É TRASFORMAÇÃO

A vez do Mestre
Hoje, de modo especial, cedo meu espaço nesta página para o Professor Doutor em Letras Clássicas Milton Marques Júnior, tradutor e um dos maiores especialistas brasileiros na Língua Latina e da Língua Grega. Ele integra a Academia Paraibana de Letras.
Páscoa é transformação

Milton Marques Junior

Páscoa é passagem. Nada sei de hebraico, mas o dicionário judaico me ensina que o termo pessach se refere à comemoração dos judeus pela libertação do Egito e o seu êxodo, a passagem pelo deserto, de que deverá resultar uma transformação. Páscoa é, portanto, não só passagem, mas sobretudo transformação.
A paixão de Jesus Cristo se dá no momento da Páscoa judaica, originando, assim, a Páscoa cristã, uma passagem com o intuito de nos proporcionar a oportunidade de transformação pelo Amor, a essência da sua pregação.

Agora que estamos no período pascal, lembremos que a Páscoa cristã, cuja celebração se instaura aqui, no hemisfério norte, a partir do Concílio de Nicéia (325), é festa que sempre acontece acompanhada de mudanças físicas: o equinócio da primavera, que ocorreu no último dia 20 de março, e da Lua cheia, no último dia 25. Neste dia 31 de março, o Domingo de Páscoa, acontecerá mais uma mudança, com o estabelecimento do horário de verão. Os relógios serão adiantados em uma hora, tendo em vista, por razões astronômicas, uma predominância da luz solar, em relação às sombras noturnas.

Tudo leva à transformação, de que a primavera, o principal motor, não é a outra coisa senão a transformação da Natureza morta em nova Natureza viva. Passagem, mudança, transformação, morte que se torna vida, eis o que significa Páscoa, com os seus sentidos translatos, para além da etimologia de que não discordo, tendo em vista que ela nos dá a natureza verdadeira da palavra.

Às transformações físicas devem vir acompanhadas da transformação espiritual, que não pode ocorrer sem uma preparação para a aceitação das suas consequências. Nada se transforma ou se muda sem que ocorram obstáculos nos forçando à mudança. Cristo é a prova disso. Há quem só tenha entendido o sofrimento da morte dolorosa de Cristo e perpetue esta ideia, sem ter aprendido o seu significado. Mudança e Sofrimento são irmãos xifópagos, não há como separá-los. Torna-se, portanto, necessário a cada um, se quiser mudar, carregar o seu sofrimento e cuidar para aprender com ele. Nesse processo de preparação para a passagem, mais do que a casca, precisamos nos livrar do que temos entranhado, impedindo que nos vejamos e aos nossos semelhantes.

A preparação requer a comunhão e a humildade, simbolizados na Santa Ceia e no lava-pés. Esclareça-se que não precisamos, realmente, de lavar os pés de ninguém, mas precisamos ter a humildade no trato com os nossos semelhantes, vendo-os como iguais aos quais podemos servir, quando a oportunidade se nos apresentar. Além da comunhão, fenômeno que ratifica a minha identificação com o outro e no outro, e da humildade, a preparação exige coragem para o enfrentamento que a mudança reclama. Cristo morre e ressuscita, para mostrar que a morte é apenas uma passagem, ele que veio da espiritualidade para a vida física e retornou à espiritualidade.

Não precisamos morrer a morte física, para dar início à nossa Páscoa particular. A reflexão pode ser um instrumento eficaz para que comecemos a matar a nossa velha maneira de ser, ressuscitando ainda em vida, na irmanação que o Amor pode proporcionar, mas isto não se fará sem sofrimento. A consciência de que todo o itinerário de Cristo na Terra, além da sua inquestionável verdade divina, pode ser visto como uma simbologia, deverá nos guiar a uma aprendizagem inicial e a novos retornos, para mais aprendizagem, até que não necessitemos mais morrer fisicamente, porque, então, seremos espíritos, vivendo na Luz e no Amor Crístico. Reflitamos e busquemos a transformação. É o sofrimento do renascer que nos trará a paz de espírito, e não haverá paz externa, enquanto não a encontrarmos dentro de nós.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

DOM MARCELO ENTRE ORAÇÃO E AÇÃO

Depois de cinco anos sepultado no mausoléu dos arcebispos na Catedral-Basílica Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa, os restos mortais de Dom Marcelo Pinto Carvalheira, 5ª arcebispo da Paraíba (1995-2004), são transladados para a Catedral de Nossa Senhora da Luz, em Guarabira, onde foi o primeiro bispo (1981-1985). Anteriormente, ele havia sido bispo-auxiliar da Arquidiocese da Paraíba (1975-1981), atuando na região polarizada por aquela cidade do Brejo paraibano.

Seu lema era sintetizado na palavra “Evangelizar”, escolhido quando foi ordenado padre, no dia 28 de fevereiro de 1953, em Roma, que passou a ser o ponto central de toda a sua vida de pastor. Sagrado bispo, em 27/12/1975, repetiu com fervor a mesma intenção de continuar a evangelizar como o Bom Pastor ensinou. Novamente, tempos depois, reproduziu esta palavra quando assumiu a Arquidiocese da Paraíba.

No período em que foi ordenado padre e depois sagrado bispo, Dom Marcelo fez surgir os frutos da Palavra de Deus onde foi chamado a atuar. Entre a oração e a ação, mostrou como a pessoa é capaz de anunciar e viver as bem-aventuranças em sua plenitude.

Natural da cidade do Recife (PE), onde nasceu no dia 1º de maio de 1928, filho de Maria Tereza Mendonça e Álvaro Pinto Carvalheira, cedo demonstrou interesse pelo sacerdócio. Foi estudar na Universidade Gregoriana, em Roma, onde, em 1953 é ordenado padre. Voltou para sua terra, onde exerceu as funções de presbítero. Com a chegada de Dom Helder Câmara à Arquidiocese de Recife e Olinda (1964), atuou com mais afinco nas questões pastorais, sobretudo as sociais, e junto à juventude, ao tempo em que coordenava o seminário de formação de novos presbíteros.

O governo militar (1964-1985), sem conseguir emudecer Dom Helder Câmara, perseguiu seus auxiliares mais próximos. Trabalhando diretamente com o arcebispo de Recife e Olinda, foi preso quando participava de um seminário de estudos em São Leopoldo (RS), juntamente com outros padres, entre os quais, o dominicano Frei Beto, acusado de estar no Rio Grande do Sul planejando ações de mobilização popular para derrubar o governo. Passou 51 dias preso, mas nada encontraram contra ele.

Na prisão, mesmo diante da tensão e dos intermináveis interrogatórios, não perdeu a serenidade. Animava os outros presos e, em certas ocasiões, celebrava missa entre eles com os objetos que tinham, de modo que a Palavra de Deus os motivasse a persistir em suas convicções.

No ano de 1975, ordenado bispo-auxiliar de Dom José Maria Pires, foi atuar na área pastoral de Guarabira, com a finalidade de que, em breve, seria transformada em diocese, o que realmente aconteceu em 1980, sendo nomeado seu primeiro bispo, cuja posse se deu no ano seguinte, onde permaneceu até sua ascensão a arcebispo metropolitano da Paraíba, com a renúncia de Dom José Maria Pires.

Nas terras do Brejo 

Ao chegar à Paraíba, como bispo-auxiliar de Dom José Maria Pires, deparou-se com um quadro aterrador, principalmente no campo, onde as fontes de trabalho se reduziam devido a um programa governamental de estímulo à pecuária. A mão de obra nos engenhos, que vivia sistema de semiescravidão, tornou-se ainda mais escassa, levando famílias às pontas das ruas. O modo usado pelos donos das terras para se livrar desses trabalhadores era espúrio e deprimente. Nada o intimidou. Sentia a manifestação de fé nas pessoas. Tratou bem os governantes e ricaços, mas sem sujeição. A mão que os cumprimentava era a mesma que erguia na defesa dos oprimidos.

Costumava dizer que, ao chegar à Paraíba, encontrou o “povo crucificado” e era forte a presença da “civilização da pobreza”.

Bispo que ouvia com benevolência e carinho os irmãos que dele se aproximavam. Era como se Jesus falasse com ele na pessoa do irmão sofrido.

Padre forjado nos gestos de Dom Helder Câmara, encantado pela beleza do Evangelho e afinado com as pessoas no convívio da comunidade de fé, Dom Marcelo decidiu recriar entre os homens uma nova Arca da Aliança, porque não se recusou a enfrentar a opressão, mesmo com o sacrifício da liberdade e da vida.

Sua chegada e permanência em Guarabira foi passo decisivo para fomentar a conscientização política e social da população da região, pois reanimou a todos com sua palavra. Apoiou grupos de trabalho que encontrou e os que surgiram, tais como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Centro de Orientação dos Direitos Humanos (CODM), Serviço de Educação Popular (SEDUP), Programa Comunitário de Educação Popular (PROCEP), Associação das Viúvas, inclusive aquelas cujos maridos foram assassinados durante a repressão policial, Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Movimento de Adolescentes e Crianças (MAC), Fraternidade Cristã dos Docentes e Deficientes (FCD), movimentos como Encontro de Casais com Cristo, Renovação Carismática, Focolare e vários outros grupos pastorais que ajudaram a organizar o povo. Tudo era novidade na região onde atuava.

Durante sua trajetória de bispo, não esmoreceu diante das agonias, fazia de sua ação evangelizadora um testemunho. Em tudo colocou o tempero do amor. Em tudo amava e servia em abundância e no limite de suas forças.

Por quase trinta anos como bispo nas terras da Paraíba, abriu largos horizontes para acolher quem se aproximasse dele, buscou consolo, ergueu os caídos, incentivou a fé com a Palavra de Jesus onde tudo desmoronava, acalmou o ódio entre famílias.

Sua palavra acalmava, contaminava todos, mesmo os mais exaltados. Ficaram famosas as tapinhas carinhosas como cumprimentava quando alguém estava agitado perto dele, ou tocando levemente o rosto das pessoas.

Dom Marcelo foi, a exemplo de outros bispos de sua época, um pastor que tinha sempre a mão estendida aos necessitados, trazendo presentes as bem-aventuranças de Jesus.  

No período quando o governo se ausentou da defesa de pessoas que eram dizimadas por milícia armada, ele combateu os infortúnios do povo mergulhado no desespero. Contra a tirania, lutou em proporções estupendas, dando lições de altivez em favor da vida. Sua voz era trovão a estrondar pelos arrabaldes das serras da região onde atuava. Comovia-se vendo a população que mendigava, a esta nunca faltou o abraço terno.

Seu olhar harmonizava os ambientes turvos, quando a lei dos homens imputava opressão, arrastando cordilheiras abaixo seres desprovidos de acesso aos seus direitos. Na Paraíba, em muitos lugares, ainda flamulam seus gestos meticulosos que agitaram mentes e corações na busca de um mundo de paz.

Seu abraço tinha largueza porque continha ternura, amor abnegado e uma forte fé cristã. Nele a fé se agigantava, o plano divino se completava. Quando se recolhia para a oração vespertina, no silêncio da cela ou no oratório da natureza, fazia seu contato supremo com a vida. Em Guarabira construiu um eremitério afastado da cidade; quando esteve na capital, em sua casa fez construir espaço onde pudesse observar a imensidão verde do Rio Sanhauá.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

AS CHUVAS DE MARÇO

Durante os dias que antecederam a passagem do ano novo, ocorreram chuvas em muitas partes da Paraíba e, suponho, trouxeram alento e esperança para muita gente.
Lugares onde a chuva tem o costume de passar longe, como Cabeceiras e Arara, também tiveram um bom índice pluviométrico, levando em conta os padrões aos quais estamos acostumados.
Observando as chuvas ocorridas em janeiro, veranicos salvadores, recordei uma bonita passagem do romance “Fogo Morto”, de José Lins do Rego, descrita com suavidade poética, das muitas que nos deixou, contendo a alma do povo em quadro de ternura.
“ – Vai ter chuva, comadre, o céu parece um leirão.
– São os carneiros de Deus, comadre, no céu.”
Neste diálogo encontramos elementos sociológicos, de alto nível psicológico e de valor estético da linguagem que representam o sentimento do homem do campo, que está agarrado à terra. Um tantinho de chuva fecunda a nossa alegria. Basta uma florzinha na beira da estrada para que nosso mundo se transforme em coisa boa.
Os sinais de chuvas observados no final de ano apontaram esperanças no homem do campo. Fizeram-me lembrar de meu tempo de caboclo do mato quando acompanhava meu pai com suas experiências climáticas.
Como o panorama ambiental mudou bastante nestas cinco décadas, desde quando no sítio fazíamos os experimentos de previsão de chuva, dificilmente os prognósticos saiam como previstos. Sabe-se que o desmatamento é responsável pela redução das chuvas, que no semiárido se agravou ainda mais.
Com o corte de tantas árvores, as tardes ficaram compridas, tristes, parece até que o vento do Litoral passa desembestado pelo Brejo, corta as cordilheiras da Serra da Borborema, em busca do Cariri até chegar ao Sertão.
O questionamento é sobre o que vem sendo feito para recuperar as áreas degradas no Nordeste, com regiões inteiras destruídas ao golpe da foice. O desmatamento foi patrocinado pelo poder público nos anos 1960, principalmente quando incentivou a pecuária e a expansão da cana de açúcar em áreas apropriadas para outras culturas e atividades.
Olhando a vastidão do Sertão e do Brejo até chegar ao Litoral, sem os pés de paus como outrora, sentimos desgosto. Sem as árvores, as chuvas se encantam. O homem tem que estar misturado com a natureza para entendê-la. Nunca assassinar a paisagem, mas amá-la e fazê-la procriar. Somente assim ele poderá sobreviver.
Os sinais de chuva que presenciamos nos dias posteriores ao Natal, que também aconteceram agora em março, são prognósticos de mais chuva.
Confiamos nas chuvas do Dia de São José para a confirmação de ano bom de inverno. Nunca falham.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

O CONVENTO E SEUS MISTÉRIOS.

Há mais de trinta anos Firmo Justino, jornalista que entrou para a Magistratura da Paraíba, retornando às paisagens do Convento São Francisco, numa crônica antológica, disse que foi satisfatório passear pelo maravilhoso conjunto arquitetônico barroco, e convidou a todos para visitar aquele lugar. Mesmo que fosse uma única vez, narrava, quem olhasse para as velhas paredes carregadas de histórias, as imponentes capelas ornamentadas com belas pinturas e imagens, como também observasse as peças sacras de incomum beleza, além do horto que exala o perfume silvestre, dali sairia com o desejo de retornar.

Na época da visita do meu amigo, o convento tinha sido restaurado, estava ainda mais imponente e carregava, como ainda mantém, o encantamento do magnífico conjunto arquitetônico barroco. Quem passear por seus longos corredores de largas paredes, pisar no assoalho de madeira dura e olhar as peças ornamentais que a mão humana moldou, silencia e escuta a quietude do lugar.

Se eu fosse rei ou imperador, assim como nas estórias que ouvia no tempo de criança no nosso sítio, em Serraria, recomendaria aos professores a levar seus alunos a este maravilhoso local, onde estão guardadas muitas histórias que ajudam a entender o passado da Paraíba, porque falam como um livro aberto.

Para amar o lugar onde nascemos, é por demais importante conhecer sua história, sabiamente profetizava Nathanael Alves.

Estive pela primeira vez no São Francisco, em 1979. Foi quando, por inspiração de Dom José Maria Pires, o poeta Waldemar José Solha e o maestro José Kaplan montaram a “Cantata pra Alagamar”, apresentada numa noite que me deixou abismado pela aclamação ao espetáculo e pela imponência do conjunto arquitetônico onde o evento aconteceu.

Então, após as revelações de Firmo Justino, levei minha filha Angélica para conhecer aquela inconfundível obra de arte. Grande foi sua admiração, apesar dos nove anos de idade. Pouco indagava, mas o semblante e os olhos arregalados davam pistas de seu encantamento ao contemplar detalhes dos corredores, as grossas paredes e as imagens pintadas no teto das capelas.

Todas as vezes que volto àquele lugar, vagueio na imaginação colhendo remotas imagens e histórias que os livros abordam, desde a fixação das pedras sobre pedras, conduzidas por muque humano até chegar a imponente edificação que conhecemos. Entre as paredes, o silêncio de Deus se manifesta em nós.

Em cada recanto observava-se misterioso silêncio. O vento entrando pelos janelões, espalhando-se pelos móveis antigos, caminha ao nosso lado durante o passeio pelas celas, extensos corredores e o horto florestal recebe a todos com seu frescor.

Meu amigo tinha razão quando nos convidou a visitar o convento franciscano, e olhar por dentro a fabulosa obra de arte que eles deixaram.

O prédio com a torre apontando para o céu, o cruzeiro que nos recebe à entrada e seus arredores, tudo espalham emoções. Essas imagens carregamos pelo resto da vida.

– Não é uma beleza?…

A menina respondeu com aceno da cabeça, e curtas palavras que tento relembrar.

Quase três décadas depois, a filha conduziu meu neto Bernardo para igual visita, vivendo semelhante deslumbramento.

O convento franciscano continua com seus mistérios, criando emoções aos que ali se dirigem, mesmo em tenra idade ou que tantas vezes tenha estado no lugar.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

NO CAMINHO DE JERICÓ.

No caminho para o Sertão, já nas proximidades do limite da Paraíba com o Rio Grande do Norte, nos deparamos com um bonito lugar, fascinante e acolhedor.

Na cidade de Jericó, homônima da antiga Jericó bíblica, me deu vontade de ficar ali por mais tempo, esperar manhãs para colher o sol ao surgir por detrás de colinas, e no entardecer, recolher paisagens como mensagens espirituais.

Observando a paisagem de Jericó, recordei Serraria, inspiração maior, onde nasci e cultivei sonhos. Firmei compromisso de retornar ao lugar para olhar a arte da Natureza espalhada pela região.

         Gosto de andar pela Paraíba. Conheço diferentes lugares, escuto pessoas, converso sobre a vida que levam. Isso me ajuda na montagem de alfarrábios e alimentam sonhos de escritor. Jericó é a cidade paraibana que poucas vezes visitei.

         A profissão de repórter me proporcionou apreciar lugares, inesquecíveis. Citaria muitos desses recantos extremamente encantadores, mas fico com esta cidade encravada nas proximidades de Catolé do Rocha. Em outro extremo da Paraíba, lugar mítico é Serraria, no Brejo, que erradia emoção quando andamos por suas ladeiras e observamos córregos de água cristalina nas vazantes, onde o vento açoita os cabelos das mulheres como se fosse as folhas palmeiras espalhadas pelos canaviais.

         Mas voltemos a falar de Jericó. Lugar exótico, de vegetação não diferente das existentes em léguas ao redor. Há algo naquela região me agarrou. Busquei identificar, sem sucesso. Pensei ter sido a suavidade da brisa no final da tarde.

Naquele dia, ao entardecer, observei pelas encostas pequeno rebanho de gado obediente ao aboio do menino. As vacas, os bezerros e as novilhas seguiam o touro rufião, no rumo da voz de comando do pequeno vaqueiro. 

         Mais do que impressionar, Jericó trouxe lembranças do sítio onde vivi minha infância, quando ficava em cima do mourão da porteira ou no pastoreio do gado, chapéu de couro de meu tio vaqueiro na cabeça, com a barbicha dependurada até o peito. Ou quando montava em cavalo-de-pau, esquipava pelo terreiro e capoeiras, repetia o aboio que somente eu escutava e fazia o pastoreio do rebanho imaginário.

         Ao juntar imagens de Jericó, a que mais se fixou na minha mente foi a Capela da Imaculada Conceição, construída no alto de uma serra, nos arredores da cidade. Bela e imponente, presente de empresária, filha da terra.

         A pequena cidade de Jericó teve origem na inspiração do temido Oliveira Ledo, que caiu nas graças dos comandantes da Colônia e, com o aval destes, avançou pelo interior da Paraíba, ocupou terras férteis no regaço dos rios, mesmo que com isso exterminasse grupos de indígenas, escorraçasse habitantes dos lugares por onde passava. O que queria era expandir negócios e criar rebanhos de gado, mesmo com o extermínio de gentes nativa. Escorraçados, indígenas e caboclos se sujeitaram ao cutelo do novo dono das terras. Coube a Capitão José Fernandes da Silva, integrante deste grupo, após receber concessão do Rei de Portugal, nos primeiros anos do século 18, desbravar as terras atualmente pertencentes ao município de Jericó.

         Estes desbravadores chegaram ao lugar depois de ocupar a região de Pombal e descobrir muita riqueza naquelas bandas. Subiram o riacho do Quixó Penoso, que desaguar no Rio Piranhas e desemboca no Rio Grande do Norte, se apoderaram das terras com o intuito de explorar suas riquezas.

         Em 1922, o bando de Lampião esteve no lugar, arrastou tudo encontrado na vila de Jericó. Da troca de tiros em fazendas da redondeza, muito se fala e alguns recordam por ouvi dizer, existe quem tem cartuchos e espoletas recolhidos pelos mais velhos, guardados como relíquias.

         O entardecer, o menino vaqueiro, as histórias do cangaço e a Igreja da Imaculada Conceição, destacando-se no cocuruto da serra e percebida à distância, são imagens que guardo de Jericó.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

A DOR TRAZ GESTO POÉTICO

Em poema antológico, o monge beneditino Marcos Barbosa, da Academia Brasileira de Letras, fala do amor do homem e da mulher quando formam um casal, reproduzem a espécie humana como dom supremo de Deus e enfrenta com serenidade todas as barreiras que se lhe impõe.

Neste mês, em Araruna, um casal completou 75 anos de matrimônio. A data foi celebrada com simplicidade, mesmo grande a alegria de seus familiares.

Já tive oportunidade de testemunhar gesto de amor semelhante, quando casais invocaram benções na celebração de 50 e de 65 anos de casamento.

Um desses momento, o casal vivia momento de dor. Há mais de quinze anos ele estava em estado vegetativo, intercalando os dias entre a cama de um hospital e o leito de sua casa.

Na leitura da Carta de Paulo aos Coríntios ouvimos que Deus é fiel para conosco. Dessa fidelidade vem a força para suportarmos as inquietações, as dores que estão fora no nosso controle e com as quais convivemos.
Tudo o que acontece conosco são do plano de Deus. Ele nos fortalece e alimenta para transpor as barreiras que, não tivesse sua mão, dificilmente daríamos passos para frente.

A maior prova de amor, no dizer Jesus, é doar-se pelo outro. Doação que ultrapassa os limites físicos e do entendimento porque alimentada pela força que brota do encontro com Deus, na pessoa do outro. O que acontece para tanta dedicação e aceitação do outro, sobretudo na dor e no sofrimento, está além de nossos entendimentos porque vem das energias cósmicas que nos governam, que é o próprio Deus.

Somente quem faz o encontro com Deus, no seu silêncio, é capaz de amar e nunca esquecer. Tantas pessoas largam tudo para servir, e servindo fazem esse encontro com Deus. “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, disse Jesus para seus seguidores.

Grande é a arte do amor, como nos ensinou o mestre do Amor. Somente no amor é possível viver 50 ou 75 anos de uma união abençoada no Sacramento do matrimônio. Aprende-se a amar cultivando a arte da contemplação do belo, na paciência, na capacidade de perdoar quem estar ao nosso lado.

Não fosse o amor, dificilmente haveria esperança. Amar é estar à disposição para servir, dedicar-se ao escolhido. Amar é transformar a vida numa primavera, não importando a situação porque o amor tudo supera.

A semente do amor semeada faz a vida brotar em cada semente germinada.

O poeta Ferreira Gullar disse que a dor física é paralisante, não inspira poesia. Não concordo com ele. A doação por quem sofre a dor física é poesia. Na Cruz, o gesto de Jesus foi altruísta, profundo, afetivo e poético. Na sua dor, Cristo produziu solidariedade com gesto poético.

Porque mais sensíveis e mais poéticas, em certas ocasiões, as mulheres portam gestos caritativos mais profundos do que os homens, se dedicam aos outros com fervor.

Nos gestos destes casais temos uma demonstração capital do cumprimento da promessa de estarem juntos ao escolhido em todas as circunstâncias, na alegria e na tristeza, mesmo que a dor do sofrimento exija superação. Tudo é bonito sinal de afeto, construído na fé e no amor ao próximo.

O amor faz a pessoa capaz de conviver com seu amado no leito de hospital, recolhido aos cuidados de Deus pelas mãos de médicos, das cuidadoras e acompanhantes. Amar é servir.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

DE MÃOS ESTENDIDAS.

Há uma passagem bíblica que faz referência à riqueza e ao desapego do luxo. “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”. Lembro disso quando a Igreja silencia no momento em que se completam os 50 anos da morte de Padre José Coutinho, nosso maior benfeitor de todos os tempos, à semelhança de Padre José Maria Ibiapina, no século 19.

Em escaldante dia de sol de novembro, o fundador do Instituto São José e do Hospital Padre Zé, em cadeira de rodas, sob o guarda-sol, o suor do rosto umedecendo a toalhinha, a batina preta cobrindo as pernas inchadas enquanto pedia esmolas, como fazia há décadas, passou mal e foi levado às pressas ao hospital, onde faleceria dois dias depois.

Nascido em família católica, com tios padres, influentes na Igreja da Paraíba no final do século 19, a história de Padre Zé Coutinho é pontilhada de incomparável desejo de servir, cuja base foi edificada na infância quando seus pais, donos muitas terras, se constituíram benfeitores na região de Esperança, Pocinhos e Serraria. Seguir o caminho do sacerdócio foi uma decisão tomada na adolescência, logo acolhida por todos.
Ordenado padre em 1920, não perseguiu cargos na Igreja, mas se aproximou de quem poderia ajudar a minimizar a situação de penúria das famílias residentes nas periferias da Capital, onde a pobreza mendigava. Foi quando muitos pobres passaram a olhar uma luz distante no horizonte.

Cedo ele procurou forrar-se de virtudes teologais e ensinamentos filosóficos para compreender as paisagens humanas construídas tendo como base fé cristã. Se não tinha sede de conhecer certos conceitos da religião, era um homem culto que abraçou a causa dos pobres baseado na sabedoria da Palavra de Jesus, por isso edificou fecundo trabalho em favor dos excluídos.

Parece que ouvia a assertiva do Mestre: “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”. Assim procedeu, pois, quando recebeu herança de seu padrinho e de familiares, sendo uma fazenda em Pocinhos e engenho em Serraria. Vendeu-os para repartir com os necessitados, pois investiu tudo no Instituto São José e na modesta casa de acolhida, para amenizar a dor de agonizantes. Igualmente, aconteceu com a fazenda no bairro de Mandacaru, doada pela senhora Iaiá Paiva, permitindo que famílias ocupassem e construíssem suas casas.

Em sua trajetória de vida religiosa, não desviou o olhar da pobreza, não praticou gesto desgastante para a Igreja. No entanto, elevou gestos bondosos para dignificar a vida dos desprezados pelas autoridades governamentais. Ele foi um interlocutor para retirar do encurvamento social, de prostração e da inabilidade muitos que estavam em situação de exclusão.

Quando aportei nesta cidade em 1971, conheci este padre que percorria os salões de festa e postava-se às portas dos cinemas para pedir esmolas, sempre com retumbante “meu prezado, não esqueça de ajudar aos meus pobres”, enquanto tocava ao ombro de alguém com a vareta de sucupira.

Conheço pessoas que à época, jovens, empurraram sua cadeira de rodas. Convivi com pessoas que estiveram sob seu teto, receberam ensinamentos que nunca deveriam esquecer. O jornalista Natahanael Alves, o deputado Antônio Medeiros, o procurador do Estado Manoel Raposo, o desembargador Simeão Cananéa e tantos outros que acho razoável não cita mais para não cometer injustiça, o que seria imperdoável, comeram os pirões do padre.

Quando acometido pelos males do corpo, o padre apresentava cansaço, sem condição de manter a residência, jovens médicos dão as mãos para transformar a antiga Casa do Padre em local habitável, relanceando olhar ao crepúsculo acolhedor de antes. A sociedade assumiu o projeto caritativo de elevado sentido, e depois, passou a ser comandado durante anos por uma comissão integrada por membros do Encontro de Casais com Cristo, da Basílica-Catedral Nossa Senhora das Neves.

Padre José Coutinho nunca falou com jactância de seu espólio caritativo, mas revelava-se no pequeníssimo conforto que trouxe para muitos desvalidos. A todos boamente se dedicava sem em nada pedir em troca.
Sabia ser tarefa árdua manter o empreendimento à custa de doações porque era pouca a subvenção do Estado. Nunca esmoreceu diante do infortuno de não ter o que comer nem remédio para curar feridas dos desvalidos. Mas Deus infundiu nele esperança e perseverança.

O Instituto São José, fundado em 1935, e, com muito esforço, em 1965, a Casa do Padre foi transformada em hospital, legado pelo o qual sempre dedicou sua vida porque entendia como cumulação de Deus, apenas sendo sócio benemérito e fiel depositário, sem querer glória.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

HÁ QUASE CINCO DÉCADAS.

Uma data que não esqueço. No dia 5 de fevereiro de 1975, publiquei minha primeira crônica no jornal O Norte. Um texto curto. Falava de uma viagem à Serraria, onde amanheci depois de quatro anos de ausência. Um texto telúrico, recheado de saudades.

Para publicá-lo, como fazia em outras oportunidades, Nathanael Alves “passou a vista”. Era um exercício maravilhoso para a aprendizagem. Ele realizava a revisão com paciência, apontava os excessos no emprego dos adjetivos.

Devo muito a esse conterrâneo que me ajudou a construir, passo a passo, a base de minhas leituras. Exercitamos juntos a literatura, a arte de escrever e de estar na convivência com escritores, artistas, pensadores.

Ainda convivi, nas românticas redações de jornais, com repórteres e cronistas que se reuniam, depois de concluída a edição do jornal, fechada a última página, para comentar os acontecimentos do dia.

Ao final da década de 1970, passei a frequentar a redação de O Norte como copiador de telegrama das agências de notícias e, eventualmente, repórter noturno. Participei de grupos que, entre uma cerveja e outra, muitos assuntos comentávamos.

Tomei conhecimento de que Nathanael, Martinho Moreira Franco e Gonzaga Rodrigues discutiam entre si os artigos antes de sua publicação. Eles compunham uma versão mineira dos “quatro cavaleiros do apocalipse”, grupo de Minas Gerais formado por Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pelegrino e Paulo Mendes Campos e que ganhou dimensões sempre lembradas pelas produções literárias de cada um.

O trio paraibano afinou o passo, ou melhor, a escrita, e revelou os caminhos para a crônica como literatura. Cinco décadas depois, Gonzaga mantém o hábito semanal de publicar uma crônica resgatando fatos do cotidiano com a maestria de sempre. Martinho e Nathanael alcançaram outra dimensão. Todos deixaram seu legado na imprensa paraibana, sobretudo como cronistas do cotidiano.

Nos anos de 1980, ainda engatinhando no mundo das letras, recorri aos conselhos de Nathanael. Depois que o vento anunciou sua presença entre as estrelas no firmamento, Gonzaga continuou me dando o compasso da escrita.

Uma frase fora do contexto em recente crônica sobre o beija-flor que fez ninho no pátio da empresa onde trabalho foi motivo para me chamar a atenção. Gonzaga me telefonou apontando o deslize.

Em quase cinco décadas de convivência, aprendi bastante com os três amigos – Nathanael, Martinho e Gonzaga. Eles raramente escreviam uma frase troncha. Com o passar do tempo, amiúde, Gonzaga revelou as raízes da boa forma na elaboração da frase, no uso da palavra correta.

Esses amigos e mestres deram lições que me prepararam para convivência com as palavras, com as artes e com os livros. Com os monges primitivos, aprendi que caminhar purifica os pensamentos e evita usar palavras desconexas ao escrever um texto. É sempre valioso o olhar crítico de alguém, mais precisamente de um estudioso ou de um crítico literário.

Desde os primeiros passos no jornalismo, há pelo menos cinco décadas, os conselhos de Gonzaga vieram se juntar ao que Nathan transmitia. Escrever é buscar, sempre, a magia das palavras para montar o retrato que se deseja.

Dos três, me resta Gonzaga, a quem recorro nas minhas aflições literárias.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

SERVO SILENCIOSO.

No dia 18 de junho de 1967 foi promulgada Carta Apostólica pelo Papa Paulo VI que instituía o Diaconato Permanente, após o seu restauro pelo Concílio Vaticano II, ocorrido em Roma no ano de 1965.

A restauração do diaconato representou uma das tantas novidades suscitadas pelo Concílio como avanços na Igreja que dava sinais de cansaço. Três anos depois dessa carta assinada pelo papa foram ordenados na Paraíba por Dom José Maria Pires os quatro primeiros diáconos casados.

Acreditamos que o diácono existe não porque faltam padres, mas porque é necessário à Igreja. Foi assim na época dos apóstolos e igualmente agora, porque completa a estrutura orgânica sacramental e ministerial das três dimensões: diácono, padre e bispo. O diácono tem sua identidade própria. Assumindo suas atividades, deixa o padre liberado para exercer as funções que somente este pode fazer.

Semelhante ao tempo quando de sua restauração cinquenta anos atrás, as comunidades hoje estão ávidas e sedentas de pastores, pois se sentem sozinhas, com inquietantes provações de toda ordem, espiritual, social e econômica.

Décadas depois este ministério parece contabilizar avanços dentro da Igreja. Cada vez mais dioceses recorrem a homens casados para suprir as necessidades de ministros ordenados nas comunidades, porque os padres já não dão conta de tantos afazeres.

Percebe-se por experiência própria que as comunidades acolhem com solicitude e carinho o diácono, porque veem nele a continuidade da mão estendida do padre para atendê-las em suas necessidades espirituais. Exercitando a dimensão sócio caritativa e a liturgia prevista nas normas da Igreja, é chamado ao serviço da mesa, a cuidar dos pobres, a proclamar a Palavra.

Diariamente também exerce seu ministério de serviço no ambiente de seu trabalho e no mundo onde alguns andam um pouco fora da Igreja, destacando os valores da virtude da caridade e da justiça. Seus gestos devem ser um convite para que as pessoas façam o mesmo.

Apesar de existirem padres que ainda não compreenderam a necessidade e as funções do diácono, esses precisam entender que o diácono é o primeiro colaborador do pároco, está ao seu lado para ajudar nos serviços pastorais na área da paróquia. É um colaborador do bispo e da Igreja, como são os sacerdotes.

O diácono deve fazer com que seu ministério ganhe dimensões louváveis na Igreja a partir da perseverança na oração, na dedicação ao serviço e no uso do seu tempo na missão, mesmo em sacrifício do lazer com a família.

Ser diácono não é uma promoção do leigo, porque esse tem seu papel específico na Igreja, mas se trata de uma contribuição para fazer com que todos tenham uma vida de serenidade. Não é um ministério de poder, mas de serviço, do exercício constante da caridade, porque chamado à vida de simplicidade, de humildade.
Não entendo o diácono ausente do servir e defender pobre, ao estudo da Teologia da Libertação.
Tantas décadas depois, ainda se tem um longo caminho a percorrer, porque existem comunidades isoladas pela falta de pastor. Nesses lugares o diácono deve chegar, como servo silencioso, para ajudar a suscitar uma vida nova.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

COMBLIN, 100 ANOS.

No ano do centenário de nascimento do Padre José Comblin (1923-2023), foi oportuno relembrar sua caminhada na Igreja do Brasil e da Paraíba. Mesmo que tenha sido pouco lembrado, mas valeu a pena.
Uma caminhada iniciada quando aqui chegou com outros sacerdotes europeus, em junho de 1958, logo construindo amizade com a Igreja que buscava novos caminhos para estar mais perto do povo.

Depois de uma estadia de três anos no Chile, retornando ao Brasil, conheceu o então Padre Marcelo Pinto Carvalheira, em 1965, que o estimulou vir morar em Recife. A pedido de Dom Helder Câmara, passou a atuar na linha da Teologia da Libertação, que buscava recuperar o rosto profético da igreja do tempo dos apóstolos, em que todos tinham tudo em comum, ajudavam-se, repartiam o que possuíam, de modo que não tivesse necessitado nas comunidades onde residiam. Era preciso voltar à Igreja da opção preferencial pelos pobres, sem, contudo, deixar de olhar para os afortunados.

Depois de conhecer o Nordeste, Comblin descobriu a obra missionária de Padre Ibiapina e deste recolheu ensinamentos que ajudaram a montar a proposta que tanto sonhava, que era justamente a de uma Igreja ainda mais servidora.

Junto com outros teólogos, trouxe um novo modo de ensino para os seminaristas, que era no sentido de atuar a partir do “ver”, “julgar”, “agir”, que depois ficou conhecido como “Teologia da Enxada”, colocado em prática na Paraíba. Tempos depois as Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) tomaram corpo, animando as famílias que desejavam mais espaço também dentro da Igreja.

Foi semente a germinar movimentos sociais que, com firmeza, surgiram nas décadas de 1970 e 1990 e adentraram no novo século, dando voz às reivindicações das famílias que viviam à margem da sociedade, principalmente no meio rural.

Tudo levava a descobrir os sinais de fé, de amor e de esperança.

Agora, quando lembro destes acontecimentos, por ocasião dos 100 anos de nascimento de Padre José Comblin, recordei que completou 10 anos da minha primeira visita ao seu túmulo, em Santa Fé, na divisa entre Arara e Solânea, quando ocorreu um ano depois de sua passagem deste profeta e estudioso do Evangelho. O que me chamou a atenção foi que tinha nascido sobre sua cova uma florzinha, entre da terra seca e seixos, como a nos apontar a esperança que brota do lugar esturricado.

Como recordou Padre José Floren, com quem teve diversos encontros e juntos realizaram trabalhos comunitários na Igreja, cabe-nos dizer, emocionado e agradecido: muito obrigado, Padre Comblin. Obrigado pelos ensinamentos, por nos ter ensinado a rezar de modo diferente e a conhecer melhor Nosso Senhor Jesus Cristo e o seu Evangelho com um olhar para os necessitados.

Como disse Padre Floren, Comblin abriu-nos os olhos, os ouvidos e o coração para o grito dos excluídos e para pensar o futuro da Igreja. Aprendemos muitos a refletir com seus 70 livros publicados e mais de 400 artigos produzidos em quase sete décadas de estudos.

Ele nos deixou um legado sobre vocação e missão, mostrou exemplo de simplicidade, de amor ao povo e fervor missionário.

Podemos dizer, a partir de uma definição de Padre Floren, que nosso amado Comblin sonhava com uma Igreja “povo de Deus”, menos clerical e mais comunidade. Menos do passado e mais do futuro, menos do direito canônico e mais do Espírito Santo, menos acomodada e mais missionária e samaritana.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

O PRIMEIRO VOO DO BEIJA-FLOR.

Sempre quando chegávamos ao local do trabalho, antes de qualquer atividade, íamos até a árvore onde o beija-flor preparou seu ninho, botou dois ovos, chocou-os e criou seus filhotes, até voar para a liberdade.

Na realidade, o pequeno ninho chamava a atenção desde o momento em que o beija-flor preparava sua obra de arte. Observávamos à distância o repouso dos filhotes. Um trabalho silencioso, meticuloso e persistente que me trouxe certas lições, pois lembro de empreendimentos que foram abandonados ao primeiro empecilho.

Grandes sonhos carecem de grandes atitudes.

O obstáculo do beija-flor foi o local escolhido para edificar seu ninho. Lugar movimentado, a baixa altura da árvore e a ventania no local dificultava a sua construção.

Muitas vezes observei beija-flores construindo ninhos nas árvores que tínhamos em redor de nossa casa em Tapuio, isso porque mamãe cultivava jardim com flores de diversas espécies, o que os atrai. Era um vai e vem de beija-flor pelas bordas do jardim, que depois desapareciam e retornavam logo a seguir.

Quando eu cresci, continuei a observar o esvoaçar dos beija-flores do jardim de minha mãe. Fui embora para outras terras, mas levei comigo os voos daqueles pássaros que não cantavam como os canários, os pintassilgos e os galos-de-campina, mas chamavam a atenção pelo modo com que se aproximavam das flores e rodopiavam para captar o néctar, em sadia disputa com as abelhas, em bonito bailado.

Quando percebi que o beija-flor chocava os avos, passei um tempo sem me aproximar para não incomodar a mãe carinhosa. Depois que os filhotes nasceram e cresceram, em certas ocasiões, observava os dois agarradinhos. Um maior e outro menor. Cresceram, sempre iguais nas cores das penas brancas e pardas.

Cheguei atrasado na manhã, com o sol vencendo as folhas das árvores, iluminando o ninho ocupado pelo filhote menor, porque o irmão maior alçou voo cedo do dia. Era preciso não o espantar, dei um passo para atrás. Fotografei, como das vezes anterior. Precisava registrar aquele instante, como procedi em outras ocasiões. Permaneci por instantes a beber da poesia do olhar e dos gestos do passarinho acomodado em seu ninho.

Era tempo do beija-flor iniciar sua travessia. A pequeno beija-flor, do tamanho do dedão do pé de uma pessoa, iniciou sua travessia em voo rápido, indo para uma árvore mais alta. Se não acompanhasse seu irmão naquele momento, ficaria à margem de si mesmo. Precisamos compreender o tempo de nossos próprios voos. Como disse o poeta “E o tempo da travessia, se não ousarmos fazê-la teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos” (Fernando Pessoa).

O beija-flor buscou novas paisagens, novos encontros. Foi estar com seu irmão, estar com sua mãe. É preciso buscar outros horizontes. Ficar atento para entender o momento de caminhar, como revelou o poeta lusitano.
Tenhamos a certeza de que sempre haverá alguém a nos proteger, a nos guiar. Na minha curiosidade, ao chegar perto do ninho vazio, eis que ligeiro como um raio, o beija-flor mãe passou roçando minha cabeça, como que a dizer, afasta-te daí, tão rapidez que não percebi o ruge-ruge das asas.

Fiquei a contemplar o ninho vazio. Como é belo seu traçado de penugens, meditei sobre as cenas presenciadas naquele dia e nas vezes anteriores. Em toda minha vida, poucas vezes estive tão perto desse pássaro esquivo e belo.

Minha alma ficou maior depois daquele dia. Construí um novo advento na minha vida. Há sempre distante uma estrela a brilhar. Veremos essa estrela quando olharmos com os olhos do coração. Então, estaremos sempre voando para cruzar a travessia. Sempre tem o primeiro voo do beija-flor.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

SINAIS DE AVANÇOS NA IGREJA.

Desde quando o Papa Francisco, este revelador de novos caminhos da Igreja para escutar a voz dos campos e das ruas, tornou conhecida Fiducia Supplicans, uma declaração do Dicastério para Doutrina da Fé, em 18 de dezembro de 2023, dando conta de que poderia ser ministrada benção a casal do mesmo gênero, desde que não caracterizasse matrimônio, surgiram muitas polêmicas. Barulho desnecessário. Vamos direto ao assunto: Jesus acolhia a todos que dele se aproximavam ou escorraçava? Selecionava a quem abençoar?

Para responder a estas perguntas, fico com as respostas do padre Waldemir Santana, meu professor de Profetismo, profeta inquieto que clama no deserto da cidade e em mar revolto navega no seu pequeno barco.
Sobre a decisão do papa, baseada na decisão do Dicastério para Doutrina da Fé, padre Waldemir Santana tentou esclarecer o tema abordado.

Como era esperado, afirma ele, “grupos movidos por uma ideologia religiosa enlouquecida, iriam reagir ferozmente a essa declaração. A união homoafetiva precisa e deve ser refletida com mais seriedade e respeito”.

Depois de afirmar que “de uma caterva de enlouquecidos, após a referida declaração, não se pode esperar nada, a não ser condenações e julgamentos precipitados”, padre Waldemir Santana acrescentou. Faço minhas as suas palavras:

“As mudanças ocorridas na sociedade são significativas, isso nos leva a entender que as uniões de afeto entre almas humanas do mesmo sexo precisam de maior entendimento que ultrapassa os moralismos doentios. A união homoafetiva configura uma relação amorosa homossexual. O termo homossexual vem da derivação do prefixo grego homos que quer dizer semelhante, com o sufixo sexus, que se refere ao sexo, portanto, a relação existente entre pessoas do mesmo sexo.

A reflexão sobre a relação homoafetiva, exige uma antropologia de base que supere preconceitos arraigados entre as pessoas, principalmente, as pessoas religiosas. A pessoa que possui sentimento afetivo homossexual possui o mesmo sentimento que outra pessoa qualquer, só que direcionado a pessoa do mesmo sexo. A homossexualidade é um tema bastante discutido, ainda não pacificado, mas hoje com o avanço do conhecimento humano, o entendimento dessa manifestação como opção, doença ou característica hereditária já foi superado pela medicina e outras ciências.

Com as mudanças de valores e costumes, as relações homoafetivas foram ganhando visibilidade no meio social, mas ainda há resistências que, também, tem alto nível de visibilidade.

A união homoafetiva tem sido tratada no âmbito do direito civil e não pela vara de família. Por outro lado, deve haver o reconhecimento de um patrimônio que foi construído juntos, em caso de dissolução da relação, que haja uma divisão proporcional de bens.

A relação entre pessoas do mesmo sexo deve ser baseada na ligação afetiva e duradoura e merecedora de proteção jurisdicional. O poder judiciário avançou na compreensão do problema, a Igreja com essa declaração está dando um passo significativo no campo do cuidado pastoral.

A sexualidade não pode ser reduzida a genitalidade, pois, empobreceria a própria relação e obscureceria outros elementos importantes da relação. A sexualidade implica no envolvimento afetivo e as manifestações amorosas entre as pessoas. Grupos extremistas de católicos na igreja estigmatizam as uniões homoafetivas na sua dimensão mais íntima e profunda.

A sexualidade para muitos clérigos, continua sendo um terreno pantanoso que traz riscos a quem ousa modernizar a concepção antropológica da igreja sobre a sexualidade humana. Aqui, a instituição, fica travada em concepção já superada pelo conhecimento humano.

Abençoar as pessoas homoafetivas não é um favor que se faz, mas é um direito que essas pessoas têm como filhos e filhas de Deus. A declaração é clara e não deixa margem para dúvidas: é uma bênção e não uma celebração do sacramento do matrimônio. Em que uma bênção contradiz ao projeto de Deus? Os padres que já estão se manifestando dizendo que não abençoarão esses casais, que a declaração intitula de união irregular, no entanto, abençoam cachorro, gato, carro, instituição bancária, só não abençoa dois seres humanos que partilham os mesmos afetos recíprocos. Quanta hipocrisia!

Não há nenhum vestígio de rejeição preconceituosa em relação à alguma pessoa nos Evangelhos. Devemos levar em consideração que as leis, as prescrições são algo que não podemos prescindir, mas são, também, instrumento, quando usurpados pela interpretação humana, que divide, que interpõe obstáculos, permitindo que se faça a distinção no qual há os bons e os maus. Assim sendo, a Igreja não pode guiar eficazmente as pessoas que lhe foram confiadas com a multiplicidade de prescrições, proibições e julgamentos negativos.
O ser humano é um bem na sua plenitude e concretude que pede para ser abençoado. Quando se abençoa uma união homoafetiva, não é pelo bem do indivíduo, mas pelo bem comum das pessoas. Deve-se levar em consideração que os valores que essas pessoas portam são mais importantes que certas mentalidades jurássicas que envenenam a religião.

É importante é que as reflexões sobre casais homoafetivos não caiam na engrenagem de discussões ideológicas complexas. A declaração da Congregação para Doutrina da Fé enfatiza que a finalidade da bênção é para que tais relacionamentos amadureçam e cresçam na fidelidade ao Evangelho. Para receber essa bênção de forma privada sem nenhuma menção ao rito sacramental, não é necessário que o casal seja obrigado a ter uma perfeição moral prévia como pré-condição para obter a bênção.

O Papa Francisco está abrindo as portas da igreja para os irmãos que até pouco tempo eram considerados refugo, imundície, mas são filhos de Deus amados e queridos, merecedores de todo respeito. Os que resistem a dar uma bênção a um casal homoafetivo não o fazem só por questão doutrinal, mas no fundo existe um problema existencial. A homossexualidade é uma realidade é uma realidade do mundo, inclusive da Igreja. Muitos clérigos da extrema direita, atira pedra no telhado do outro, quando o telhado de sua casa é de vidro.

É inconteste que hoje, na Igreja Católica, nunca se desejou tanto a morte de um sumo pontífice como o do Papa Francisco. Até nas celebrações litúrgicas, certos padres se recusam a citar o nome do Papa na anáfora eucarística. Francisco tem a lucidez do Espírito, por isso, percebe as mudanças que estão ocorrendo no mundo e procura com sua solicitude pastoral responder às grandes questões que estão eclodindo.

Vida longa para Papa Francisco!”]

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

INFINITO EM SUA PATERNIDADE.

O gesto de paparicar netos, que extrapola o carisma de pai, ecoa no convívio com os Avôs.

Numa perspectiva de vida longa, quando nasce um neto, completa-se o ciclo da existência humana. Mesmo que a vida se prolongue por mais tempo.

Como pesquisador de sentimentos íntimos, recolho nos netos os gestos dos filhos, nos mistérios do amor de pai.

O neto é o espólio recebido sem merecer. Brota da semente do filho, e desta, em replantio, germinou com novas vidas. Simples de explicar, e profundo no sentir. Tendo-o nos braços, principiamos sensações de diferentes etapas da biografia de afetos.

A escritora cearense Raquel de Queiroz afirmava que o neto “é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo…”.

Nesse sentido extrapassa horizontes do prazer, é indescritível ser avô. Avô que acolhe o neto renovado em bênçãos, como pétalas invisíveis semelhantes às luzes de todos os solares.

Quando fazemos memória de Santa Ana e São Joaquim, revelados como os pais de Maria, a mãe de Jesus, recolhemos no abraço os filhos de nosso sangue, pequenos, mas imensos em asas douradas de anjos a pontilhar os caminhos derradeiros no horizonte.

Quando surgem nuvens do esquecimento no entardecer da vida, lembranças dos filhos pequenos começam a sumir da mente, mas a presença dos netos é o consolo. As primeiras palavras balbuciadas, a benção do vovô, os bracinhos agarrados ao pescoço, os gracejos em nos acarinhar, as primeiras letras rabiscadas no papel, o primeiro livro a manusear…, tudo se transforma em temas para composição da história de nossa vida. Nada paga as alegrias dessas descobertas.

Nos netos, recordamos os filhos quando criança, e buscamos imagens adormecidas da nossa infância.
Haverei de recolher meus netos em um poema, uma palavra guardada no coração. Suas brincadeiras e os sorrisos espontâneos, como pétalas de rosa azul haverão de permanecer no jardim das lembranças.
Serei para meus netos o ancião de mãos trêmulas, de cabeça branca a apontar para a aurora sorridente, a revelar gestos dos antepassados. Como avô ou avó, seremos aqueles que buscam a infinda liberdade para amenizar a dor e a ansiedade na proximidade do pôr-do-sol da vida.

Qual promessa farei aos meus netos, quando o mundo brutaliza as relações? Pergunta angustiante!
Avô quer chão fértil para o roçado dos netos, mais fecundo do que tiveram os filhos. Terra com águo espiritual onde obtenha colheita superabundante de paz e felicidade completa.

Os netos confirmam nosso envelhecimento e com seus afagos noticiam a proximidade de nossa caduquez. Trazem um princípio de esperança na continuidade da descendência.

O neto é gostado com ardente afeto, esse amor que extrapola limites da paixão humana, que chega ao êxtase do bem-querer. Com brincadeiras, criam paisagem mítica e eleva a alma ao alcance cósmico.

Para as perguntas de Deus que os adultos são conseguem responder, as crianças têm a resposta. Portanto, prestemos a atenção aos gestos e as palavras das crianças e conheceram os caminhos simples que levam a Deus.

Seres tão pequenos nos fazem eremitas no deserto do nosso lar. Os jardins dos avôs riem com as futuras moças e rapazes, quando os pássaros aplaudirão a todos com suas asas, os livros falarão de mundos e sonhos.

Nada distancia o avô do neto, como fez o poeta Juca Pontes que carregava o olhar ao rio da infância visto da casa-grande, em cujas “águas do Capibaribe flutuam os sapatos do meu avô”.

Ao final deste texto, o poeta francês Victor Hugo, imenso na sua produção literária, acode-me com uma saudação aos netos:

Sou um avô que ultrapassou todos os limites.
Triste, infinito em sua paternidade,
nada mais sou do que um bom e velho sorriso teimoso.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

QUANDO CHEGAVA O NATAL.

Está longe e faz muito tempo. Lembro quando foi o Natal que conheci, o primeiro é o último vivido em Serraria, depois de muitos tentar recordar as oportunidades reveladas a cada badalar o sino a meia noite.
Era o menino de seis anos. A vida estava em volta dos muitos que habitavam os sítios e percorriam as veredas e caminhos que levavam ao mesmo lugar.

A folhinha e a chegada da safra do caju definiam a data dos preparativos. Nunca garatujei mensagens, mas as mensagens chegavam com a felicitação da boa nova do Natal e do Ano Novo que mamãe guardava. Depois, com o passar dos tempos, as meninas passaram a cuidar da árvore de Natal.

A casa não tinha muros, mas janelas escancaradas para receber a brisa e o sol que se esparravam pelas salas. No cantinho da sala, a árvore feita de galho de sucupira era coberta de papel celofane e com lã de algodão. Caixas de fósforos cobertas com papel se transformava pequenos presentes que ficavam pendurados nos galhinhos, dando clima natalino, tão esperado. Tudo nos fazia ver o menino que não brincava conosco.
No mais, eram o mulungu, os cedros e as laranjeiras em redor da casa que coavam a luz do sol e as nuvens se engalhavam.

A vida partia de dentro de casa para se misturar com as pessoas que passavam na estrada em frente a caminho de Serraria, com roupas novas, fruto da lavoura. Algumas levavam o sapato na mão para calçar na entrada da cidade. Quando não entravam para uma “bicada” de cana na bodega, acenavam em gestos fraternos e camaradas.

Nunca rabisquei nada sobre as flores do Natal e Ano Novo, tudo o que imaginava se misturava na minha imaginação, os maturis, as flores, os frutos do caju e da manga apareciam neste período do ano, quando não retardava a chuva de verão.

Os frutos pendurados nos galhos, os bolos e sucos na mesa consumidos com os olhos antes do anoitecer. “Não toque antes da hora”. A hora que não chegava. Muitas vezes o sono chegava antes da hora de consumir o que estava guardado para a noite de Natal.

Nada de presentes. O maior presente era relembrar o nascimento de um menino que tinha o nome de todos nós, e nem sabíamos onde morava.

O menino anunciando para o ano novo. Ano novo que chegava fora, antes de chegar em mim. Ano novo que chegava com novas folhagens e roçados sendo preparados. Tinha a noção abstrata do tempo e de folhinhas secas espalhadas pelo terreiro. Tempo revelado quando os galhos estavam penso com o peso das frutas.

O Natal e Ano Novo que se comunicavam com a chegada pelas flores e no sentido dos frutos, consumidos como manar.

O sítio Tapuio vivia o encantamento, o poético, o mais universal gesto de igual sentimento.

Nas orações, os mais velhos pediam prosperidade, saúde e paz. O espírito do céu e da terra invocado desde nossa descendência, que se revelava neste período para a eternidade aparecer nos gestos e nos sentimentos.

No íntimo, se pedia a germinação das benções. Verdes para os campos, da terra brotar fartura e nos riachos a água para saciar a sede. Nos versos de Miguel Angel Austúrias, hoje revejo na mais poética e universal visão, igual no sentimento do chamando:

“Espírito do céu. Espírito da terra. Dai-nos nossa descendência, nossa posteridade, enquanto houver dias, enquanto houver alvoradas”.

Acordávamos com os sinos a badalar na manhã tão esperada. Salve o Natal de 1960.

Ainda hoje desejo que a germinação de faça! – como cantava o poeta.

“Que numerosos sejam os verdes caminhos, as verdes sendas que nos dás!”

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

A MÍSTICA DOS ANTIGOS TEMPLOS.

Entro na Igreja da Misericórdia como quem busca o recolhimento em um templo antigo para a renovação da alma que busca arrependimento e perdão.

Os velhos templos religiosos, mais do que os de edificação recente, que são amparados na visão da modernidade, recolhem a mística da igreja reunida para a vivência da fé.

A Misericórdia é uma das quatro igrejas mais antigas da Paraíba. Construída em pedra calcárea esculpida pela mão dos tabajaras e potiguaras, sob a inspiração de jesuítas que trouxeram a visão da fé para o mundo novo que se descortinava, ajuda a observar o Deus invisível, que se revela na alma e transforma a rudeza do homem e da mulher.

Desde antes, como hoje, a presença do Divino no mundo povoado de gestos que transformam pessoas em fera, como canta o poeta, fera cada vez mais violenta em atitudes, chega como sinal fundamental de transformação dos corações. Então a pessoa, mesmo entupida pelas vozes agourentas e carnívoras circulantes ao redor, modelada pela brutalidade de bichos-do-mato, quando chega a um templo religioso, ainda mais nos antigos, pode ser transformada pela paisagem do seu ambiente.

Eu sinto essa transformação interior quando entrou em uma igreja, sobretudo nas mais antigas, de grossas paredes esculpidas por mãos puras, como são as que foram erguidas pelos nossos irmãos indígenas e caboclos.

Se Jesus falou de que o templo invisível de nossa alma seria edificado em três dias, antecipando a sua ressureição após a crucificação no madeiro, com o passar dos tempos a Igreja, iluminada pela força do Espírito Santo, percebeu que a imponência do visível aos olhos muito ajudaria na construção do templo da alma.

Suponho que na antiguidade a construção de belas igrejas teve como intuito se tornar o lugar onde o povo pudesse se reunir para renovação espiritual de forma coletiva e, assim, aprender a conviver em sociedade baseada na caridade.

Quando flutuamos pelas veredas da vida, semelhantes a barcos que flutuam em águas agitadas por ventos incertos, nas catedrais antigas encontramos ancoradouro para reflexão.

Nas pedras calcáreas da Misericórdia está a presença do homem criado a semelhança de Deus. Lugar para onde convergem todos os necessitados, os que buscam um recanto para seu recolhimento, quando outras portas se fecham. Neste lugar santo se acalmam todas tempestades da alma. O Deus invisível apazigua as tormentas.

Os conjuntos arquitetônicos, sobretudo os mais antigos, comovem com seus esplendores, e silenciosos, nos falam de Deus.

Se foram construídos para ostentar o poder econômico-social, transformaram-se em lugares reservados para acolhida dos cansados e angustiados. É quando o belo da Arte se manifesta como alimento espiritual.
Imagino quanto fervor sente o homem ou a mulher ao contemplar as abadias medievais e os mosteiros antigos onde há uma relação próxima destes lugares com Deus, terra e céu se unindo no mesmo olhar. Ambiente de silêncio, onde se busca e se encontra a unidade na oração.

Estas Igrejas cristãs primitivas, bizantinas e medievais, foram construídas como verdadeiras obras de Arte, de doutrinação dos fiéis.

Como não sou de muitas andanças, ao contrário do poeta Germano Romero que percorreu os mais destacados lugares do Velho Mundo para captar suas belezas e sua energia, caminho pelos arredores de nossa paisagem que os europeus trouxeram há quinhentos anos, observando com irrevelável sentimento os conjuntos arquitetônicos São Francisco, São Bento e Igreja do Carmo, mas é na Misericórdia, a igreja mais humanizada da Paraíba, onde permaneço calado durante horas. Para ali correm os degredados, os esquecidos e esfomeados que a cidade abandonou, para receberem a acolhida e se aquecerem na chama invisível que nunca se apagar.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

JESUS, DIÁCONO

Jesus é diácono por excelência, foi o primeiro a servir em plenitude aos que dele se aproximavam. Desde os primeiros momentos quando apresentava o Reino de Deus como essencial na vida das pessoas, no sentido de exercitar a koinonia cristã em sua perfeição. Na comunidade de seguidores, constituiu-se no primeiro diácono. A instituição da Eucaristia, a Crucificação e a Ressureição marcam gestos de suprema diaconia. Ele, servidor, abraçou com fervor o projeto de Pai.

A diaconia de Jesus se concretiza, plenamente, na Cruz, de onde brotaram os caminhos da Salvação, tornando-nos participante de sua vida.

O objetivo da diaconia de Jesus é a humanidade, sobretudo com olhar para os pobres, porque Ele é o Servo por excelência. Cristo é servidor da unidade. E diácono da ternura. Uma ternura que repercute até os dias atuais, eternizada em gestos e atitude de seguidores espalhados por todo o Universo.

Servo da solidariedade, bom samaritano, Jesus colocou sua vida a serviço dos homens, não hesitou lavar os pés, servir e cear com os Apóstolos (Mc 14, 22-24; Lc 22,17-20; Mc 10,43-45; Mt 10-24). A cada celebração da Eucaristia é repetido o gesto para cada um de nós, no Pão e no Vinho partilhados sua presença e sua energia que nos impulsionam e alimentam.

Pão partilhado, vidas renovadas. Renovadas na esperança e na crença no pedaço de pão e no gole de vinho purificados. Vidas conduzidas pela fé.

O diácono dos tempos passados e de hoje quando olha para Jesus, supremo diácono, é convocado a levar a mensagem deste a todos os recantos. Um serviço executado pela fé, na esperança com caridade, porque, como Ele disse, quem faz isso “é a mim que o fazei”.

Revela o Papa Francisco em momento de inspiração, se o diácono deseja seguir a Jesus, deve plenamente imitá-lo. Ser humilde de coração e compreensivo em relação ao povo, além de saber preservar a fé, guardar o que lhe foi confiado, evitar conversas frívolas (1Tm 6,20), estar disponível a escutar o povo.

O belo é um ideal difícil de ser conquistado. Sendo o mais belo personagem da História da humanidade, Jesus deu beleza estética na ternura do diácono.

Assim como Jesus, que foi diácono no silêncio, sejamos nós, diáconos, os olhos da Igreja para não esqueça os pobres, sobretudo os oprimidos.

O poeta Jorge Luís Borges afirmou em um de seu livro que todo o presente é verdadeiro e que “Deus, de Quem recebemos o mundo, recebe de Suas mãos criaturas do mundo”.

Meditando sobre este pensamento do poeta argentino que perdeu a visão para melhor ver com os olhos do coração, cheguei a uma conclusão de que devemos trabalhar as criaturas para revolver a Deus em estágio de compreensão do mistério da vida e da morte, da Eucaristia e da Ressureição.

Fiquei a pensar que o homem é capaz de desenhar o mundo, e ao longo do tempo povoar os espaços com obras e ações capazes de contribuir para melhorar a vida das pessoas, seja das cidades ou das montanhas. A missão é a mesma.

Somente podemos dar aos irmãos aquilo que captamos do coração e revelamos pelas palavras, o que não é menos íntimo, a ser útil no hoje e no amanhã. “Só podemos dar o amor, do qual todas as coisas são símbolos”, afirmou o Borges, em julho de 1968.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

A IGREJA E O LIVRO

A leitura é o caminho para as conquistas pessoais e espirituais.

Partindo do princípio de que a Igreja deve estar ao lado do povo, ouvindo seus anseios e reunindo todos para caminhar irmanados, partilhando alegrias e ansiedades, esta deve fazer com que o livro chegue às mãos de crianças e adultos, porque é uma das primícias de elevado conteúdo para atingir elevado valor humano.

O hábito da leitura não deve ser apenas estimulado na escola, o que nem sempre acontece com a ênfase desejada, mas é em casa onde tudo começa. Como também na comunidade onde as pessoas de reúnem.

Justamente nesse ponto é que deveria entrar a participação da Igreja, com o estímulo às famílias para o hábito da leitura, inclusive começando pelas crianças. Ajudar acessar o livro, instalar bibliotecas em suas dependências e promover campanhas educativas nessa direção. Não basta salvar as almas, é preciso salvar vida. A cultura, a educação, a poesia salvam vidas.

Como poderia acontecer isso. Bastante simples. Começando na catequese com crianças, quando estas entram em contato com os preceitos da Igreja e da Religião. Pelo menos assim imagino. Na conversa com os pais, no diálogo com as crianças, o livro seja um instrumento presente. Todos esses momentos, suponho, são oportunos para estimular ao acesso à leitura.

Como isso será ministrado, não vejo tanta dificuldade, afinal, todos trabalham com o manuseio da palavra. A palavra oral e escrita. Então, como parte dos ensinamentos propostos como formação do catequizando, oferecer condições para exercitar a leitura seria um caminho para se criar amor ao livro, o gosto pela leitura.
Todos sabemos que pela leitura é possível se descobrir valores humanos, verdadeiros tesouros guardados no coração das crianças, dos jovens e dos adultos. Em muitos casos, precisam de oportunidades para expor talentos.

Nossa Igreja tem bom material de apoio às crianças quando se trata de oferecer aprendizado básico com sobre religião, princípios éticos e morais, que mostra como deve se comportar um cristão.

Imagino um dia em que nos salões paroquiais existiam bibliotecas com livros de todos os gêneros, abertas às mentes e corações. As mãos que purificam o vinho e o pão transformando o livro em alimento para o espírito, ajudando a transformar vidas humanas e pessoas em verdadeiros santuários do Espírito Santo.

E do conhecimento de que a Igreja, desde os tempos da concepção da prensa por Gutemberg – que permitiu imprimir textos -, foram adotadas práticas de repulsa a certas obras literárias. Obras somente eram publicadas após aprovação de um bispo que concedia o selo de imprimatur (“seja impresso”).

Para ficar no campo da ficção literária, cito apenas obras de Victor Hugo, escritor francês que teve as obras Os Miseráveis e O Corcunda de Notre-Dame censuradas pela Igreja.

O livro Os Miseráveis aponta o governo como opressor e a adversidade da sociedade. Já O Corcunda de Notre-Dame o autor mostra o desfigurado Quasímodo sendo avaliado pela aparência física. As obras eram consideradas sensuais e porque apontavam a diferença social da época.

Outro francês, Alexandre Dumas, também tinha suas obras censuradas, como O Conde de Monte Cristo, cujas personagens se envolvem em suicídio, adultério e consumo de haxixe.

Se aconteceu isso no passado, bem recente Leonardo Boff teve seu livro Igreja: Crisma e Poder, por defender a teoria da libertação, foi igualmente censurado, passando a viver “um silêncio obsequioso”.

Sem esquecer a história, passemos a estimular a leitura. A Igreja pode contribuir de maneira significativa nesse ponto.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

DE MÃOS ESTENDIDAS.

Há uma passagem bíblica que faz referência à riqueza e ao desapego do luxo. “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”. Lembro disso quando há silêncio no momento em que se completaram os 50 anos da morte de Padre José Coutinho, nosso maior benfeitor de todos os tempos, à semelhança de Padre José Maria Ibiapina, no século 19. Um padre que pedia esmolas para alimentar os pobres.

Em escaldante dia de sol de novembro, o fundador do Instituto São José e do Hospital Padre Zé, em cadeira de rodas, sob o guarda-sol, o suor do rosto umedecendo a toalhinha, a batina preta cobrindo as pernas inchadas enquanto pedia esmolas, como fazia há décadas, passou mal e foi levado às pressas ao hospital, onde faleceria dois dias depois.

Nascido em família católica, com tios padres, influentes na Igreja da Paraíba no final do século 19, a história de Padre Zé Coutinho é pontilhada de incomparável desejo de servir, cuja base foi edificada na infância quando seus pais, donos de muitas terras, se constituíram benfeitores na região de Esperança, Pocinhos e Serraria. Seguir o caminho do sacerdócio foi uma decisão tomada na adolescência, logo acolhida por todos.
Ordenado padre em 1920, não perseguiu cargos na Igreja, mas se aproximou de quem poderia ajudar a minimizar a situação de penúria das famílias residentes nas periferias da Capital, onde a pobreza mendigava. Foi quando muitos pobres passaram a olhar uma luz distante no horizonte.

Cedo ele procurou forrar-se de virtudes teologais e ensinamentos filosóficos para compreender as paisagens humanas construídas tendo como base fé cristã. Se não tinha sede de conhecer certos conceitos da religião, era um homem culto que abraçou a causa dos pobres baseado na sabedoria da Palavra de Jesus, por isso edificou fecundo trabalho em favor dos excluídos.
Parece que ouvia a assertiva do Mestre: “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”. Assim procedeu, pois, quando recebeu herança de seu padrinho e de familiares, sendo uma fazenda em Pocinhos e engenho em Serraria, vendeu-os para repartir com os necessitados, pois investiu tudo no Instituto São José e na modesta casa de acolhida, para amenizar a dor de agonizantes. Igualmente, aconteceu com a fazenda no bairro de Mandacaru, doada pela senhora Iaiá Paiva, permitindo que famílias ocupassem e construíssem suas casas.

Em sua trajetória de vida religiosa, não desviou o olhar da pobreza, não praticou gesto desgastante para a Igreja. No entanto, elevou gestos bondosos para dignificar a vida dos desprezados pelas autoridades governamentais. Ele foi um interlocutor para retirar do encurvamento social, de prostração e da inabilidade muitos que estavam em situação de exclusão.

Quando aportei nesta cidade em 1971, conheci este padre que percorria os salões de festa e postava-se às portas dos cinemas para pedir esmolas, sempre com retumbante “meu prezado, não esqueça de ajudar aos meus pobres”, enquanto tocava ao ombro de alguém com a vareta de sucupira.
Conheço pessoas que à época, jovens, empurraram sua cadeira de rodas. Convivi com pessoas que estiveram sob seu teto, receberam ensinamentos que nunca deveriam esquecer. O jornalista Nathanael Alves, o deputado Antônio Medeiros, o procurador do Estado Manoel Raposo, o desembargador Simeão Cananéa e tantos outros que acho razoável não citar mais para não cometer injustiça, o que seria imperdoável, comeram os pirões do padre.

Quando acometido pelos males do corpo, o padre apresentava cansaço, sem condição de manter a residência, jovens médicos dão as mãos para transformar a antiga Casa do Padre em local habitável, relanceando olhar ao crepúsculo acolhedor de antes. A sociedade assumiu o projeto caritativo de elevado sentido, e depois, passou a ser comandado durante anos por uma comissão integrada por membros do Encontro de Casais com Cristo, da Basílica-Catedral Nossa Senhora das Neves.

Padre José Coutinho nunca falou com jactância de seu espólio caritativo, mas revelava-se no pequeníssimo conforto que trouxe para muitos desvalidos. A todos boamente se dedicava sem em nada pedir em troca.
Sabia ser tarefa árdua manter o empreendimento à custa de doações porque era pouca a subvenção do Estado. Nunca esmoreceu diante do infortuno de não ter o que comer nem remédio para curar feridas dos desvalidos. Mas Deus infundiu nele esperança e perseverança.

O Instituto São José, fundado em 1935, e, com muito esforço, em 1965, a Casa do Padre foi transformada em hospital, legado pelo o qual sempre dedicou sua vida porque entendia como cumulação de Deus, apenas sendo sócio benemérito e fiel depositário, sem querer glória.
Meu livro “De mãos estendidas”, sobre este padre que amava os pobres, chegou a terceira edição graças ao apoio do seu sobrinho, desembargador Júlio Aurélio Coutinho, cuja renda foi revertida para o Hospital Padre Zé.

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.

PADRE IBIAPINA ABRAÇOU OS POBRES.

Convidado a ocupar este espaço de inestimável valor, devo somente abordar temas relevantes à vida da Igreja, socializando palavras que construam uma sociedade de paz. Assim desejo. Mudará se o momento exigir uma opinião, mas sempre tendo como base a Palavra de Deus. Deverei me prender aos assuntos gerais das atividades pastorais e às abordagens lúdicas para expor uma reflexão, mesmo que não seja definitiva. 

A corte doutrinária da religião, os caminhos da Igreja e as indicações similares, deixo para os mestres no assunto, que ocuparão outros espaços nesta página em dias alternados da semana, pois, mais do que eu, são versados em estudos teológicos. Me alimento da Poesia e da Música inspiradas na Palavra dos Profetas, porque procede de Deus.  

Para os temas teológicos e tomadas de posições da Igreja, outros colaboradores certamente apresentarão ideias e apontarão pontos de vista, mesmo não sendo os derradeiros, nem os mais eloquentes. No entanto, no meu caso, serão opiniões de quem se debruça no estudo das Letras e do pensamento cristão, olha a vida com poesia e admira as artes. Reservarei o espaço a pequenos comentários de rodapé de página. Tentaremos abordar o fatual, a notícia que ganha dimensão quando analisada à luz do Evangelho, sempre buscando o ponto de vista menos crítico ou opinativo, e mais informativo. 

Neste primeiro encontro com os possíveis leitores, lembramos dos 30 anos da abertura do processo de Canonização do Servo de Deus Padre Ibiapina, idealizado pelo inesquecível Dom Marcelo Carvalheira, quando bispo da Diocese de Guarabira, no ano de 1992. Foi um dia memorável, presenciado pelos que estiveram no Santuário Santa Fé, onde existem, na parte mais antiga do lugar, a Casa de Caridade, Memorial, Capela e o Túmulo do Apóstolo do Nordeste, e bem na frente, a poucos metros, o anfiteatro onde são celebradas as datas comemorativas.  

O padre-mestre Ibiapina, que completou 170 anos de sua ordenação, foi, ao seu tempo e continua nos tempos atuais, exemplo para todos os que abraçam o sacerdócio, porque aponta caminhos da missão como ponto central de quem deseja servir, tendo como base os ensinamentos de Jesus. 

Nos 140 anos de sua morte (ele faleceu em 1883), que foram lembrados no dia 19 de fevereiro, percebe-se que a presença de Ibiapina é ainda mais constante entre os fiéis nordestinos, e pouco entre o clero, mesmo que outros dois grandes nomes tenham surgido no meio do caminho – Padre Cícero Romão e Frei Damião de Bozzano -, ambos com forte apelo popular.  

Ibiapina, que viveu em uma área crítica do Nordeste, em época de desolação por causa da brutalidade humana, da seca e da fome, por sua vez, trabalhava como missionário a acalentar o sofrimento de um povo gerado entre os espinhos do mandacaru, na terra esturricada e na poeira das estradas quando os meios de transportes eram nos lombos de animais ou carro de bois.  

O modo como este Servo de Deus atuou, desde logo, chamava a atenção. Ele agiu com o compromisso de construir uma sociedade da partilha e da concórdia. Uma sociedade menos injusta, como a Palavra de Deus ajuda a erguer.  

Depois que abandonou sua atividade de advogado, de magistrado e de parlamentar ao tempo do Império, ele foi ordenado padre aos 43 anos e, a partir daí, embrenhou-se pelos Sertões do Nordeste para falar de uma nova maneira de lutar pela sobrevivência. Com um novo modo de pregar o Evangelho e de acolher os desassistidos, esteve junto às famílias, uniu as pessoas que estavam separadas, construiu um ambiente de amor. Com seus gestos da não-violência e do exercício da partilha, Ibiapina trouxe uma nova forma de convivência entre os brutalizados pela miséria.  

Ele foi um homem místico, silencioso, que andava pelas caatingas e brejos fazendo o bem, acolhendo órfãos. Com suas mãos de ternura acolhia famílias desoladas. Ibiapina foi um padre dos pobres, que abraçou os pobres. 

Por muito tempo o clero não entendeu o papel missionário de Ibiapina. E ainda necessita beber na fonte de sua experiência missionária, que viveu no semiárido atingido pelas secas e pela violência climática e desumana.

Enquanto estava vivo, ele impunha um prestígio pessoal para construir suas casas de caridade e manter a sua obra de assistência às pessoas desassistidas, mas depois tudo isso desapareceu, porque bispos e padres, principalmente estes, não entenderam seu modo de colocar em prática o que está nos Evangelhos. Somente quase um século depois, seu papel começou a ser revisto. Dom Marcelo deu importante passo no sentido que a obra e a vida de Padre Ibiapina fossem revistas. A este vieram se juntar Dom José Maria Pires, Padre José Comblin, Padre José Floren, Padre Francisco Sadoc de Araujo, Padre Ernando Teixeira de Carvalho, Padre Gaspar Rafael Nunes da Costa e outros, que passaram a estudar a sua vida e tentar resgatar a sua obra missionária. O que tem sido muito importante para se redescobrir este missionário nordestino.

Muito me alegrou falar, hoje, deste servo bom e caridoso que a Paraíba acolheu, que a Igreja não descobriu em sua plenitude. Que o padre-mestre Ibiapina nos ilumine a seguir seus passos e imitá-lo.  

Precisamos estudar sua história. Padre Ibiapina sempre será um modelo de padre para o futuro da Igreja, mesmo que, à sua época, tenha sido um missionário solitário.  

José Nunes é Diácono, jornalista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a Academia Cabedelense de Artes e Letras Litorânea, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa.