Quaresma é tempo especial de voltar para o Senhor. Um tempo em que somos movidos pelo Espírito Santo para revisitar os nossos lugares interiores e, diante dos valores do Evangelho, tomar decisões corajosas de mudança, de conversão. Não podemos viver mais um tempo penitencial distraídos, como se Deus não oferecesse sua graça transformadora.
Neste Segundo Domingo da Quaresma, dando continuidade ao caminho penitencial, a liturgia da Igreja, depois de nos ter oferecido no domingo passado o simbólico Evangelho das tentações de Jesus no deserto, convida-nos a meditar sobre o acontecimento de oração da Transfiguração do Senhor.
O acontecimento da Transfiguração da montanha traz a mensagem da ressurreição; junto com o evangelho das tentações, esses dois episódios antecipam o Mistério da Páscoa de Jesus. Os dois primeiros domingos quaresmais são uma espécie de caminho norteador para esses quarentas dias de penitencia. Afinal, tentação e transfiguração apontam para o dinamismo pascal: passagem da morte para a vida. O Divino Mestre sobe à montanha para rezar juntamente com alguns de seus apóstolos, Pedro, Tiago e João. Durante o período quaresmal, também somos levados àquela subida, toca-nos o necessário e amoroso dever de estar com o Senhor na montanha, por meio da oração e dos sacramentos da Igreja.
O lugar da montanha, a partir dos relatos bíblicos, configura-se sempre como o lugar da proximidade com Deus. A experiência com Deus exige essa elevação. Não podemos contar nossos dias somente a partir das experiências cotidianas. Na montanha, encontramos um lugar de oração, e encontramos o próprio Deus que nos convida a reservar demorados espaços e tempos para estar com Ele. Na correria e na agitação da vida moderna, nem sempre reservamos esse lugar que prioriza Deus. Preferimos muitas vezes passar horas e horas nas redes sociais, vivendo como se não devêssemos rezar. Jesus mesmo, no acontecimento da transfiguração, nos ensina o caminho da vida: Ele imerge-se em Deus. Aqui, Nosso Senhor nos dá uma profunda lição: toda nossa ação no mundo deve partir do primado de Deus.
Qual o tempo que dedicamos à oração? Vale mesmo o esforço de rezar muito? A autêntica vida de oração crava no coração do pecador arrependido um caminho luminoso. Um caminho que leva para Cristo. Quando nosso coração se cala na oração, passamos a adquirir um novo olhar sobre nós mesmos e a realidade que nos cerca. Quem reza passa a ter os mesmos sentimentos de Jesus. Muda de vida. O esforço que devemos empreender na vida de oração deve ser um dos maiores bem a serem conquistados ao longo da nossa vida terrena. É na oração que alimentamos a amizade com Deus. Na quaresma, a liturgia da Palavra proclamada nas missas, frequentemente nos convida a reservar mais tempo para a oração. A Igreja, que é mãe e mestra, vai nos apontando esse caminho luminoso, caminho que passa pelas dificuldades e alegrias.
O caminho da oração nos levará ao caminho de Jesus. A Palavra de Deus nos revela que esse caminho passa, inevitavelmente, pelo enfrentamento do escândalo da cruz. A oração, na vida cristã, não é uma fuga da realidade, mas um lugar em que nos enchemos de Deus e da sua vontade, e, junto com Cristo, enfrentemos as cruzes que se apresentam ao longo de nossa caminhada. Quem reza de verdade não foge do caminho escandaloso da cruz! Quem reza de verdade tem as mãos levadas à caridade cristã.
O Filho de Deus sabe que todo apostolado, e, até mesmo todo compromisso com a caridade entre os homens, devem ser precedidos pelo compromisso com a primazia da oração, caso contrário, o Seu apostolado não passaria de um ativismo pastoral. A oração cristã tem a justa medida da solidão com Deus e a justa medida do movimento missionário, do estar com os irmãos, levando a estes, o mesmo amor que recebemos do Senhor. Oração e caridade nunca se desencontram, mas são deveres que se exigem.
A vida cristã exige uma aproximação com a cruz de Jesus. Esta não é sinal de derrota, mas lugar seguro de nossa salvação. O verdadeiro cristão não foge da cruz, mas a abraça! Contudo, sabemos que os sofrimentos podem nos afastar de Deus, principalmente, quando detemos nosso olhar somente para as dores da vida. O grande convite que o tempo quaresmal nos faz é o de olhar firmemente para o peito dilacerado de Jesus na cruz: “A partir daquele olhar o cristão encontra o caminho do seu viver e amar” (Deus Caritas est, n.12). Esse olhar só é possível quando enchemos nosso coração com a oração que não multiplica as palavras (Mt, 6,7), mas que se reveste da caridade que outra coisa não sabe fazer a não ser: dobrar-se a Deus e aos irmãos. Que a serena oração que brota das mãos caridosas de Maria nos ajude a encher o mundo que habitamos dos mais altos compromissos com a justiça social e a fraternidade.